11/22/2007

Novo Pequeno Dicionário das Aproximações

Felicidade (s.f.)
Imagine um oceano. Águas, encapeladas ou planas (ou suavemente ondulantes, daquele balanço faz do barco um jogar sem fúria e sem descanso). A brisa e o sal na brisa. Fora do silêncio só o barulho das vagas, marulho. Céu azul ou negro e pesado, não importa – a felicidade não é aí.
Imagine a profundidade da água, o mais profundo que sua imaginação possa formular. A espessura da água e sua pressão crescente, a falta de ar, o silêncio que se amplia a cada jarda. Podem passar peixes ou não e decerto nenhum escafandrista altera o curso do imenso volume líquido que se desloca, você não sabe pra onde. Deslocar-se e ir, é o que a água faz. Você tem que se manter quieto diante da determinação do que flui, incessante. Aqui o panorama mudo e chegamos ao solo duro, frio e submerso. Impassível, o solo. Imóvel. Os grãos de areia que parecem pender em suspensão não representam mais que a ilusão de leveza, aqui nada é leve, nem dócil, nem fácil. Aqui os crustáceos desarticulam o rumo de suas presas e as entregam ao destino. A felicidade também não é aqui. Imagine ferozes perfuratrizes solo abaixo, rasgando tudo, imagine a pulsão das perfuratrizes solo abaixo, seu desespero em penetrar profundidades abaixo, profundidades abaixo, profundidades abaixo até encontrar. São bolsões subterrâneos, cavernas ocultas. A felicidade está ali. Alguns, na superfície, se contentam com a suposição da força destes lençóis, com imaginar – enquanto deslizam sobre o espelho das águas – o quanto de energia se move nestes reservatórios fechados. A estes chamamos ‘místicos’ quando estabelecem mapas e organizam rituais onde se pretende apreender o espanto do encontro com o que se esconde. Outros perdem a vida no esforço de perfurar, sem ciência, sem potência, sem direção – estes são a maioria. Alguns poucos talvez, talvez ninguém, quem sabe apenas lenda, mas só estes poucos conseguem, num ímpeto, arrojar-se solo abaixo, ainda que sob o risco de morte ou dissolução, até onde o tesouro se encontra: de seu êxtase nada escapa que possamos apreender. Ele é solitário, ausente, errante e talvez sem retorno. Talvez apenas quimera.

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