7/30/2008

mandala




como um cachorro amarrado a um poste
por seu dono, como um cachorro preso
à trilha circular onde há um mesmo
rolar das horas até que o estoque
do tempo esgote, enfim, pulando casas
como um dado fadado a uma roleta
já viciada, assim como a cabeça
na vertigem de orbitar desusadas
trilhas, pela emoção mortal do salto
no abismo, e como se ainda voltando
a de novo saltar e querer nos
círculos infinitos, quando calmo,
apagar o sentido dispersando
quintessências no quinto dos infernos

7/28/2008

Miragem

Quê de arte existe
no ponto misterioso
onde me encontro?

A vida observa,
- estática -
o tempo que corre
circundando-me
cada vez mais rápido
cada vez mais rápido
cada vez mais rápido.

Os deuses riem,
e apontam seus dedos longos
bem para o meio de minha testa molhada.

Sopros de vida acordam-me.

Sou mãemulheresposa,
again.

O espelho nega.

Nega o espelho.

Again,
esposamulhermãe sou.

Me acordam vida de sopro.

Molhada testa minha de meio o para bem
Longos dedos seus apontam e
Riem deuses os.

Rápidos mais vez cada
rápidos mais vez cada
rápidos mais vez cada
me circundando
corre que tempo o
- estática -
observa vida a.

Encontro-me onde?
Misterioso ponto no
existe arte de quê.

7/24/2008

Digressões sobre a Lei Seca (ou O sujeito não tem carro)

1.
viva a bebida
chuva
amiga
de todos
os bêbados

viva a bebida
amarga
fadiga
viúva
de todos
os bêbados

viva a bebida
mãe
irmã
namorada
sogra e tia
de toda
a humanidade


2.
Nunca fiz um poema
Bêbado
Nunca fiz um poema
Sóbrio

Se estou sóbrio
O poema é bêbado
Se estou bêbado
O poema é sóbrio

Baudelaire já dizia
Hay muchos años atrás
Embriagai-vos
De vinho vício ou virtude

Eu corrijo:
Virtude é engano
Vício é pretensão
Só o vinho é real
Concreto e verdadeiro!


3. Aproximação a Homero:

Mar, cor de
Verde
Caipirinha


4.
Difícil é andar
se se está mareado
sobre a, da praia,
areia.

Como bolhas
saem as palavras,
quando, com o mar
na garganta, fala-se.

Entre coqueiros
o ar, circulando,
é aquário,
se se está mareado.

Meu nome,
o mar sabe,
quando estou mareado.


5. Aproximação a Pessoa:

Não sei se o mel
Do seu coração
É ilusão do azedo:

Com a cachaça
E o limão
Retempero meu medo.


6.
Puseram limão
No estruturalismo
Cachaça
No pós-modernismo,
Gelo e açúcar
Na lista de citações

A verdade talvez mergulhe
Em sua meiga embriaguez.

7.
A cidade se banha
no azul líquido
das televisões.

- noite de domingo –
nos bares
bêbados recordam
suas antigas noivas.

7/20/2008

Liquidação



O tempo,como uma etiqueta, cai
indiferente, preso ao pé da alma
perdida em seu departamento. Sai
do fundo desta loja a sempre falsa
balbúrdia insana que irradiam tantas
bugigangas, imóveis ou não, só
a esperar das etiquetas brancas
novos sentidos, não apenas pó,
o que acumula sobre as superfícies
quando o tempo desaba, ainda que
pareça imóvel etiqueta e ria
ao pé das coisas tontas, insensíveis,
mudas: nunca se perguntam porque
essa luz fria instala o eterno dia.

7/19/2008

Aproximação a um poema de Creeley

Eu cresço entre tensões
como flores
num bosque onde
ninguém põe os pés.

Cada ferida é perfeita,
fecha-se num minúsculo
botão imperceptível
doendo fundo.

A dor é uma flor como esta
como aquela
como esta
como aquela.

7/13/2008

nº 4




Olhos que perseguem a urdidura do caos e, desembainhado o punhal,
a cega mão o agita excessivamente - mas é tarde.
Foi-se o presente em delicado papel depositado, posto que
nada de novo funda os horizontes vastos.
Entre esperança e memória
só uma imprecisão é o que nos define. Você não sabe qual perversão desenvolveu
o tempo
e se esta autoriza tão grande inconseqüência e a banalidade
das horas.


(das "Notas Marginais").

7/11/2008

a folga, a estante, o pó e o calcanhar



(ainda estou de folga
8h30 e ergo da cama
em sobressalto.
quero dizer algo como se o amor
não valha a pena
ou mesmo, talvez, não exista.
após tomar café,
vou tirar o pó
da estante e abro aleatoriamente
o livro do nauro na página 223:
e eis que:)

BRASÃO

Sem ninguém para amar é feliz a alma.
Sobre ela a funda e igual noite descer
ainda mais fundo que um túmulo pode:
pode feliz descer a noite nela.

Não amar ninguém: um bicho amar e, ao menos,
nesta infelicidade de uma só alma
ter a certeza - ao menos - de amar poder!
Mas nada amar. Ser como um rio só.

