12/29/2008

Eu, Mazagão (refeito).

Advertência: isso não é lirismo, é história (mito). Mazagão foi uma cidade-fortaleza na guerra contra os infiéis. Não deu certo. O Imperador decidiu transferir a cidade, inteira, da África para a Amazônia. Os habitantes não podiam escolher, eram sujeitos ao (súditos). Até que Dona Maria, a Louca, dez anos depois de viagens e muita escrotidão, decretou: vocês estão livres de Mazagão. Depois disso, deles (os súditos) não se tem mais notícia.

Isso aqui também foi escrito segundo os parâmetros da metodologia da resenha surrealista, resenhei o livro de Laurent Vidal. E pensando bem é lirismo sim, o velho esquema romântico de despertar/simpatizar/confundir-se com os mortos. Correspondências.



de repente você acorda
há menos de cinco minutos pensava que desta vez sim
conseguiria dormir,
mas de repente você acorda,

abra a janela e
observe o rebanho que mastiga o capim
e o som dos dentes e da saliva no verde: rio fluindo
rio de pedras polidas fluindo no esquecimento,

mas você não
você não consegue dormir porque sabe que se esconde
numa fortaleza, tão complicada e delicadamente construída,
que se tornou sua prisão desconhecida, em que você trafega como um rato,
um rato com memória,
um rato com nome próprio.

a infantaria ainda não foi inventada, você tem que se virar
com estes canhões enferrujados e um crucifixo

fodeu,

eles estão lá fora, mais maneiros e manjados que você
desta vez você se fodeu.
você vegeta como um cão de guarda entre os muros de pedra

- e só agora te avisaram.

eis o plano de fuga:

o Imperador ordena, não a dor, a dor de cada um
que se foda, dançando entre os dentes, a dor, o grito que silencia,
o silêncio que se grita, foda-se, o Imperador ordena
tome conta dos seus pertences, do seu álbum de fotografias,
guarde com zelo o nome da família, vele pela memória de Mazagão,
tome a canoa e saia pela porta minúscula que se insinua
à beira-mar. e não exulte, você não vai afundar no Lethes.
você vai é parar no meio de ruínas
numa cidade bolorenta, sangrando à virgem que se arrombou
num terremoto daqueles, uma puta caçada por Sacerdotes,
uma órfã sem eira nem beira, um convento derrubado,
a porra de uma cidade fodida, é pra onde você vai.
e não se misture com seus habitantes,
até nesta merda de mapa você só está de passagem.
eis o plano de fuga.

- e só agora te avisaram.

depois, agora você vai se cagar no meio do mar,
rumo aos trópicos, aqueles mesmos
em que centauros comem o verdadeiro fruto proibido,
lá permitido (as mangas-rosas altas e saradinhas),
terra das grandes cachoeiras e dos carimbos.

mar, que belo e verde!

só se for na beira da praia, lá dentro
a pura monotonia, os dentes da maresia,
que absolutamente não canta, saltam do verde e liso mar
e ferem seus olhos, lambem seus dentes, apodrecem sua boca,
uma cloaca, lábios de labirintite.

me fodi de novo.

oh, quanto sal, são lágrimas de um boçal.
finalmente você chega à nova morada:
madeira podre, infestação de formigas, casas caindo,
chuva torrencial, medo dos canibais que inexistem
mesmo assim te mordem, roem dentro de sua cabeça,
e você ainda a preserva, a memória de seu passado
presente de rato com nome próprio.

- Dona Maria, a Louca, mudou de idéia,
reconhece em você a triste marionete nas mãos do destino,
esta bosta de metáfora com luvas negras e frases-feitas desenhadas,
há de liberá-lo, pode ir, o mundo é seu.

