Claramente, os moradores mais antigos estavam incomodados com a presença de alguém que suspeitavam ser um vagabundo. A líder da pequena comunidade não acreditou na sorte de ficar sozinha com o estranho naquele lugar sem escapatória. Atirou logo de cara a pergunta. “Você é católico?”, “Não”. “Ao menos então você é evangélico?” “Não”. “Mas você acredita em Deus, não é?”, “Não”. “Por quê?, “Perdi a minha fé”. “Mas cínico você não é, mesmo vendo a maldade do mundo você ainda pratica o Bem, estou certa?”, “Maldade?”. “Então me diz aí, seu vagabundo imprestável, QUEM É OITO-OLHOS?”.
Sim senhora, vagabundo no sentido lato. Mas Oito-Olhos não, ao contrário da minha pessoa, ele tem existência histórica comprovada, além de ter o dom de se multiplicar em milhares de presenças que uns acreditariam se tratar do “anônimo das ruas”. Sua primeira aparição foi na Sibéria. Tenho aqui a prova, encontrada numa daquelas velhas edições da Recordação da Casa dos Mortos, onde descobri esse manuscrito, aparentemente uma carta que nunca foi enviada ao destinatário. O papel embolorado me levou a pensar que aquilo um dia poderia se tornar um documento histórico. Leia com seus próprios olhos, dona:
“Caro Oito-Olhos,
Vou ali, ali você está, pra cá me viro, giro
Você gosta, finge saber das coisas, estar por dentro delas, sempre do lado de fora, bisbilhotando de longe, impassível e intragável. No seu computador você guarda todos os e-mails trocados por todos os internautas em todos os tempos.
Você ainda acha pouco. Nada basta, nem o bastante de lhe bastar. Você é insaciável: não basta ver, tem que pegar, não basta pegar, tem que comer, não basta comer, tem que vomitar, não basta vomitar, tem que ver, não basta ver.
Você e sua mania de grandeza, você e suas conversas sobre perdão e humildade, você e seu silêncio, você e seu sarcasmo, você e sua coleção de moedas. O bigbang começou numa gaveta do seu armário, o cântico dos cânticos foi escrito pra você recitar com sua voz de tenor, dó do peito. Você já sabe de cor os provérbios. Não resta dúvida: você venceu.
Mas você pensa que eu não sei o seu nome. Ledo engano. Não apenas sei o seu nome,
Peido que entra no cú.
Cara de anjo pinto de marmanjo.
Brilhantina de pentelho.
Careca descabelada.
Todo mundo quer ter.
Cosmoagonia.
E ainda por cima fica com essa cara de me engana que eu gosto.”
Um comentário:
Gostei bastante mais da cena aí de baixo. Mas talvez pela falta de visão do que deve ser um conjunto (OitoOlhos)fico meio boiando e com a sensação de ter perdido o bonde em algum momento.
abração
aldemar norek
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