"Here this song might offend you some..."
(Frank Zappa, in Wind up workin' in a gas station)
Poderia você mentir, verbando que ocupei outros lugares, deixar essa narrativa menos penosa pra quem já sentia uma pontinha de receio da reprovação por seu vulto futuro quando olhasse pra trás e divisasse que muito pouco, comparado comigo, aproveitou a vida. Meu, aos pouco e vinte anos, não tenho do que me reivindicar. Em sintonia parte de quase esse tempão com o computador, tão multi que esta Zuti até estranha referir-se por uma palavra apenas a ele, cheio de potencial pra desnovelar o que possa assistir olhos e ouvidos, decidi antecipar meu ínterim e, ao contrário de tantos que tresvalorizam a vida prática e locupletam-se decantando anseios gregários no écran, por uma subtração mera passei a destinar minhas horas ociosas ao preciso contrário, a tudo que a engenhoca artificial nunca poderia me oferecer.
O estalo que me deu foi juntando os dedos pelo feedback da coisa: na internet, você fala pelo microfone e ouve de alto-falante, o que, pelo sentido que percebe não ser direcionável, não causa grande espécie ao lado de, por outro ponto, a webcam captar um olhar que a ela não se dirige, e sim à tela simultânea correspondente, onde vai aparecer o carinha da imagem... que está desavisado, divisando outro lugar, já que não é via tela que há onde seu dele aspecto chegar até você. Se não fui clara como meus dias supostos sem praia, meu, confio em você pra escrever essa tusclavátalha melhor, viu. Resumindo, não há um mesmo espaço pra caminhos tão ambos em nenhum nível. Etecétera, um arquivo não se altera por dois programas ao mesmo lapso. O relevante é que você por isso vai sempre me encontrar na balada. Opa, desculpe. Só nas vezes em que seu traseiro plano se dispuser a ir à balada, sempre sobrando pros lados ocasiões em que eu estava lá, você sabe, mas você mesmo não foi. O que eu encontro então?
De cara, todas as noções irredutíveis em estímulo a uma ideal matriz binária. O olfato, o tato, o paladar — o sexo dos sentidos. Pode-se dizer que eu sou DJ. Mas, montada nesses parâmetros, meu, o som que eu ponho é o que menos. Sei, de papos pelas bocas, que acham entrecortado, cifrado de acompanhar, pouco coeso por estilo apenas. Se soubessem, como agora estou tateando pra verbar no seu assombro de pastel, que segue o que rege meus sets outro juízo, a complexidade num instante iria ao ralo. Aqui já saúdam minha graça pasma, como dizem. Sou a Zuti. Encantada.
Sempre estou à cata de pista apinhada, de gente lotada, de odor de multidão. É isso que ribombo nos bois das carrapetas, deusa do trovão por mais uma noite de criança estar na cama. E os nervos seguem conectados a eles, meu pequeno povo, por tão completo que um a mais entra no recinto e o músculo sinto da base da orelha contrair, como um cachorro. Tenho um grande silêncio em mim. Onde discoteco geralmente bebo muito. Não que estímulos químicos me levem a alguma combinatória de lugar, mas meu... de onde eu estou, eles trazem.
Antes de sair de casa, como agora, me olho no espelho. Em vez de eu viver, alguém podia estar escrevendo alguém assim como eu, depois de olhar dia após dia um fotolog e ficar preenchendo o hiato entre as imagens com piadas lisérgicas, cavalinhos-de-pau, casos violentos, amigas muito loucas (lincáveis de alusão em outra por favoritos e comentários) e um brilho infatigável consumindo no olhar o vazio em volta, que tão difícil é dissociar do real suposto e creditá-lo, como de fato, apenas ao momento do flash. Pois é assim, sinto informar, nenhum primeiro plano me acompanha. Não me encontram tão de cara, destacada entre assíduos da noitada. Mesmo na função, a cabine do DJ é num cantinho, as luzes inventam galhos ligeiros de sombra numa corrida pela selva pingada de batidas que cobre o espaço e ramifica, e volta e meia o murmúrio inaudível é "cadê a Zuti?", eco do que profere alguém como você — que, meu, não se iluda, só é disso distinto porque eu estou de algum jeito te inventando — a tentar, tenaz, me conhecer. Não se engane ou acanhe, já passei por isso. Muitas vezes. E é sempre como um nascimento, posso depois ganhar um peso diferente, assegurada ser de verdade pra mais gente. Isso não me abrange, ou ao outro, mais que o latejante tato dessa verdade, como aquela máquina que só se é percebendo quando não se está contando nada. É puramente mecânico, e no entanto soa como o seu movimento de repente desinvertido, direto à frente, em lugar do acordo lacustre, especular de sempre. É o som da Zuti, todos sentem do lado de fora da Skatulka. Bom nome que deram à casa, parece mesmo um batidão. Skatulka, tulka, tulka...
