10/06/2007

O outro convite

Sempre fui um penetra em minha própria festa. Na única ocasião em que usei casaca irlandesa, num jantar em minha homenagem pela vitória na competição de comer palavras emendadas e vomitar notas de rodapé, fui pego em flagrante ao roubar pedaços de rosbife e esconder no bolso. Era pra curar a ressaca do leite em pó com vodka, mas os seguranças armados com paranóia elétrica e distorções de Robert Musil não acreditaram.

E foi desse mesmo jeito que, à porta da casa em que fui escolhido pra morar como invasor, bateram os convidados de uma festa à fantasia não-programada. Desconfio que os convites tenham sido enviados pelo famoso vírus virtual que expande as telas dos computadores e forma uma cúpula azul sobre desavisados.

Agora estão comigo: Mairowi, meu famoso pequeno amigo verde; as Quatro Pombas com os óculos infravermelhos de astronauta; a Garota Língua-Seca de Papagaio e seu colete à prova de balas feito com pele de porco-espinho; São Capeta dos Espelhos. Eles não foram convidados. Eu também nem sequer me convidei quando entrei nesta festa alheia. Mas fazemos um brinde triste enquanto Campinas derrama asfalto derretido em nossas gargantas. E como somos orgulhosos, cada um bebe por conta própria.

Mas não faço de conta que todos são bem-vindos. Disfarço com o canto do olho e vejo figuras que me causam ressaca antecipada: Maria Bentham, Oito-Olhos, a Babaca P.S. Silva, o Boca Seca Chupadora de Pirulito de Pimenta e o Iconoclasta de Taubaté. Eles são muito escrotos: é uma festa à fantasia, mas vieram com suas roupas de ofício. Acho que é por preguiça que eu não.

Desconfio que a festa é deles, que eles são sócios do escritório dos Advogados com Terno de Embalagem de Miojo: ou seja, que eu, além de tudo, sou inquilino destes filhos da puta. Isso explicaria os nuggets frios servidos como petisco, à moda do porto (que eu não encomendei). Me vingarei deles com a surpresa escondida no fundo da geladeira: Schincariol de Alagoinhas, a cerveja visceral.

4 comentários:

Aldemar Norek disse...

Daniel,tem que ver se o Renan não é investidor desta cervejaria....
agora, o que os seus amigos fariam se na mencionadafesta também estivessem o Ganhador-Compulsivo-de-Concursos-Literários-de-Quinta, o Gênio-Vanguardista-Deslocado-no-Tempo e o Acadêmico-Intelectual-Que-Não-Escreve-Uma-Linha-Que-Preste (sem falar no Novo-Rilke,no Neo-Parnaso-de-Plantão e no Ezra-Pound-2-O-Retorno-de-Jedi)? De repente ficava mais animada a rave,ia ter bastante papo furado.

Por outra, a gente sempre se sente penetra, parece que o baile é sempre dos outros.

Reli um texto do Dollnikhoff(queo Cícero Soares tinha me recomendado) muito engraçado, sobre resenha/crítica de poesia, onde ele pensa em mudar o nome do seu cachorro para Mundo, pois só assim poderia falar ao Mundo. Boa. Gostei.Apesar dele ser um reaça (inteligente,divertido, mas reaça).

Daniel F disse...

Pode ser que tenha melhorado, faz uns anos que tomei. Sabe aquela água salobra? Tem cheiro de ovo podre. Pois é, a Schincariol de Alagoinhas era feita com essa água. Você reconhecia a cerveja pelo cheiro. Uma festa destas, com nuggets frios, e essa alegria toda, o que você acha?
Ainda bem que existem os perdidos pra aliviar a barra, mas aí a solidão é inerente.

Só acredito em conversas paralelas. E elas dão margem a poucos encontros e muita confusão. Conversar no vazio, sem uma instituição por trás, seja uma turma, um ministério ou uma revista, é receita certa pra mal entendido. Mas é mais libertador também.

O "outro" problema pode ser da "turma". às vezes penso isso: turma é um lance que não dá certo. E a literatura no gueto virou uma jogada de turmas. Olho isso de longe, como quem não fez nada pra merecer ser considerado de qualquer turma. Devo ter uma mistura de dois sentimentos: sou um merda, e me justifico dizendo ainda bem que sou um merda. E outro lado, o orgulho: vou continuar tentando fazer alguma coisa legal, sem me considerar convidado a uma festa que não me merece (uma festa que não merece as almas, a potencialidade, ou sei lá o que das pessoas que elas oferecem como um disque-entrega) - eu também não bebia a merda da Schin.

Abraço!

Daniel.

Daniel F disse...

Na universidade tem um lance parecido. Alguns dos meus professores, minha ex-orientadora, se ferraram e muito porque acreditavam que poderiam fazer um bom Departamento de História, com boas pesquisas, bons projetos, aulas etc. Todos os que tentaram isso se foderam, e nem conto as histórias cabeludas, mas não ficou só nas fofocas e no dissemedisse, foi pra valer. Porque a verdade é que a universidade não é feita pra historiadores, filósofos, ou o que seja: é uma repartição pública. Na semana passada comentei isso com uma ex-professora: eles apostaram na universidade e se desiludiram. Eu e outras pessoas da minha idade, já nos desiludimos desde o começo vendo as merdas. Acho que a gente é mais lúcido, mas mais egoísta.

Abraço,

Daniel.

Aldemar Norek disse...

Pois é, foi o que não me fez permanecer lá, percebi estas coisas no percurso de 2 anos de monitoria num dep. de história da arquitetura, que incluiram muitas reuniões de dep. onde rolava tudo que era tipo de baixo nível que se possa imaginar, numa instituição que, pensando em termos de colocação, estava entre as 5 ou dez mais importantes do país, acho. Hoje talvez me arrependa um pouco (embora acredite que se ficasse me arrependeria mais) de ter saído tão completamente deste caminho. É o caso da política hoje em dia (não apenas pós-pt, antes tbm), as pessoas com algum conteúdo, algum pensamento e alguma ética não querem nem passar perto, e aí tudo se perde.

Quanto ao lance das turmas. Antigamente me sentia muito isolado, muito à margem de qqer coisa. Hoje às vezes penso que pode ter sido melhor assim. Mas tem um lado de utopia que nunca deixa de acreditar numa reunião saudável, criativa, sem as mesquinhezas e manobras que quase sempre poluem as reuniões de pessoas.
abração.