12/23/2008

Meus votos para 2009, ou Bira em 2009 totemize o Jô (refeito)

Totemizar o teu equivalente, o teu semelhante, é coisa cotidiana, tarefa constante para te assegurares da posse dos objetos-fetiche sem os quais perderias a crença na realidade. A realidade! Precisas dela como o filtro solar das ondas televisivas, como o endereço dos livros nas bibliotecas, como as estatuetas de couro, em forma de vibradores inspirados na semana de arte moderna, carregadas em glória por teus inimigos que te nomeiam de O Ressentido.
Não te esqueças que outros escreverão teu nome na história e não como a biografia de um aristocrata do século XVIII vestido à moda Cauby Peixoto e sua máscara de creme e sua peruca de concreto armado, mas sim como um ponto indefinível e excremencial nas curvas de natalidade e mortalidade, o querido anônimo das ruas. Pensa na voz do Cid Moreira falando sobre ti, “o anônimo das ruas”.
Eis que totemizar o próprio objeto-fetiche é ato de revolta, de re-animalização, de criatividade. Não há liberdade, libertação é o que há e se o objeto-fetiche então passou a usar barba para posar de escritor com cara de Ernesto Hemingway, se ele espalha aos quatro ventos que é anarquista quando quer te transformar em tema de riso e escárnio para a platéia com cara de Itaú cultural diplomada nas Facus do Brasil afora, se ele se repete como quem foi levado a sério por anos a fio e precisa se repetir como as focas treinadas na decepção dos templos neobarrocos, então Bira! É hora de totemizá-lo com um sonoro vá tomar no cu! A pátria agradece, Bira.
Não te esqueças que és a massa de modelar informe dos festivais coordenados por William Bonner (sim, ele também é Jô e disse que não passas de um Homer Simpson analfa de pai mãe e Beto sentado no sofá), não te esqueças que és a cadela Baleia chutada pelos Fabianos das vielas sentimentais e viscerais de Gotham City (sim, também és um cão e sarnento por sinal, ainda bem Bira, ainda bem!), não te esqueças que és o joão ninguém exemplar.
Bira, por ti, por mim, por todos nós, manda o Jô praquele lugar!

Um abraço,

12/20/2008

Álogos é o absurdo

Álogos é o absurdo, a desrazão, o ininteligível. Seria o álogos a não-escrita? Ou a escrita do imprevisível, do impensado? A razão é o refúgio do não-pensar, ao se contentar com o que já se concluiu anteriormente. Ser o além-do-homem não está nas grandes palavras de ordem, nos grandes sistemas, nos grandes derramamentos de sangue (este é o território demarcado da razão); o além-do-homem está nas pequenas ações, nos pequenos vômitos de cada dia, ao sentir nojo da gentalha; está no espaço em que a razão ainda não chegou, nem chegará. Se o lógos é uma mentira consensual, prefiro ser álogos. Absurdamente.

12/19/2008

Jornal de dezembro (é meio besta, mas vale pelo "espírito da época")

Mal as árvores começavam a fazer sombra e o pequeno circo, na praça central da pequena cidade, começava os trabalhos. Seus três funcionários, o mágico-trapezista-amestrador-de-pulgas, a assistente-dançarina(vai, ordinária! era o bordão da música)-atiradora-de-facas e o palhaço usavam a manhã pra limpar a sujeira do espetáculo noturno. O som de “Guerra dos Meninos” tomava a cidade de assalto, tão poderosamente que parecia subir dos paralelepípedos com o mormaço.

- Você sabe o que é dor? Ouça a “Guerra dos Meninos” de manhã cedo. O resto é metafísica (dizia o Sábio da Montanha).

Após a faxina, iam os três tomar seu banho no açougue (a única instituição da cidade que tinha água em abundância e que, por isso, alugava o chuveiro a visitantes).

Nisso tudo havia um porém. O palhaço era cabeludo. Detalhe que não seria perdoado pelos jovens do local.

- Os fetichistas do real sempre prefiriram totemizar o que já vem previamente rebaixado, agindo como antropófagos às avessas, treinados nos pontapés contra formigueiros. Mas é isso o que mantém o mundo em curto-circuito e o que garante que os senhores, coçando o queixo ou abanando a cabeça em sinal de aprovação, depois aplaudam minha palestra (dizia o psicanalista na Campanha Cultural da Cia Elétrica Exclamações!!).

O palhaço era cabeludo, como o Rei Bob Carlos. Imperdoável. Cansado com a mangação dos jovens da cidade, um dia ele resolveu ir ao banho com uma peixeira escondida na calça colorida. Nem esperou a primeira risadinha, foi logo furando o primeiro que alcançou.

