Eu andava por esta cidade que de tão decadente engoliu até os urubus, o sol repartido em sanguessugas azuis.
Não percebia como, mas ia dizendo palavras inofensivas como cardinal ou acará-festivo como se elas fossem nada, como se o esquecimento fosse uma conquista natural, como se a vida pudesse ser guardada num aquário.
As palavras fincavam pé por aí, mas eu aos poucos fui tecendo uma rede (fios iam se prendendo aos meus pés, até o ponto em que caminhar se tornaria impossível). O pior é que novos livros eram lançados, ou então apenas lidos, e as palavras que eu julgava inocentes iam virando nomes de personagens, autobiografias alheias, formando crateras, uma sensação de pedras no estômago de alguém. Eu não sabia, mas depositava armas nas ruas. E isso aconteceu mais de uma vez. Minha inocência se tornou apenas uma alegação desconstruída por qualquer advogado de porta de cadeia (já que não há origem, e sim intersecções aleatórias entre fluxos, os tais “turbilhões”).
Então, me diz aí Oito-Olhos, sobre o pedestal enorme, desporporcional: como se faz uma alma diabólica (a minha, por exemplo)?
O mais gozado é que depois que inventaram (eles, sempre eles) a alma diabólica, ela “pensa que existe” (op. cit. Zumbi do Mato).
Mas se sabe que todo demônio é cria do acaso.
E por acaso ninguém pede perdão.
Um comentário:
Gostei da abordagem da relação com as palavras, com a linguagem.
Paree que é assim mesmo, muitas vezes.
E a ambiguidade.
abração
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