Então, como ia dizendo: primeiro é sempre o odor. Que aliás é fácil de pôr à prova, quando cristaliza e expira. Sentimos o cheiro quando do seu passamento. Tá, eu sei, é difícil entrar nessas sutilezas cabeça com esse tanto de bloody mary na idéia, mas pensa um pouco, meu: a pessoa morre, vem logo o cheiro. O banho não se toma, fica lá o cheiro inerte. Por isso a gente lembra de tanto com o olfato. Sente o cheiro na indumentária, o cabelo na saída da night; é a usada cojapele da cobra, o casco da caranguejeira. O pré-odor, que acontece onde existir se exerce, dentro da bôite, tudo que sente você pelo nariz sem lembrar de nada ainda, pois isso é que está vivo. É o que persigo. Lembrar é consequência.
Tenho pressão baixa, por isso lambo o sal das sombrancelhas. Repara não.
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"I'm a Shoegazer"
Um solene vão onde afinal nada te chama, ó ama atenção.
Sangrando pela esquerda, um trote acima de chance sobrepõe imagens de itinerários. Um rastreio por carruagem. Acima, ao lado, cato pistas para unir num meliante, forma provável. A base da rotina despencara, a atordoada hoteleira reclamou na afoita visita. Qual o maior pretexto para uma consulta? Tudo é deveras simples à primeira vista pra servir; desprezível o caso, portanto.
Nesse meio vazio o tempo se concentra em concerto, longe da cursiva atenção. Mas que povo é esse? Passaram por cima da ponte, com Scarlett e Rhett, como seu eco desejável, embaixo. Atlanta em chamas lá atrás prenuncia um cemitério "À Seu Alberto", com os sapatos ainda verdes nas pontas das carbonizadas pernas. Um momento trágico de vossa história. Sim, da vossa, porque da minha é tudo alegre, mesmo desempossados de tudo cantamos nosso Raul, pagamos a prazo um terminal de internet pra laudar nosso deus arte, perfuramos paredes para aplicar quadros nos quais veremos melhor a falta que faz um funcionário quando não aparece, deixamos de considerar um passageiro de ônibus como cliente porque ele nos manda calar a boca exatinho como faz nosso dono da empresa e ficamos quietinhos ao sentir a trolha, suportamos pacientemente o engarrafamento com um sorriso quando alguém se estabaca no solavanco do primeiro movimento dos carros, tudo é alegria no carnaval e mesmo no pré-carnaval, quando desviam as ruas mais importantes do tráfego para causar coágulo no trânsito com a desculpa de dar passagem a carros onde os palhaços são, à nossa diferença, apenas gigantescos e de isopor, decoramos os cafés com motivos chiques no centro do Rio. Aliás,
Ontem, às quase quatro da tarde, ainda consegui almoçar num buffet meio árabe, entre a Quitanda e a Ouvidor. Apesar ali das casas emprestarem uma dimensão ainda humana às pessoas, por outro lado o formigueiro de quantidade as afivela em um doce anonimato. Comigo juntas elas, quase dentro de um vagão cheio que nossos pés movimentam, as mesmas calçadas. Então, o buffet no andar de cima, onde mais acima e no térreo ficariam as mesas. As de baixo eu sei que ficaram, pois lá sentei trazido por escada depois de me servir; o terceiro pavimento estava fechado àquela hora. A cara de novidade escondia um crâneo com menos osso, havia retirado o ciso há pouco tempo e essa era minha primeira refeição sólida completa. Aliás, que audácia pegar um tender ressecado daqueles, só pelo doce do damasco! A voz tenra perdoando o preparado carrasco! Ainda cubos de abacaxi pra testar a afta, junto com presunto. Roupas e comida são a mesma coisa, nunca sei o que combina. Passei desde há muito a gostar de sentar de frente para a rua, no meio das salas. É como ganhar o mundo que me parecia ameaçador nos jogos compulsórios da educação física no primário. Não havia mais ninguém comendo. Os garçons já impacientavam-se, balançando as pernas... das cadeiras em mesas vizinhas, pra ajeitar o que já estava pronto. As moças do caixa, ímtimas entre si, ajudavam a pintar com seus assuntos a desculpa do corpo pra refletir tanta luz bonita. Deviam estar falando sobre patinetes, férias, outono. Nem tão poético assim, pensando bem. Por que nunca temos sonhos políticos como esses papos de chefe e empregado? Nada é arrazoável tanto!