O palhaço assassino fugiu correndo pela praia. A peixeira na mão. Ainda sujo de sangue, depois de muita correria, acabou batendo em minha porta. Fechei os olhos por causa da luz intensa.
Então uma canção ele me ensinou: lalalalalala, lalalalala, lalalalalalalalá, lalalalalala, lalalalalala, lalalalalalalalá

O tubarão da abjeção moral, o caracol monstruoso do idiotismo

No dia do martírio
Cristo ri
Aliviado

Os romanos inventaram
Uma cruz
De cristal líquido.

12/11/2008

A Alma é cheia de mistérios



A Alma é cheia de mistérios
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“São estranhos os atalhos noturnos do homem”. Eu abri aleatoriamente o livro de Trakl e havia esse verso escrito. Vi o adiantado da hora, e como o tempo agora também me corrói. Em plenos 40 anos de idade, vejo que percorri aqueles mesmos quartos marrons e púrpuras, e fui assombrado por aquelas mesmas borboletas mortíferas. Os poucos meses para um homem desempregado com tanta energia nas veias e um olhar mordaz na captura é quase um convite ao enforcamento. Então, num ATO de DESESPERO, coloquei um anúncio no jornal para simplesmente buscar uma forma de sobrevivência. O anúncio era simples e objetivo, eu havia colocado que procurava uma mulher mais velha que me sustentasse, disposto a satisfazer seus mais íntimos desejos. É verdade, que não houve muitas cartas a mim endereçadas. Cartas físicas, cartas eletrônicas, todas. Mas, por fim, escolhi uma carta que me chamou a atenção: - eu a havia escolhido e ela, a mim. Seu nome era Agda, uma mulher loura, 60 anos, um pouco mais, ainda atraente, com agudos olhos azuis. Seu corpo não era delicioso como de uma mulher jovem, mas o mais monstruoso eram seus notáveis caprichos. Ela me olhou, pela primeira vez, e disse-me: Você tem certeza? Disse a ela, que um homem sem rumo, é um homem sem coração, e vive de forma a bailar entre o penhasco e o punhal.
Ela riu discretamente e perguntou quanto tempo eu disporia para tê-la, os dias da semana, os feriados, as comemorações estúpidas. Ela sabia que eu era casado com uma mulher mais jovem, atraente. Disse que o tempo suficiente. Suficiente. Foi desse dia em diante, meu mais incrível inferno, onde já antes mergulhado, só recomeçaria a me afundar. Agda morava em uma casa suntuosa, tinha vários empregados, mas isso tudo, era como uma névoa em meu olhar, isso, simplesmente para mim não importava. Seria pago uma quantia medíocre mensalmente para os meus nobres serviços. Ela começou dizendo com uma voz grave, meio arrastada pelo fumo e álcool: - Primeiramente, quero que me dê um banho, lave-me bem, gosto de me sentir limpa, e gargalhou. Seque-me atentamente e enfie delicadamente a toalha em minha vagina. Corte minhas unhas dos pés, e beije cada dedo dos dois. Antes de eu dormir, penteie meus cabelos, e faça tranças bem miúdas, para eu parecer uma garotinha mimada e idiota. Agora vá, quero dormir. Dia seguinte, disse-me que os cheiros de uma mulher mais velha, ficam mais acres, e que o banho que lhe dei tinha sido uma obra porca. Você é um porquinho, deve se arrepender de ter feito um serviço mal feito. Estou com fome, sabe preparar algo para eu comer? Mas não como qualquer coisa, é melhor não se aventurar. Afinal, aqui quem come e bebe é você. Disse-me para ir até um grande armário e abrir uma porta mais escura. Eu abri e lá havia uma espécie de uma bacia de prata, larga e funda. Traga-a. Levante minhas saias, abaixe minha calcinha. Assim o fiz. Então, com destreza impressionante para idade, ficou de cócoras e mijou farta e quente na bacia. Meu porco imundo, agora beba. Eu a olhei e perguntei: - tudo? Ela disse, tudo que puder agüentar. Pus-me de joelhos e bebi aquele líquido amarelo, entre espesso e aguado. Levantei-me, enxuguei meus lábios e fixamente olhei em seus olhos azuis de monstro. Algo mais para hoje? Não, hoje você foi um bom menino. Ainda nesse dia fui à praia e vi que tudo era questão de sal, de sais, assim como o mar urina na boca dos surfistas, das sereias e das musas. E o natural, é bem verdade, é que pensamos, somos humilhados pela boca, assim como a fome, a privação, a dor e a perda. Num feriado santo, ela, sacrílega, queria que eu satisfizesse um capricho especial. Ordenou: meu nojento e servil parceiro, hoje a iguaria é especial. Após vários pratos que hoje comi, com condimentos picantes, variegadas bebidas, tantas sobremesas, tanto enfado, mentira e solidão, quero fazer uso do meu cu em sua boca bonita. Naquela posição, já antes verificada por mim, então do seu cu frouxo e terrível, jorrou sua merda entre sólida e diarréia líquida, e rápido, rápido, disse, venha pegar direto daqui, nada de bacia. Os jorros alcançaram-me boca, rosto, olhos. As golfadas que me vieram, após, foram tão pujantes quanto às dela, com meu vômito escuro e infinito.
Na praia, uma vez mais, eu via que na verdade as estrelas, e aquele azul de céu, era uma afronta de beleza, e que todo o céu vomita sua indiferença para nós, pobres diabos.
Durante meses, meus serviços foram rigorosamente cumpridos, não havia mais novidades. Tudo caiu na rotina. Antes era o vazio, e agora o vazio se reafirma. Não estava mais feliz, ou nunca estive, na verdade. Tomei a decisão lentamente, inexorável. Já conhecia todos os caminhos da casa da bruxa. Fui até uma gaveta da cômoda, onde ela guardava a afiada tesoura que eu cortava suas unhas. Lâmina longa, aguda. Enquanto ela dormia, fui até o centro da cama, sentei em seu ventre e desferi o golpe certeiro em seu coração. O sangue jorrou escuro, longe, demente. Então, calmamente, comecei a destripar inteira, cortando órgãos, a máscara fria do rosto, nervos, ligamentos. Aos pedaços, milhares, colori aquela casa mórbida. Sabia que não iria mais à praia. Dela, ficaria apenas a lembrança de um mar balouçando, ígneo ao sol, e como os poemas morreram, no bater de asas de gaivotas. Na outra gaveta, o revólver. E me dei um tiro na cabeça.




