1/12/2007

Olhando-se com a mesma dor


Ela: a mesma roupa da tarde à noite. quer dizer, o mesmo estilo. walkman,
ainda sabe mapear as tribos urbanas mesmo não sendo mais adolescente.
aprendeu em blogs e em passagens por londres e new york,
folheando revistas em saguões de aeroporto.
desenhou nas paredes do quarto a lista das qualidades
que espera de seu novo namorado. em resumo: estiloso, como diz
o povo do interior. amor é seu tema predileto, o sentido da vida.
quando menina zombava daquela coleção Amar é...
depois pensou que isso poderia render Alta Literatura desde que
com uma dose de rebeldia. vive por conta própria. quer dizer,
tirando o serviço da faxineira, o aluguel, as noites e as passagens aéreas. além
das roupas.

Ele: quando passou por ela, usava roupa de serviço, aquelas
blusas com um bolso e calça azul marinho. de noite ele usa roupas diferentes,
coloridas, elegantes,
mas já manjadas em seriados de tv e sacadas
mesmo por talk showmen que mal disfarçam
o incômodo quando ele diz o que diz sem pedir clemência.
no romance dela ele inexiste
apesar de ser o único Anjo Exterminador desta história.
nela o que ele vê em seu romance
é uma patricinha hipócrita. mesmo não
estando totalmente certo, não está totalmente errado. ele também
corre atrás do amor, mas é mais aquele amor que come tudo,
devora por fora e por dentro os muros dos condomínios fechados
onde ele não entra, não quer entrar. prefere assistir ao que rola
na José Olympio ( aqui outro encontro imprevisto
pois ela pertence a esses círculos
fechados, linhagens que vão dar direto na Confeitaria Colombo).

<>ela escreve contra a futilidade, ele contra a miséria.
mas os dois não sentem qualquer dor pelo desencontro
que acabou de ser inventado.
quem sente é o sol, aquele que visitou o poeta na datcha
e que não consegue acreditar em tamanha
invisibilidade. neles, a cidade diz porque está

perdida.

3 comentários:

Daniel F disse...

Ninguém perguntou nada, mas este texto é sobre dois romances: Máquina de Pinball, que não curti muito, e Capão Pecado. Pensei como seria se eles, os romances, se encontrassem.

Eliana Pougy disse...

Bem legal. Esse recurso é usado pela literatura pós-moderna. Você poderia usar o nome deles, criar um diálogo, uma situação. Cara você está pronto pra ficção. Depois da idéia, e você tem várias, é só curtição.

Haemocytometer Metzengerstein disse...

Eu senti o sol de Maia nesse final. Perfeito preparo, perfeita síntese disjunta. Ótimo!