4/22/2009

O Professor Crédulo – Parte 2

Tornei-me professor porque fui um aluno obediente.
Ora, também fui seduzido pelo canto das sereias da obediência! Já disse que não sou melhor ou pior que ninguém pelo fato de existir. Sim, eu fui um aluno obediente, daqueles que têm vocação para pesadas tarefas, assim como para conquistar a inimizade e a indiferença de seus colegas. Não queria ser apenas mais um no grupo (ah, que chatice!), queria ser melhor. “O estudo dignifica o homem”. Há, há, há. O estudo torna o homem cada vez menos digno, pois ele, ao estudar, torna-se consciente de que é um covarde, que deve agir como um covarde, e que é vantajoso agir conscientemente como um covarde! Nos lugares onde há maior concentração de pessoas instruídas, há maior número de salafrários que são menos que camundongos. Tanto quanto nos meios pouco instruídos. A maior parte da humanidade, independentemente da delimitação a ser feita (idade, instrução, sexo, orientação sexual, cor, credo, etc.), é de pessoas que não valeria a pena tê-las conhecido. Fui um aluno obediente porque talvez, tivesse a ilusão de perfeição. Fui obediente para, de algum modo, me vingar de meus colegas, que caçoavam de mim. Para me vingar dos meus professores, os quais achavam que eu seria feito à sua imagem e semelhança. Para me vingar de meus pais, que acreditaram na educação que me deram. Para me vingar daqueles que me chamaram de burro. Para me vingar de todos aqueles que não me deixavam falar ou que não prestavam atenção no que falava. Enfim, para me vingar de mim mesmo, por ser tão desprezível.
Tornei-me professor porque agora teria pessoas que me ouviriam, nem que fosse à força. Nem que fosse por mera obrigação curricular. É nojento submeter uma pessoa a ouvir qualquer coisa, quanto mais a ouvir o conteúdo de uma aula! É perverso acreditar que as pessoas nos ouvem ou nos ouvirão sequer por um dia, uma hora, minuto ou segundo! Ninguém ouve ninguém: só inspiramos as pessoas a pensar e articular melhor aquilo que já sabem. Mas com a ajuda de boas citações e fórmulas. Eu mesmo tenho coleções de citações: de memória, das lidas em livros, etc. Todo bom professor é apenas um colecionador de citações e fórmulas, usadas a favor daquilo que já se sabe de antemão. De qualquer maneira, ser professor é a única maneira de se iludir com a ideia de que os outros realmente nos ouvem. Ouvir é obedecer? Talvez, se usarmos uma boa dose de vaidade. Contudo, só nas belas instituições comprometidas com a educação das gerações vindouras há um abismo entre ouvir e obedecer. Os alunos nos obedecem, sem jamais terem ouvido o que falamos. Fora destes idílios terrestres, devemos obedecer e ouvir os conselhos de nossos chefes, por uma questão de juízo.
Como podem ver, tornei-me professor por vingança, pois faço parte daqueles 100% de pessoas que se tornam professores para exercer algum tipo de vingança. Qualquer tipo de vingança – pois não há grande ou pequena vingança, todas são pequenas e frias. O próprio processo de formação de um professor incentiva-o ao uso da vingança contra a humanidade. Ele é organizado de modo que você deve ouvir um número x de desaforos, ficar um número y de horas sentado e fazer um número z de trabalhos que serão jogados fora. Nietzsche me disse, e eu dei gargalhadas com isso, que “um meio seguro de irritar as pessoas e lhes pôr maus pensamentos na cabeça é fazê-las esperar por muito tempo.” Fazer esperar é incentivar a vingança. Há profissionais em esperar e fazer esperar. O professor começa como um profissional em esperar e se torna um profissional em fazer esperar. Toda profissão canalha ensina a fazer esperar, por puro prazer em fazer esperar, mesmo que isto custe uma vingança futura contra quem faz esperar. Como as pessoas não se vingam senão sobre si mesmas, parece vantajoso aos olhos de um canalha fazer os outros esperarem.
Ah, preciso dizer, além disso, o meu grande motivo em ter me tornado professor: acredito naquela coisa sobre “Esclarecimento” que aprendi daquele homem tão religiosamente bondoso. Esclarecer alguém? Qual a próxima piada? Não esclarecemos ninguém, senão aqueles que já são esclarecidos por conta própria. Com isto, também não quero dizer que estas pessoas já esclarecidas não escolham o caminho da contravenção, do crime ou pelo menos, da covardia. Saber uma coisa, ter uma informação sobre ela, não significa “ser ético” ou “tomar boas decisões” (claro que estou usando estas expressões em sua conotação moralista). Se fosse tudo assim, bastaria cercar as pessoas “esclarecidas” em um estádio, matar todas as outras e teríamos a solução do mundo! Mas, meus caros, a educação não suprime o desejo! Nem a vingança! Nem a obediência! Nem a covardia! Nem o crime!
De qualquer modo, posso dizer por aí que tenho pelo menos um motivo nobre para o exercício do sacerdócio do professor: “esclarecer”. É a nossa hipocrisia que torna nossas profissões necessárias. Todas elas. Nenhuma profissão é imprescindível. A humanidade continuaria muito bem (ou mal, tanto faz) sem profissões definidas.
Enfim, tornei-me professor. Já esgotei a sua paciência com isto. Falta, agora, descrever um pouco do meu mundo: as salas de aula, a relação com os alunos, as salas de professores e, acima de tudo, as reuniões. Escreverei isso em outro momento. São três horas da tarde e vou dormir.

2 comentários:

Daniel F disse...

Gostei , o professor
como filho da puta do subsolo!!

Álogos disse...

Daniel,

obrigado pelo elogio. A ideia era essa, mesmo. O filho-da-puta-do-subsolo. Já vou postar a parte 3 de 4.

Abraço.