Merreca (s.f.)
É uma espécie de moeda universal, uma forma que o mundo utiliza para nos dizer que pouca coisa com efeito tem valor. Até o seu valor pode ser o de umas poucas merrecas. Ou muitas - é tudo merreca. Não há lógica no câmbio. O dinheiro, seja qual moeda for, em todos os casos se sobrepõe às merrecas como um decalque tão perfeitamente adesivo que ninguém levanta para ver o que está debaixo, a etiqueta verdadeira. A relação entre as duas é em tudo estranha: uma coisa que vale muito dinheiro pode valer apenas umas poucas merrecas furadas (esta é uma forma simbólica de traduzir o momento em que uma coisa que não tem valor algum vale menos ainda) e vice-versa, e pode-se também inverter a ordem dos fatores, porque a merreca enquanto padrão monetário vale tão pouco que entre mil merrecas ou um milhão delas e uma só não se vê qualquer diferença (talvez daí tenha derivado a noção de limite em Leibniz e Newton). Consoante à tendência de ver no dinheiro algo espiritual, poderíamos esboçar a teoria de que nossa alma é constituída de merrecas (cada um teria uma quantidade diferente, é óbvio). A merreca seria assim uma espécie de célula ou mônada do espírito, o salto quântico entre o mundo metafísico e o físico, exatamente o que Platão não soube perceber quando escreveu aquele poema em prosa inventando um céu dos universais (ou algo assim, é tudo poesia mesmo), no dia em que estava organizando uma rave dentro de uma caverna com uns rapazes legais e virou-se para mijar tendo uma fogueira atrás de si (ou foi virado por um dos mancebos, de encontro à parede rochosa, para outros fins - mas isto a História não registra exatamente, embora o êxtase subseqüente pudesse explicar a iluminação). Isto aconteceu muito provavelmente porque não existia o Capitalismo (ou existia, em formas muito primitivas), a religião que tem a chave dos corações humanos, mesmo quando estes são socialistas (onde ocorre apenas uma substituição de moeda, por exemplo, dinheiro por poder – aos anarquistas é dado o benefício da dúvida, embora aqui a moeda possa ser o niilismo). Se você achar qualquer coisa (qualquer uma mesmo) que não possa se traduzir em merrecas, agarre-se a ela com furor e não solte nunca mais. Parece que foi isso que fizeram alguns dos grandes místicos do passado e também Don Juan, embora dentre as inúmeras tenham passado tantas merrecas em sua cama. Não se pode ganhar todas, nem em merrecas.
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