Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
5/15/2010
Interlúdio doloroso (Homenagem a Bernardo Soares)
Não espero nada. Vivo meus dias com um cansaço intermitente, não sei se da vida, se das coisas ou se das pessoas. Na realidade, canso de meu próprio cansaço. De minha inatividade. Inatividade de quem não espera mais por nada. Olho da janela de minha casa e até vejo belos dias, mas estes dias – por mais que sejam belos – parecem-me sempre cinzentos, sombrios, cansativos. Meus olhos não coincidem com meu desassossego, cansado, absorto no silêncio, na solidão ansiosa de meus intermináveis dias. Tenho insônia da minha existência. Mas, por outro lado, gosto de ser ignorado pelo mundo. Meus sonhos não são uma saída em belos campos, mas na escuridão dos corredores da cidade antiga. A escuridão combina com minha letargia observadora, indolente e ansiosa. Desasossegada. Cansada. De quem nada espera. Não ajo. Melhor não agir, se sonhar preenche os espaços em branco dos momentos insones que não escrevi. Não leio, pois me apropriei de meu cansaço, de tal forma, que ele devorou tudo aquilo que poderia ler. Apenas existo, passando os dias e noites como se fossem o foco de luz da esquina de minha casa, às três da madrugada. No silêncio frio e chuvoso de meu devanear, sem realidade além. Melhor nada esperar.
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Um comentário:
Muito bonito. Um pouco mais melancólico do que o Bernardo Soares. Às vezes tenho a impressão de que ele brinca com as ideias, no melhor sentido.
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