11/04/2007

Novo Pequeno Dicionário das Aproximações

Amor (s.m.)
Parece que a principal questão aqui é refutar as abordagens dimensionais e acercar-se do conceito de densidade. Podemos nos afastar da compulsão de sermos exatos e recorrer àquela imprecisão comum a crianças e poetas: não se trata de vastidão ou profundidade, mas de peso e dureza. Alguém já deve ter utilizado a imagem do camelo em desalinho sobre a areia escaldante, arfando sob o massacre da força que o esmaga em direção ao solo, no seu olhar vazio a dúvida sobre o porquê lhe teriam aplicado tamanho fardo. O escritor contemporâneo Lalo Svoboda praticou esta visão num livro esgotado (“Você se fodeu, amigão”), onde se evidenciam algumas elaborações em torno deste conceito: impenetrabilidade, atrito, campo de gravidade.

Diálogo (s.m.)
Farsa habilmente desenvolvida desde os primórdios, causa forte impressão de que duas (ou mais) pessoas se comunicam. Um poeta e ficcionista grego (que gostava de se esconder sob outra denominação), na Antiguidade, tentou sistematizar sua forma e extrair-lhe novos usos, em vão: tudo não passava de sua visão deturpada de poeta (opróbrio acrescido pela tentativa de ser fake de um poeta maior em sua loucura, o suicida) Provavelmente sua função se atém aos organismos e sua preservação, no sentido de expressar as necessidades mais básicas como comida, sexo, calor, repouso, do mesmo modo como o vôo das moscas não tem outro sentido que o de moverem-se sem direção rumo a coisa alguma, extraindo da improbabilidade a surpresa provisória do alimento. Uns loucos já acreditaram, por maiores ou menores porções de tempo, que serviria para expressar indagações metafísicas, amor ou amizade. Contemporaneamente desenvolveram-se variantes deturpadas desta prática, utilizando-se os dedos no lugar das cordas vocais, o que não cumpre sua função orgânica e dá causa a outras tantas confusões, numa seqüência de simulacros sucessivos, embora sem relação aparente uns com os outros. Sem falar da L.E.R., o que denotaria o deslocamento de função. Ter lido todas estas linhas acima também não adianta nada: você só vai entender o que você quiser entender, caso queira.

Exílio (s.m.)
É o lugar onde você está. Algo como a fila do lado andar sempre mais depressa, sem importar em qual você entre. Não adianta mudar de fila. Nem de lugar. Poderia ser chamado de “deserto” mas é bem pior, o que se acentua progressivamente com a aproximação da morte (real ou metafórica).

Sexo (s.m.)
Tudo que pode ser dito se resume a uma palavra: memória. Passa por este território deixando profundos sulcos e todo o resto é acessório ou fetiche, deambulações em torno do nada, com maiores ou menores contradições. Desde a memória da pele (com ou sem a metáfora da “Rosa Tatuada”) aos estragos que o desejo possa imprimir numa alma permeável, no fim esta palavra é fonte e foz, nascente e desembocadouro.

2 comentários:

Eliana Pougy disse...

Eu adoro esse seu estilo, cara.

Aldemar Norek disse...

Nunca esperei ler isto escrito por você.
Gostei,claro.
beijos, Eli.

ps. Adorei,numa primeira passada, a sua tese. Temmuito a ver com umas coisas que venho pensando e tenho que escrever (para a Sibila),sobre a (des)importância da arquitetura e a discussão sobre tecidos urbanos como Rio e São Paulo.
Como acho que tudo se liga,rola uma horizontalidade plena num mesmo corte de tempo, oque vi ali vai me ajudar a organizar umpouco o caos daqui de dentro. Espero.
beijos/obrigado.