5/15/2007

A invasão dos boçais (Da série: Conferências de Oito-Olhos)

O histrionapólogo Oito-Olhos está percorrendo centros culturais do Brasil, no ciclo de palestras intitulado “A Felicidade a Menos de Um Passo”. Sempre postando seus indefectíveis quatro óculos sobre a mesa, olhando fixamente a platéia, eis o que ele vem dizendo nestes encontros:

"Hoje quero falar de boçalidade.

Temos o boçal no sentido baiano: Nariz empinado. Queixo pontudo. Seboso. O sujeito passa por você e não te cumprimenta. Despreza. Pensa que sabe. Quer ser melhor. E como pensar e querer são hiatos na vida que remetem ao núcleo zerado da singularidade: o boçal na Bahia é um hiato social. Todo paulista em solo baiano tende a se comportar como um boçal.

Temos o boçal no sentido do Cambuí: Não respira, fareja. Olha para baixo. Ensebado. O sujeito fala pelos cotovelos, como se fosse seu amigo mais íntimo. Ameaça. Não pensa nem quer: é puro instinto. Come carne de baleia podre. Todo baiano no Cambuí tende a se comportar como um boçal.

Juntando os dois boçais, temos:
O boçal fala demais. O boçal fala de menos. Toda a vez que o boçal abre a boca, um segredo é revelado.
O boçal não faz planos. O boçal não quer ser plano. O boçal atrapalha nossos planos: é altivo e indigno ao mesmo tempo.
Todo nômade é boçal. Todo exilado é boçal. Todo apátrida é boçal.
O boçal trabalha por prazer. O boçal trabalha com prazer. O boçal não trabalha.
O boçal não tem método.
O boçal boçaliza quem fala com ele. Melhor evitá-lo.
O boçal pede perdão por pura vaidade. É polido como um facão. O boçal se rebaixa para melhor humilhar. É áspero como estrela marinha.
O boçal não é retratado. Nem retratável. Não pode ser tratado. Sempre é detratado. Eletrochoque nele!
Eu conferencio, confiro e firo. O boçal nada profere, vomita silêncio. O boçal não tem estilo. Eu sou cheio do meu estilo, meu estilo é cheio de si. O boçal é no máximo um estilete. Por isso protejo meus oito olhos quando vejo um boçal.

Agradeçamos, senhores presentes em busca da Felicidade. Deus ou Mão Invisível: mas uma coisa protege a Civilização. Ou, dizendo melhor: adia a civilização. Posterga. Dois boçais nunca se entendem, nunca se entenderão."

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