Anderson Dantas
Dezembro 2008
Eu moro numa Ilha.

12/08/2008

Não devemos reabrir velhas feridas

“Não devemos reabrir velhas feridas”[1]

1. A Universidade de Brasília tem dois monumentos horríveis: um em homenagem a John Lennon e outro em memória de Honestino Guimarães. Honestino é lembrado por ainda ser o único desaparecido político que estudou na UnB.

2. Há uns dez anos atrás, eu e alguns colegas estudantes da UnB gravamos uma entrevista com a mãe de Honestino, dona Maria Rosa. Na entrevista, ela nos falou sobre a mudança da família de Taberaí para Brasília, quando a cidade ainda estava em construção. Falou com orgulho do filho estudioso e promissor. Mesmo depois de tudo o que aconteceu, dona Maria Rosa ainda parecia se surpreender com a invasão da universidade por forças militares, em 1968. E já parecia cansada quando chegou a hora de nos contar a história da morte de seu marido num acidente de carro, quando Honestino já era um foragido. O enterro do pai de Honestino se converteu numa emboscada, o cemitério foi cercado por militares, mas o então jovem presidente da UNE conseguiu assistir à cerimônia e escapar ileso. Eu, numa demonstração de insensibilidade e inquietação justiceira, sugeri que a morte do pai de Honestino podia não ter sido casual. Dona Maria Rosa disse que achava impossível, mas com gestos que na verdade significavam não quero pensar nisso, tudo seria ainda mais absurdo. Fiquei envergonhado e resolvi não fazer mais comentários imbecis.

3. Minha família também saiu de Taberaí para Brasília. De fato, as duas famílias se mudaram juntas, a de dona Maria Rosa e a de Orayde, minha avó. Minha mãe conta que o meu avô quebrou algumas taças de cristal no chão da nova casa, na W3 Sul, porque esse ritual garantiria a felicidade dos recém-chegados.

