Estava lendo uma daquelas velhas edições de Recordação da Casa dos Mortos, exemplar encontrado numa biblioteca pública mofada de Brasília, quando encontrei esse manuscrito, aparentemente uma carta que nunca foi enviada ao destinatário. O papel embolorado me levou a pensar que aquilo um dia poderia se tornar um documento histórico.
Caro Oito-Olhos,
Você me vê. Eu não te enxergo. Mas não nego que entrevejo tua silhueta entre arbustos e bustos de heróis fundadores. Você maneja um chicote de longo alcance. Sei porque sinto as lapadas da tua sangria desatada.
Vou ali, ali você está, pra cá me viro, giro como água no ralo da pia, sempre no mesmo sentido: você olhando, checando, decidindo, ferindo, conferindo, direcionando, caluniando, cagando e andando no meu encalço.
Você gosta, finge saber das coisas, estar por dentro delas, sempre do lado de fora, bisbilhotando de longe, impassível e intragável. No seu computador você guarda todos os e-mails trocados por todos os internautas em todos os tempos.
Você ainda acha pouco. Nada basta, nem o bastante de lhe bastar. Você é insaciável: não basta ver, tem que pegar, não basta pegar, tem que comer, não basta comer, tem que vomitar, não basta vomitar, tem que ver, não basta ver.
Você e sua mania de grandeza, você e suas conversas sobre perdão e humildade, você e seu silêncio, você e seu sarcasmo, você e sua coleção de moedas. O bigbang começou numa gaveta do seu armário, o cântico dos cânticos foi escrito pra você recitar com sua voz de tenor, dó do peito. Você já sabe de cor os provérbios. Não resta dúvida: você venceu.
Mas você pensa que eu não sei o seu nome. Ledo engano. Não apenas sei o seu nome, como sei todos os codinomes. Por ordem, eles são:
Belém-Brasília.
Peido que entra no cu.
Cara de anjo pinto de marmanjo.
Brilhantina de pentelho.
Careca descabelada.
Todo mundo quer ter.
Cosmoagonia.
E ainda por cima fica com essa cara de me engana que eu gosto.
2 comentários:
Que medo.
O mundo gira mesmo. Não há como não ficar tonto.
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