Ser do rio as águas do mar. Ser do peixe
o instante dele. Da água, o esquecimento.
Nada amar pode a alma que feliz é.
Sem nada amar, pode a alma se esquecer.


(Nauro Machado, O Calcanhar do Humano)

nº5




(Qualquer espaço é contra o espírito, extensão e ausência de sentido
- mas sem ele como há de ser a dança?
O espírito se agita no não-espírito, de onde vaza
toda tensão do movimento, a dança, caminho perene. Almas de dervixe,
carne acesa e pedra, pulsares de granito,
labaredas, por onde você vai.
)
(das "Notas Marginais")

7/10/2008

Da primeira metodologia: colagem de vestígios

A história do Brasil em 4 monólogos:



No primeiro, Graciliano Ramos fantasiado de prefeito lê um trecho de seu relatório. No último, Dyonélio Machado travestido de Dr Oito-Olhos avalia a situação, lendo o seu Uma Definição Biológica do Crime. No meio, Vidas Secas e O Louco do Cati.


1. Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas, retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incinerei monturos imensos, que a Prefeitura não tinha recursos suficientes para remover. Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado no fundo dos quintais, lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que viram bichos nas praças.


2. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, o prefeito de Palmeira dos Índios saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. Baleia saiu depois sem destino, aos pulos. Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo.



3. Agora: só poderia ser um cachorro fantástico. Bem que sentira sempre a sua sofreguidão canina, quando engolia o seu tassalho de carne... os seus silêncios invencíveis de cão... uma vez que fora encerrado num quarto – como um cachorro! Entrava como um cão na crise da sua vida. Avançando, num trote e ladeado, ia pondo os olhos nas flores – mas uns olhos muito deslavados, de cão. Nem valia a pena lutar – ou fugir, como sempre vinha fazendo, como o fizera ali ainda no meio do campo, na véspera, diante do vulto negro que tinha uma capa negra – e que lhe lembrara aqueles outros homens vestidos de preto, de dólmãs pretos onde luziam reflexos metálicos de botões, ou de dólmãs pretos ensopados de sangue.




4. Em todos esses casos, fica comprovado que o delito entre os animais, como no homem, é o efeito de ‘tendências individuais’, não representa o resultado de um ‘instinto específico e geral’, manifesta-se num ou dois indivíduos dentre cem da mesma espécie, sofre o impulso de vários móveis psicológicos ou patológicos. Mesmo o modo de execução do crime oferece a variedade que se encontra entre os delinqüentes humanos: animais existem que empregam a violência, outros a insídia, alguns se contentam com a simples eliminação da vítima, muitos levam a sua ferocidade até a sevícia do cadáver e ao canibalismo. A própria cumplicidade consciente e criminosa entre vários indívíduos de uma mesma espécie animal já foi observada. Encontram-se, com efeito, verdadeiras associações de malfeitores entre os animais. Figuier narra o caso de três castores que se associaram para matar um quarto companheiro; e exemplo semelhante é fornecido por outras espécies, segundo Darwin. Para completar o quadro, nem falta mesmo a punição, praticada já em germen entre animais de um desenvolvimento social mais acentuado, como se verifica entre os símios, segundo o testemunho de Brehm, ou entre as cegonhas, de acordo com o que nos conta Figuier.

7/07/2008

Justiça

Seus olhos quentes engolem cada brilho
De minha exposição.

Mas eles nada sabem.

Era uma tarde silenciosa
E o desassossego pousou em meu ombro
Esquerdo.

Era uma tarde, assim, azul,
E o frio veio e não sairá de meu ventre inútil
Nunca mais.

Deus...

Por que justo
- agora -
Des-espero?

7/06/2008

Motor




Esta pulsão de homem que me agita
e morde um pouco a alma enquanto, aceso,
penetro um outro corpo, ardendo, teso,
com o mesmo ímpeto que precipita

as águas rio afora – ou antes o
que empurra a lava encosta abaixo e anima
a fúria mineral que a âncora atrita –
esta pulsão me inflama e me tem preso.

Pulsão que busca um centro imaginado
por trás do limite úmido, oculto
ali onde deseja em vão achar

o centro da poesia, a alma, um vago
sentido que se esconderia em outro
corpo e não mais um vazio a arfar.

7/03/2008

Highway Star Nacional Expresso

Meu cérebro tritura essas palavras
Ele come o combustível
E respira gás garbônico
Na mesma velocidade desse ônibus
Faminto, lendo os anormais

Do livro de Foucault nas poltronas

Mais um velho bêbado
Enche o saco
De vômito, mais uma garota
Foge de casa, as janelas fechadas
Acumulam baratas e o cheiro
De mijo preso no banheiro.

São tantas coisas que
Ninguém vai me roubar:

O rosa e o azul
Do ovo cozido contrastando com a volátil
Cor das moscas, ou o
O homem que se arrasta no chão
E pede esmola, por exemplo.

Depois da próxima parada
Outro filme do Steven Seagal
Contra a paisagem das usinas de açúcar,

E a estrada esburacada
Me lembra sua língua
Cheia de carrapatos.