4. Honestino era apaixonado por uma tia minha. Ela se casou com um latifundiário de Formosa. Minha mãe também fala sobre a visita que fez a Honestino na cadeia, numa de suas primeiras prisões. Ele estava com o corpo todo engessado por causa dos espancamentos. Quando eu era mais novo eu achava que ela era covarde, por ter visto a situação e nunca se envolver com política. Mas hoje eu conheço a minha covardia. Além disso, é fácil me imaginar um guerrilheiro de um passado para mim quase imaginário. E, principalmente, não sou nada pragmático. Estou mais para um zero à esquerda.

5. Outra história sobre Honestino, esta contada por meu pai. Mas, para entendê-la, é importante pensar numa universidade pequena, no meio de uma cidade em construção. E se ver na situação em que, num lugar com poucos estudantes, um colega simplesmente desaparece. Desaparecer podendo ser tanto uma hipérbole como um eufemismo. Morrer além da morte ou estar por aí, quase vivo como um zumbi. Pois bem, os estudantes de medicina se reuniram para decidir sobre uma greve em solidariedade a Honestino. A esmagadora maioira votou contra, sob o argumento de que isso atrapalharia sua vida profissional. Fico em dúvida entre duas alternativas: os piores sobreviveram, até mesmo os piores sempre sobrevivem; ou, numa saída à la Brecht, é mesmo lamentável um país que precisa de heróis.

6. Na entrevista, dona Maria Rosa e nós agíamos como se o Honestino tivesse sido o único torturado. Ela tinha motivos fortes para pensar assim, mas a gente não. Algum tempo depois, ela publicou um livro sobre a história do filho, com o mesmo teor. No livro, dona Maria Rosa conta que logo após o desaparecimento de Honestino, ela iniciou uma peregrinação em sua procura. Até que finalmente conseguiu o direito de visitar o filho no natal, na suposição de que ele estava preso em Brasília. O General Comandante do Primeiro Exécito concedeu o privilégio, depois de verificar uma série de documentos. Dona Maria Rosa ainda teve o direito de levar outros familiares, comidas e roupas para a ceia de natal. No momento da visita, porém, todos foram chamados, um por um, menos eles, os parentes de Honestino. Então, o oficial deu uma olhada nos papéis e verificou o erro. Honestino não estava lá.

7. Isso tudo tem a ver com despersonalização, destruição pela via do absurdo, aniquilação da vontade. É uma falta de sentido construída tecnicamente, com o auxílio de psicólogos.

8. Honestino gostava de poesia. Numa de suas cartas ao pai, publicadas no livro de dona Maria Rosa, ele copiou aquele poema do Drummond, “a injustiça não se resolve / à sombra do mundo errado / murmuraste um protesto tímido / mas virão outros”. Em outra carta, já na clandestinidade, ele cita o Torquato Neto “não era um anjo torto / era um anjo muito louco / com asas de avião.” Alguns anos mais tarde, dona Maria Rosa reencontraria seu filho, numa experiência espiritual. Guiada por doze espíritos orientais vestidos com túnicas brancas, ela chegou à cela em que jazia o espírito desencarnado de Honestino. Nas palavras de dona Maria Rosa, os guias teriam ordenado: “- Faça com ele o mesmo que fez com os demais. E assim procedi, pois tinha consciência de que se não o fizesse, eu poderia prejudicá-lo e você perderia a oportunidade do socorro. Dei-lhe o passe e você despertou, como se acordasse de um sono profundo, porém natural. Abriu seus olhos e voltei-me, sorriu e me abraçou, deitando sua cabeça no meu ombro – gesto natural seu. Parecia que estava acordando depois de uma longa noite de sono; anulara-se, finalmente, o grande espaço de dor e de terror.”



[1] Trecho de uma nota expedida pela Comunicação Social do Exército.

