E a justificação1 biológica2 da violência,3 aparentemente tão nova,4 não equivale5 em nada aos seus substitutos, cuja combinação poderia no entanto produzir6 o mesmo sentido.7 Em suas transações8 com seus concidadãos,9 pode misturar-se a eles, sem no entanto vê-los; toca-os mas não os sente; existe10 apenas em si mesma e para si11 mesma.12 Reduzida ao estilo,13 ela trai seu segredo, 14 a obediência à hierarquia15 social.16
1 Jusitificação como topos retórico, no sentido de argumento que visa a legitimar outro conjunto argumentativo, indiretamente relacionados. Não se tratanto, portanto, de coerência lógica, mas de plausibilidade. CF. Perelman, Chaim e Olbrechts-Tyteca. Tratado da Argumentação. A nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
2 A delimitação de um história natural, com a inclusão do homem como parte orgânica da natureza, foi exemplarmente estudada por Michel Foucualt em: As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995. É no sentido proposto pelo pensador francês que uso aqui o termo “biológica”.
3 Sobre o conceito de violência, uma referência fundamental é: René Girard. A violência e o sagrado. São Paulo: Editora UNESP, 1990. Uma visão alternativa sobre o mesmo tema pode ser encontrada em: Georges Sorel. Reflexões sobre a violência. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Ambos os autores, no entanto, justificam a seu modo a violência, e estão como contraponto à minha teoria.
4 Até aqui, esta frase é uma reprodução de um trecho de Hannah Arendt, in: Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 145.
5 Falo de equivalância no sentido proposto por Wittgenstein, que demonstrou a falência lógica dos modelos de identidade no sentido matemático. Equivalência é, portanto, apenas uma semelhança possível num determinado jogo de linguagem. Cf. Petrópolis: Vozes, 1994.
6 Para uma discussão mais recente do conceito de “produção”, cf. Michael Hardt e Antonio Negri. Império: Rio de Janeiro: Record, 2000.
7 Entre o final do trecho citado de Hannah Arendt e a palavra “sentido”, acompanhamos de perto a obra de Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso. Francisco Alves: Rio de Janeiro, 2003, p. 150.
8 Notar a ambigüidade das transações, uma idéia de troca que pode ser pensada bem no veio da tradição liberal. Mas pode ser também a idéia de “transa”, no vocabulário para alguns desbundado da curtição marginal dos anos 1970. Cf. Torquato Neto. Torquatália. Obra reunida. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
9 Entendo por concidadão a versão sobre as comunidades imaginadas de Benedict Anderson, in: Nação e consciência nacional. Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes, 1987. Mas devidamente complementado com: Claudine Haroche. “O que é um povo? Os sentimentos coletivos e o patriotismo do final do século XIX”, in: Jacy Seixas, Maria Stella Bresciani e Marion Brepohl (orgs). Razão e paixão na política. Brasília: EdUnB, 2002.
10 Claro que não pode se tratar aquí do conceito heideggeriano de existência. Expresso em: Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1989.
11 Em si e para si, corresponde à fórmula clássica de Hegel. Mas não é neste sentido que a empregamos aqui, mas numa acepção mais livre. Cf. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 1981.
12 Frase tomada de Tocqueville, apud. Richard Sennett. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 7.
13 Sobre a noção de estilo, apenas como breve indicação: Carlos Reis. Dicionário de teoria narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
14 Uso o termo segredo no sentido proposto por Alain Corbin, in: “Bastidores. O segredo do indivíduo”, in: Michele Perrot (org.). História da vida privada. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 419-502.
15 Aqui a referência é Louis Dumont. Homo hierarquicus. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
16 Frase final reproduzida a partir de Adorno/Horkheimer. Dialética do esclarecimento. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1997.
Um comentário:
Isso é o macaquear às últimas consequências. Me lembrou uma cena que vi nos '80, quando um caradançou a noite inteira com um pilar ao som do batidão (embora neste caso pudesse haver desespero e pouca fé). Por certo deve valer muitas merrecas.
abs.
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