Sentido (s.m.)
Uma das principais questões de qualquer tempo ou lugar resume-se à antinomia: a vida faz algum sentido x a vida não faz sentido algum. É notável que a diferença entre as duas frases aparentemente tão opostas, quanto à sua construção, é insignificante: um deslocamento do pronome indefinido do meio para o final e a inserção de um advérbio de negação. Apenas isto; ou seja, estamos diante de uma nuance, uma sutileza, um limite frágil, líquido, nevoento. Não é difícil imaginar o olhar de idiota de um homo erectus qualquer, lá no Pleistoceno, cerca de um milhão e meio de anos atrás, tremendo de pavor após ter milagrosamente escapado de morrer nas garras de um tigre-dente-de-sabre, sorte que não teria sido compartilhada por um companheiro seu de jornada. Não temos mais tigres-dentes-de-sabre, é verdade, mas em matéria de garras o universo sofisticou-se muito, chegando à imaterialidade. O filósofo Jerônimo Aguaforte, autor de “O Destino vomitou em mim mas já enfiei também o dedo na garganta” postula que mesmo o caos e a entropia são elaborações humanas para encontrar conforto intelectual nomeando uma desordem e um absurdo tão absolutos que transcendem todos os estreitos limites do que se convencionou chamar de 'pensamento'. Sequer Breton e a escrita automática, os Dada e outros partidários do anti-sentido conseguiram penetrar em seu cerne. Mesmo a filosofia e a literatura, quando tentam o que se chama de “produzir sentido” não fazem mais do que negar a prévia existência deste, e geralmente produzem apenas ficção. Da ruim.
2 comentários:
Este aí é pra bater uma bola com o seu "E o que eu queria no momento era algo assim,/ uma explicação ingênua e gratuita", Daniel.
Ah, gostei da atmosfera deste seu poema. É recente?
abração!
Oi Aldemar,
e vamos por partes: o poema é bem recente, escrevi anteontem mesmo. fiquei muito feliz com as respostas, sua e da Eliana. e ele luta mesmo com e contra a perda do sentido...
qto ao outro: é porque você não teve a má idéia de ver Jornal Hoje ontem. O pau comendo na América, e a Sandra Anenberg logo depois da notícia virou e falou isso aí pro "Evaristo". Cassandra é aquela personagem da mitologia que tem o dom da profecia, mas só consegue predizer as desgraças. Achei uma boa definição pro terrorismo televisivo.
Abraço!
Daniel.
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