Minha valise me prestava companhia, no outro lado da mesa. Uma companhia menos desejável, é verdade, que a da Duquesa na noite anterior. Me coçava a menor desculpa para encostá-la, mesmo que de leve. E ao contato é sempre a mesma surpresa. Geralmente peles bem brancas e macias de mulher são mais opacas e aveludadas, não tão finas - de onde vem o brilho, ao revés de exagerada oleosidade, e a transparência - derme de cristal. Lembrança dentro dessa do creme importadíssimo que ela amostrou outrora em minha mão, que em meus projetos efêmeros nunca mais lavei. É isso, paro de comer e analiso pelas minhas; sua plena pele é lisa e fina como palmas de mãos. Bolei um nome para o suposto par ideal da Duquesa: Prentice Penteado. Bundão como exigiria meu ciúme. Pronto, agora mais uma preocupação - saber se o destino vai me fazer ironia ou deixá-lo na inexistência. Misericórdia a ele e não a mim se deixar, imagina Murphy trazer à baila um nome desses.
Ao cabo de um tempo, volto a pegar no garfo e faca: o pessoal já está levando o lixo pra fora. O lixo do meu prato vai ficar no restaurante até o dia seguinte? Dá vontade de pedir pra eles pararem e abrirem a lata pra eu depositar o resto do tender sequíssimo ali mesmo, que aquilo já me encheu a cratera do dente ausente de modo tal a causar um, dois, quinze esgares bacônicos no rosto dessa língua, que insiste em tentar fazer um vácuo nesse último canto da boca como alternativa a uma oportunável infecção Até que eu consiga bochechar com um líquido menos gelado que o mate que a moça gentilmente veio me oferecer assim que me sentei. Bom serviço, o desse restaurante. Acho que se chama Istambul.
Mas eu vi seu rosto; nela, os traços de Almotásim, latejando de esconder para eu achar. Podia até render paixão, tamanha a providência promissora. Onde a dedução e a indução se fundem? Em insuspeitas relações parentais, todos juntos em família podendo traçar qualquer caminho da polítuca como se servisse exclusivamente à anarquievidente subtração do substrato financeiro? Ah, mano Mycroft, se aqui estivesses, no fundo dessa tentativa de imaginação onde só se faz pelo que se vê, e de preferência aos poucos, num trabalho de formiguinha. As patas e as antenas juntas na mesma sensação, minhas mãos trabalham quase sozinhas, agindo no que sentem antes de eu ter tempo de hesitar. Mas ela nem ligou, de absorta no percurso. Indicou um canto então no corredor, donde eu e meu biógrafo esperamos mão qualquer buscar de um quarto o prato incauto de comida. O flanco fisga, insistente. No teto, agentes da degradação não precisam ter interpelados os secos toques, erguidos pela mera ação eterna de gotas caindo. Os vincos daquela face, vencido o árduo percurso pelo espelho da criminomancia, latejam mesmo ainda ao trancar a vista. Nada mais elementar: sou firme fruto de minha obsessão, quase caindo à terra, e ser é todo parecer só esse o crime para um coração denunciador me vir solver.
Lúbrica, a tempo range a escada; sobe a ação, e olhos vêm abaixo. É inocente transeunte do outro andar, mas simultaneamente alguém passa a mão pela fresta da porta, pegando da cadeira a comida. Alguém, depois de confiante, assustada por nos ver no ângulo do espelho, embaixador de nosso olhar através do canto escuro onde nos colocamos. Essa idéia não foi tão boa. Mas fatos sopitavam – indiscutivelmente era um rosto e mãos de moça mediterrânea, e pelo que constava ninguém ali deveria estar hospedado assim, pelo contrário, mas um homem, que pagou regiamente adiantado as diárias, se trancou e saiu à noite, quando ninguém viu. É claro que a troca de corpos do mesmo propósito nesse ínterim se deu. Patinete, férias, outono. Tudo sempre se interliga. Menos, é claro, a função desse Prentice Penteado.
2 comentários:
Eu adoro, adoro, adoro, seu jeito de fazer arte.
;) Hehehe o negócio é brincar com o tempo. Sempre :D
O negócio já tá mais avançado, vou digitar agora e mandar pra você.
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