12/07/2008

nº 93

Dias que se erguem feito muros, muito
altos, diques, e o chão
calcinado ao rés dos movimentos
da memória, longo caminho
a pé, só lhe restou
beber o veneno, mergulhar
no veneno, sem antídoto
à mão, sem cartas
na manga, e depois mijar o veneno de volta
nos muros misturado
às secreções do corpo,
seu corpo, um dia
depois do outro, esperando
minar as bases, contaminar, os olhos
acorrentados no dever
de ver. “Tudo
está aí
”, ele disse, “pura rasura”,
quando escrevia, o coração
a nu, ruína
da paixão de grafitar a paisagem, seu apocalipse
portátil.

(das "Notas Marginais")

12/06/2008

Novo Pequeno Dicionário das Aproximações


Sentido (s.m.)
Miragem.

Sublime (adj.)
Na contabilidade geral que você possa fazer de tudo que o cerca, não há conta onde possa ser lançada esta incrível elaboração da ficção.

Valor (s.m.)
Ilusão. Nada vale nada. Nem você.

12/04/2008

Mais notícias de Udi, ou Aí é que você se engana







Um rio foi picotado e circula debaixo do asfalto com dificuldade, os canos são suas pernas
Mecânicas ao passo que ele anda em Udi
Como quem se despede.

O nome do rio é método e tem comigo uma porção de citações convenientes pra nos fazer acreditar que nascemos na pior das eras já que você não pode se contentar com a irrelevância e o merecido esquecimento, e o outro assunto sério além da teoria é a política e aí é preciso admitir que mesmo não sendo fracassado Hugo Chávez não tenho o charme das derrotas de Che Guevara e eu não me convenço dele mesmo com o boné venezuelano trazido pelo seu amigo, o último comunista
Depois da morte de Aldo Rebelo (você morreu engasgado com os trechos de Gilberto Freyre e Eduardo Prado, mais ácaros de plenário e a hemorróida na língua).

Mas, falando em filosofia barata poderia dizer que isto não é um charuto e que nossa última revolução foi implantar o comunismo no colégio dos tarados salesianos e do professor de religão que queria ver o “terceiro olho” dos alunos,
Pelo menos o ateísmo livrou meu rabo.
Depois disso a queda foi visível e minha verdade
É a farsa, revolvida por pequenas e cirúrgicas
Auto-sabotagens, deixar claro que não tenho meu estilo
Meu estilo é cheio de si (quer dizer, de uma terceira pessoa, do alheio).

Mas nem isso dá pra se levar a sério, a sua consciência perversa é uma profissão
De fé como outra qualquer, um amontoado de clichês, nada mais, literatura não é o álibi perfeito e ressentimento não é autenticidade, não sou eu aqui, entendeu?, é a cópia da minha cópia e você também é a cópia de uma idéia qualquer.

Complexo de Max Weber, Melancolia Uspiana com o Fim dos Tempos, Neurastenia do Escritor que só Consegue se Repetir, Megalomania Deuleziana, Esquizofrenia do Legislador Platônico, Blogueiros Abúlicos, Histeria do Reacionário Afônico, Euforia do Ego Dilacerado pelos Mil Acessos, Nacional-Desenvolvimentismo Congênito Ambidestro, Fobia de Todos os Tipos,

Alguma coisa se salva entre a gente.

12/02/2008

Notícias de Uberlândia II e I

Performances Performáticas ou Notícias de Uberlândia II (ou melhor, de uma ida à Uberlândia)

Sou um terrorista com ética? (há algum sem?)

Assim com o fundador do monoteísmo eu pergunto a Ele:

Quem é você? Eu sou?

Paro na bomba: não há gás! Só explosão!

Estradas de andarilhos solitários, esmos: a esperar a próxima batida?

Sou um ser(tãozinho) em (de)composição? Afinais-nos o Senhor(es)! Não nós leve as batidas! Ou será neste caminho o nosso fim? De quem será hoje?

Talvez um ser musical!

Se alguém matou deuses e deus eu tenho no meu íntimo

A pretensão de matar a filosofia!

Delírios de um iconoclasta:

Contra o pensar e o não pensar!

Contra o racionalismo irracional e o irracionalismo racional!

Contra a superficialidade profunda e a profundidade superficial!

Contra o nomadismo sedentário e o sedentarismo nômade!

Viva os jogos de linguagens? Os jogos poéticos? Os jogos? Aprendendo a jogar? (A amar com certeza não?)

Contra Apolo e Dionísio!

