1/31/2007

Haikai americano

Debaixo da peruca branca,

Andy sussurra, selvagem:

Babe, não existem mais dois lados.

1/30/2007

Cenas de uma cidade qualquer 5

<> O carinha recebe o alarme no interfone: estão aqui o crachá e a carta de aceite, tem que descer para pegar. Algumas portas serão abertas. Outras ficam à espera de novas escaladas. Ele rastejou no campo minado da guerra das citações, produtividade e qualidade total, usando um capacete rústico da Revolução dos Liberais Paulistas. Gestão flexível da humanidade (genuflexão, no dicionário de Adelino Magalhães). Na pizzaria ele pede o sabor sucesso literário, confiando no crédito (do crachá) na praça. Ele acha que nunca se trata de texto, sempre tem outra coisa em jogo (ou seja “euzinho aqui”, o eu lá dele, o chumbinho que manipula os dados) - pelo menos depois de ter contratado a agente literária, que apareceu na sorveteria usando um cinturão roxo, e disse a ela enfático e engasgado: aqui o barco bêbado é uma nota de rodapé literária na coluna social. Depois disse: como vamos anunciar minha obra? E ela entendeu que ele falava do barco bêbado. Depois disse: você tem contatos no jornalismo linha-de-frente? E ela entendeu que ele falava do barco bêbado. Depois o carinha disse: pode não parecer, mas sou profissional. E ela entendeu que ele falava do barco bêbado. Poeta bancando o esperto fica ainda mais estúpido. E ele explicou, não é nada disso, não sou um romântico, escrevo por falta de fazer, quero ganhar dinheiro com isso porque sou burro no resto, o ser humano é um inválido no cosmo, grito a favor da humildade (o poeta vem do humus). E ela pediu para ele falar no barco bêbado. Quanto custaria o tal barco? Ele perguntou se em reais ou dólares. Ela explicou, não, estava pensando no custo da insônia. Ele acusou, agora ela falava de modo não empresarial. Ela explicou: como vendemos sua poesia se as pessoas não acreditarem que você é poeta? Ele piou fino o milagre da mercadoria antipática. Em casa pôs a mão no peito chagásico e chorou apaixonado até as tripas encostado na parede, o infeliz enxugou as lágrimas no talão de cheques.
Na primeira entrevista já sabia o que ia dizer, o problema do Brasil é escritores demais, formiga sem antena vira canibal no império dos simuladores de talento, astutos que revelam suas frustrações por culpa da vaidade, a pessoa lê um livro e quer fazer igual, o autêntico poeta vive num campo minado, ninguém diferencia o verdadeiro do falso poeta, o público não sabe o que está perdendo, eu sou o salva-vidas da humanidade todinha, o cabo da raça. Aplausos. Desce o pano.
O carinha acorda no meio do sonho por causa do alarme: é a sua vez, a senha está acesa e soa três apitos sobre o balcão. Olha de lado para o guichê Atendimento Exclusivo. A musa MBA faz pano, o poeta dorme no piano. Ele se joga de pára-quedas do alto de um prédio de 3 andares.

1/29/2007

"Zuti Alhures", the beguine


"Here this song might offend you some..."
(Frank Zappa, in Wind up workin' in a gas station)

Poderia você mentir, verbando que ocupei outros lugares, deixar essa narrativa menos penosa pra quem já sentia uma pontinha de receio da reprovação por seu vulto futuro quando olhasse pra trás e divisasse que muito pouco, comparado comigo, aproveitou a vida. Meu, aos pouco e vinte anos, não tenho do que me reivindicar. Em sintonia parte de quase esse tempão com o computador, tão multi que esta Zuti até estranha referir-se por uma palavra apenas a ele, cheio de potencial pra desnovelar o que possa assistir olhos e ouvidos, decidi antecipar meu ínterim e, ao contrário de tantos que tresvalorizam a vida prática e locupletam-se decantando anseios gregários no écran, por uma subtração mera passei a destinar minhas horas ociosas ao preciso contrário, a tudo que a engenhoca artificial nunca poderia me oferecer.

O estalo que me deu foi juntando os dedos pelo feedback da coisa: na internet, você fala pelo microfone e ouve de alto-falante, o que, pelo sentido que percebe não ser direcionável, não causa grande espécie ao lado de, por outro ponto, a webcam captar um olhar que a ela não se dirige, e sim à tela simultânea correspondente, onde vai aparecer o carinha da imagem... que está desavisado, divisando outro lugar, já que não é via tela que há onde seu dele aspecto chegar até você. Se não fui clara como meus dias supostos sem praia, meu, confio em você pra escrever essa tusclavátalha melhor, viu. Resumindo, não há um mesmo espaço pra caminhos tão ambos em nenhum nível. Etecétera, um arquivo não se altera por dois programas ao mesmo lapso. O relevante é que você por isso vai sempre me encontrar na balada. Opa, desculpe. Só nas vezes em que seu traseiro plano se dispuser a ir à balada, sempre sobrando pros lados ocasiões em que eu estava lá, você sabe, mas você mesmo não foi. O que eu encontro então?

