O que pra vocês é história do Brasil chega aqui em casa pela linha telefônica. Uma voz interrompida, entre os chiados da ligação ruim e os da dor que se expande no corpo até desejar saltar pra fora em lágrimas, tão finas e profundas como as que já me tatuaram com agulhas fabricadas nos laboratórios dos Anjos Convulsivos. Lágrimas que faíscam como se o telefone fosse uma serra circular roendo minha cabeça, por fora e por dentro.
Mais além do que o aparelho alcança há um velho que fala sozinho em língua desconhecida e forjada por estilhaços que parecem ter sido um belo vitral, em tempos sem memória.
O velho está debruçado sobre o mapa de um lugar esgarçado, onde a desgraça é vendida, trocada e usada como matéria-prima na fabricação de moedas e churrascos.
A rede puída em que o velho espera a morte é o pergaminho da desgraça dos mortos insepultos, dos gritos torturados sob a castanheira grande e das crianças que ainda morrem de fome ou são sufocadas por latas de cerveja.
Meu cérebro é vidro moído, nele há uma bonita e muito triste mulher enterrando sonhos que não são apenas seus à beira de um rio silencioso. Rio que de tarde é vermelho, no anoitecer é roxo, à noite é negro e na madrugada uma cidade sem luz invadida por sereias com garras de aves de rapina.
Com esta matéria perfuro-cortante os anjos convulsivos preenchem livros adotados no Colégio Saber é Vencer. O professor digere as letras para as crianças o importante é o exercício cerebral. O senso crítico se lamenta, queixa-se patrioticamente do país que deu errado, fecha a cortina e apresenta uma alternativa de V ou F para o próximo vestibular.
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