12/09/2007

Blues + Lupicínio = (Ou, Babe, não se esqueça da teoria da narrativa)

Você tem que entender
É todo um clima criado, não por você,
Que não está procurando nada,
A não ser o caminho de casa.

É toda uma cidade que se prepara
Para uma bela sexta-feira de beijos na praça
E a intervenção divina de uma noite quente
E o som da viola sobre o coreto.

São os casais, é, os casais, como são jovens e belos,
As moças que se arrumam, que se perfumam,
É todo o circo armado para a azaração,
Arte na qual você nunca foi especialista, mas não por querer.

A noite, literalmente quente – é o contrário do que todos afirmam,
É mais fácil dormir sozinho no frio, isso é certo -
Mais a cerveja que você nem pediu
Mas lhe foi oferecida de uma maneira inesperada.
Onde já se viu num show gratuito
Pessoas andando com latinhas geladas em bandejas?
Ah sim, e tem a seleção musical, o repertório,
Você se esforçou muito pra sair de casa, observe bem,
Apesar de, o que parece contraditório, não aguentar mais ficar dentro dela.

O repertório, cantado por Renato Teixeira, ninguém menos,
E o som de uma viola melancólica:
Ele começa cantando de barcas que atravessam o rio Paraguai,
Canta de sabedoria, a merda de uma sabedoria fajuta,
Mas que naquele clima convence quase até as lágrimas.
Aí vem o momento mais perigoso, aquela música da amora,
Aquela que atravessa o seu coração como um punhal,
Que você sempre quis cantar pra todas as meninas
pelas quais se apaixonou: as três paixões federais,
as quinze estaduais e as quinze mil municipais.

Mas tudo isso nada seria sem outra pessoa.
Afinal você tinha planejado sair sozinho, lembre-se disso.
Você está lá na sua, e chega a moça meiga e sua irmã mais nova,
Moça que você conheceu a pouco tempo, poucos dias,
Esse detalhe é importante, porque sempre tem o encanto inicial
Dos primeiros dias quando você conhece alguém.
Uma pessoa que tem tudo para ser uma boa amiga, mas que
Numa hora dessas...
Diga a verdade: se você estivesse solteiro você gostaria de
Fazer coisas com a moça,
Não, mesmo casado, você gostaria, não seja hipócrita.
Mas você ainda acha a fidelidade importante,
Você se lembra que não trocaria sua amada por ninguém,
Nem mesmo numa noite como essa.
E que isso é ser fiel, querer e mesmo assim não fazer,
E que isso é totalmente absurdo e cristão, mas o amor é absurdo.

Voltando ao clima, bela palavra essa: clima,
É um lance que está no ar, que te envolve,
Que você sente, uma certa tensão no ar, uma espera,
E ao mesmo tempo uma certa disposição, uma facilidade.
E o acaso foi cruel com você:
É no ônibus, numa sala de aula, numa praça lotada de gente,
É nesses lugares que você encontra a moça sem combinar nada.
E ela e a irmã são muito simpáticas com você,
E depois ficam cochichando e dando risadinhas,
E tudo que você diz é legal, como você é um cara sensível
E inteligente, tudo elas acham graça, comovente.
Os outros caras em volta olham pra elas,
Não entendem, parecem se perguntar,
Por que essa Mané não pega a menina?
Pior, na saída, você ouve um cara dizendo
Que gostosa!
Nessa hora quase ajoelha, “por favor, fique com ela,
você vai me livrar dessa?”

Mas você é forte, vai resistir,
Inventa recursos:

Isso é fantasia da minha cabeça (o mais fraco, você sabe que é mentira)

Tem conhecidos na praça (o mais covarde)

Ela é ex-namorada do meu amigo (o mais cruel e sensato)

Eu vou para casa, ouço um blues daqueles,
If I have been a bad boy baby I declare I’ll change my ways
Lord have mercy on me
Sento diante do computador, escrevo uma coisa parecida com poesia,
Mando aos meus amigos por e-mail,
Solidariedade nessas horas é fundamental,
Eles não mostrarão isso para suas consortes,
Mulher é foda, não entende nada,
Tomo meu remédio e vou dormir
(o definitivo)


Um comentário:

Eliana Pougy disse...

Triste, isso.