Viva o Aleph, Lete, Funes e o Perdão

Ou simplesmente o céu azul: horizonte da salvação do viajante!

E eventualmente o sexo dos pássaros...

Viva a per(ser)

Forma

mance

Se kant pergunta: o q. é o pensar?

Se Heiddeger (ou algo assim) pergunta: o q. é o pensar?

Se Foucault pergunta: o q. é o pensar

(Fonte: Mundo de Sófia)

O pastiche, o ladrão, bricoleur e o caminhoneiro perguntam:

O que é o dançar?

Dança de boleais (que tragicamente podem cair sobre nós)

O que falta ao mundo é a dança!

Menos pensar, mais poesia, menos celular G3 e mais o quê (pergunto aos românticos céticos e aos céticos românticos)?

Talvez uma das faltas seja mais gás do dançar

Dervixe-capoeira e da capoeira-dervixe!

Nós pós-intra-modernos e pós-intra-iluminista e pós-intra-murodeberlim

Somos todos uns porras-loucas?

(meu inconsciente me diz que na verdade sou um egoísta-narciso pós-moderno!)

Porras-loucas dançantes em busca de novas fecundações?

Dervi (xes)res porvires

Loucos

Homens-tempo: o delírio se encarnou em mim? Ou ninguém confessa? (São João da Cruz me salva se você existir!)

Não consegui chegar onde queria...

Mas estou contente afinal não penso e não ando de carro: faço performances, rs.

Pô, pó(?)

Iiiiiiiiiii

É ê e

Zesssssssssss.

Ps1: o problema é que a minha ex e minha psy dizem q. eu não levo nda a sério. A começar por mim.... Só rindo?

Ps2: escrito e psicografado por meio de metodologia quase-kamikaze atrás de caminhões na 262 postado no Blog Língua Epistolar por meio de um lap tope dell(rei?) através da tecnologia 3g na churrascaria Santa Catarina em Araxá.

Ps3: ainda falta 200km.

Para quem chegou até aqui e não leu o I:

Procura-se novos amigos

sou um escritor

sou um escritor?

escrevo o quê?

vivo do passado

mas vivo no presente

aproveito e sofro

desta condição

só e otário?

solitário mas não só?

descobrindo, encobrindo e

indo para os extremos

oestes

eis eu hoje

bebendo uma cerveja

em Uberlândia: Udi et orbi!

M.

Chover no molhado

E é só
Chover no molhado.

As palavras escorrem
Na luz líquida
Do meu computador,
As palavras evaporam
E eu não tenho guarda-chuva
Pra te proteger das gotas
Que caem sobre o desde sempre molhado
Tecalque, teclaque, teclhado, brincadeiras
Redivivas de uma vanguarda que desde meus avós
Só chove no molhado, baby.

Já vi um lugar em que as gotas
De água batendo na água do rio
Faiscavam como se os peixes
Fossem de prata, e não foi
Num filme de walt disney.
Agora, Madame de Saint-Ange
É síndica do meu prédio & me
Diz que sou um anjo e com asas
Porque digo bom dia aos mendigos
& Dolmancé é meu vizinho de parede
& coordena a comissão de diárias
E passagens aéreas e me faz uma reserva
Num hotel de João Pessoa
Pra que, entre conversas sobre a destruição de Pompéia
E a questão cultural do rolete de porco
Eu possa dormir no auditório
Debaixo da mesa do orador, leitor
De Sun Tzu, Paulo Coelho e Washington Olivetto
& Dolmancé que é meu vizinho e meu aluno
E organizador do natal da família
Me diz que por isso eu sou um santo do tipo
Otário que dorme no auditório,
No supositório da cadeira giratória,
Ó simbolistas do apocalipse sem fim...

Mas, menina, molhe seus cabelos
Nessa tela que é sempre e sempre será
Chover no molhado e me esqueça
E de vez em quando se lembre
Que me esqueceu e me deixe
Chover no molhado e me esqueça
De suas palavras abrasivas, e só
Não me diga que dessa água não beberei
Porque tudo é chat, tudo é comments
E a dona poesia anda ensopada
Por temporais de neoparnasianos, neobarrocos,
Pós-concretistas e viscerais
De fim de fila.