9/09/2011

Fé, sofrimento, esperança (outra maneira de ir do Gênesis ao Apocalipse)

I
Ter fé é sofrer por antecipação. É ter o mundo como um poeta, que ri com o mundo nas mãos, ainda que por um instante, mesmo sabendo que – depois de um piscar de olhos – fugirá. Mas é melhor ter o mundo, ainda que sofregamente, que nunca tê-lo tido.

II
Ter um devir-artista não é uma escolha: é uma sina. Não se escolhe ter um ímpeto: o que atormenta seu sono, que lhe impele a criar, independentemente das adversidades. Não se escolhe ver o mundo de uma maneira que a maioria não vê: apenas vê-se. Diferente. Assustador. Não consigo voltar atrás, ter a vida mais simples, rir com a devida inocência de quem é criança a vida toda, sem o saber. Por outro lado, tenho a inocência de uma criança, de quem tem sempre a esperança. Um brilho no olhar com um detalhe que se torna, simplesmente, poesia. Devaneio, sonho, vontade. Assim, vivo. Sobrevivo. Diante de tudo, ainda sonho. Não sei viver de outra forma. Por isso, acredito.

III
Não te conheço, mas já te amo. Ainda não olhei teus olhos, mas sinto que, em um dos momentos de meu cansaço do mundo, encontrar-te-ei. Tenho tanto amor em mim que consigo ter a ti. Mas isso não me basta. Não poderei completar minha jornada sem aquela crença que, em um momento de minha descrença, chegarás. Não me salvarás, pois serei o mesmo contigo. Apenas lamentarei não te ter conhecido antes. E, com a tua companhia, poderei – pelo menos durante a eternidade – viver.

3 comentários:

Aldemar Norek disse...

Sei lá, tem um lance de 'permanência do eu romãntico' neste poema que acaba levando pra um lado meio religioso - a 'sina' (um destino previamente armado?) do poeta, a fuga do poeta diante do mundo sem saber o que fazer com ele, a afirmação do sonho diante do real etc. O texto tá bacana, mas estas coisas que ele pensa não concordei. Bem como a deleuzeanice do "devir", mas aí pode ser só implicância minha com uma certa turma que, pra fazer os outros pensarem que eles pensam, despejam o jargão mais up to date sobre a galera desprevenida - e isso provavelmente não teve nada a ver com a intenção do seu poema...

Ah, e o idealismo da parte III, mais as palavras 'crença', 'eternidade', 'jornada', reforçaram a impressão que falei no começo. Mas o inusitado de falar de amor (numa hora dessas? rs) ficou bem legal....

Abraço!

Aldemar Norek disse...

p.s.: esqueci de mencionar que as impressões que tive aconteceram por não perceber ironia no título do poema.... Estou certo?
Abraços!

Álogos disse...

Realmente, não há ironia no título. Pelo menos, não pensei muito nisso. Pensei em um assunto, como um exercício: como é possível ter fé sem deus? Comecei a escrever. Falei da fé, da criação e do amor. Todas estas três questões foram apropriadas pelo cristianismo como atributos(?!) do deus cristão, mas existem muito bem sem esta entidade. Não sei se ficou bom, mas, pelo menos, fiz um exercício de inocência poética... Abraço!