8/19/2013

O que é ser um outsider?

O que é ser um outsider? Não, não pretendo escrever um tratado de sociologia. Seria muito simples supor a existência natural e inquestionável de pessoas que praticamente nascem do lado de fora do mundo e da sociedade, as quais serviriam como o perfeito antípoda de toda a sociologia tosca que funda nossa ficção social mais valorizada: a realidade. Não acreditaria nesta ingenuidade. Por isso, não pretendo fazer aqui uma palestra, em tom professoral, sobre um assunto tão sério. Tão sério que merece algo a mais do que as nossas nobres instituições acadêmicas e correcionais têm a nos dizer. Ser um outsider é algo muito, muito sério. Seriíssimo! Ver as coisas do lado de fora chega a ser uma condição sine qua non para minha existência. Não consigo sentir o prazer reconfortante dos ninhos formados por grupos, em que o calor dos corpos alheios me esquenta e não procuro mais nada. É incrível como, nos dias de frio, entendemos melhor o que é a preguiça que nos impele a participar de grupos. Fazer parte de grupos é, talvez, depender de alguém para ter os seus pés aquecidos – e, no máximo, deleitar-se com aqueles que não possuem a mesma sorte... Entretanto, ter os pés aquecidos é um incidente que, na maior parte das vezes, não se perpetua senão por alguns curtos momentos de ingenuidade, seguidos de contendas homéricas pelo comando do cobertor que deve manter o grupo bem aquecido. Sim, estar do lado de dentro é um prazer leviano que dura menos que a maioria das drogas existentes do mundo! Ah, fazer parte de um grupo: que crença fabulosa! Fora estes momentos de ilusão, nunca consegui ser alguém que estava dentro de nada. Nunca entendi nada a respeito daquelas doutrinas mesquinhas que impõe a todos a estapafúrdia ideia que, para sermos normais, devemos estar incluídos. Incluídos! Ora, vejam só! Que visão nauseabunda do paraíso da normalidade social! Algo muda em meu estômago quando penso nisso. É muito indigesto pensar que alguém realmente acredite que sua normalidade dependa do aval de um grupo que tenha a autoridade de dizer quem é você e se você é confiável, etc. Ora, voltemos logo ao início! O que é ser um outsider? É partir do pressuposto que você é um igual. Sim! Nossa bela e tosca sociologia é que, de modo quase sofístico, inverteu os pólos da maquinaria. Explico: muitos dizem, com sua longa experiência em grupos, que estar do lado de dentro é ser igual. Igualdade entre os iguais, desigualdade entre os desiguais. Que tolice! É justamente dentro de grupos que você é e sempre será desigual. Dentro do cobertor aquecido de um grupo, você será ou o dono da coberta, ou o que aquece os pés dos que entram, ou aquele que chega com os pés gelados, implorando para ser aquecido. Isto implica toda uma complexa hierarquia! Você nunca entrará no cobertor e poderá ter a liberdade sobre o cobertor! Quanta ingenuidade... O mais cômico desta explicação é que os mesmos doutos, com vastíssima experiência em grupos, dizem, em tom resoluto, que todos aqueles que não se encontram em grupos – os outsiders, portanto – pensam que são melhores que os outros, mas vivem como seres pré-históricos, prontos para serem engolidos por mamutes. Que pitoresco! Mais gargalhadas, pois isto merece chegar às lágrimas de tanto rir! Termino minha já confusa explicação: é exatamente o outsider, por não se achar melhor que ninguém, não vê nos grupos a salvação para nada! Ser um outsider é, quando muito, ser um igual, porque o outsider entende não haver grupos, hierarquias ou outras drogas pesadas de nossa bela e tosca sociologia realista que nos façam acordar! Acordar é um ato solitário, que acontece quando você vê o mundo do lado de fora! É perceber que você não irá para nenhuma cela especial, mesmo tendo doutorado – enquanto os verdadeiros “doutores” nunca entraram numa escola; é ver que a maior parte das pessoas de seu convívio virarão a cara para você quando for conveniente; é saber que, de algum modo, as belas parábolas sobre o prazer da desigualdade são, no máximo, fruto do sado-masoquismo de uma meia dúzia de escrotos viciados em dominar – tal como aqueles que têm como profissão torturar uma pessoa até o limite de sua existência, que conseguem realizar o sonho de, enfim, se apropriar de alguém... Ser um outsider é, enfim, entender que todos nós, por mais que tenhamos a ilusão de fazer parte de grupos, estamos soltos em campos glaciais, vivendo em risco a todo o tempo. Por isso, ser um outsider é apenas ser ignorante. É querer ser poeta, mesmo sem saber falar ou escrever. Ser outsider é ser humano.

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