De cara, todas as noções irredutíveis em estímulo a uma ideal matriz binária. O olfato, o tato, o paladar — o sexo dos sentidos. Pode-se dizer que eu sou DJ. Mas, montada nesses parâmetros, meu, o som que eu ponho é o que menos. Sei, de papos pelas bocas, que acham entrecortado, cifrado de acompanhar, pouco coeso por estilo apenas. Se soubessem, como agora estou tateando pra verbar no seu assombro de pastel, que segue o que rege meus sets outro juízo, a complexidade num instante iria ao ralo. Aqui já saúdam minha graça pasma, como dizem. Sou a Zuti. Encantada.

Sempre estou à cata de pista apinhada, de gente lotada, de odor de multidão. É isso que ribombo nos bois das carrapetas, deusa do trovão por mais uma noite de criança estar na cama. E os nervos seguem conectados a eles, meu pequeno povo, por tão completo que um a mais entra no recinto e o músculo sinto da base da orelha contrair, como um cachorro. Tenho um grande silêncio em mim. Onde discoteco geralmente bebo muito. Não que estímulos químicos me levem a alguma combinatória de lugar, mas meu... de onde eu estou, eles trazem.
Antes de sair de casa, como agora, me olho no espelho. Em vez de eu viver, alguém podia estar escrevendo alguém assim como eu, depois de olhar dia após dia um fotolog e ficar preenchendo o hiato entre as imagens com piadas lisérgicas, cavalinhos-de-pau, casos violentos, amigas muito loucas (lincáveis de alusão em outra por favoritos e comentários) e um brilho infatigável consumindo no olhar o vazio em volta, que tão difícil é dissociar do real suposto e creditá-lo, como de fato, apenas ao momento do flash. Pois é assim, sinto informar, nenhum primeiro plano me acompanha. Não me encontram tão de cara, destacada entre assíduos da noitada. Mesmo na função, a cabine do DJ é num cantinho, as luzes inventam galhos ligeiros de sombra numa corrida pela selva pingada de batidas que cobre o espaço e ramifica, e volta e meia o murmúrio inaudível é "cadê a Zuti?", eco do que profere alguém como você — que, meu, não se iluda, só é disso distinto porque eu estou de algum jeito te inventando — a tentar, tenaz, me conhecer. Não se engane ou acanhe, já passei por isso. Muitas vezes. E é sempre como um nascimento, posso depois ganhar um peso diferente, assegurada ser de verdade pra mais gente. Isso não me abrange, ou ao outro, mais que o latejante tato dessa verdade, como aquela máquina que só se é percebendo quando não se está contando nada. É puramente mecânico, e no entanto soa como o seu movimento de repente desinvertido, direto à frente, em lugar do acordo lacustre, especular de sempre. É o som da Zuti, todos sentem do lado de fora da Skatulka. Bom nome que deram à casa, parece mesmo um batidão. Skatulka, tulka, tulka...

Então, como ia dizendo: primeiro é sempre o odor. Que aliás é fácil de pôr à prova, quando cristaliza e expira. Sentimos o cheiro quando do seu passamento. Tá, eu sei, é difícil entrar nessas sutilezas cabeça com esse tanto de bloody mary na idéia, mas pensa um pouco, meu: a pessoa morre, vem logo o cheiro. O banho não se toma, fica lá o cheiro inerte. Por isso a gente lembra de tanto com o olfato. Sente o cheiro na indumentária, o cabelo na saída da night; é a usada cojapele da cobra, o casco da caranguejeira. O pré-odor, que acontece onde existir se exerce, dentro da bôite, tudo que sente você pelo nariz sem lembrar de nada ainda, pois isso é que está vivo. É o que persigo. Lembrar é consequência.

Tenho pressão baixa, por isso lambo o sal das sombrancelhas. Repara não.

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"I'm a Shoegazer"






Um solene vão onde afinal nada te chama, ó ama atenção.



Sangrando pela esquerda, um trote acima de chance sobrepõe imagens de itinerários. Um rastreio por carruagem. Acima, ao lado, cato pistas para unir num meliante, forma provável. A base da rotina despencara, a atordoada hoteleira reclamou na afoita visita. Qual o maior pretexto para uma consulta? Tudo é deveras simples à primeira vista pra servir; desprezível o caso, portanto.

Nesse meio vazio o tempo se concentra em concerto, longe da cursiva atenção. Mas que povo é esse? Passaram por cima da ponte, com Scarlett e Rhett, como seu eco desejável, embaixo. Atlanta em chamas lá atrás prenuncia um cemitério "À Seu Alberto", com os sapatos ainda verdes nas pontas das carbonizadas pernas. Um momento trágico de vossa história. Sim, da vossa, porque da minha é tudo alegre, mesmo desempossados de tudo cantamos nosso Raul, pagamos a prazo um terminal de internet pra laudar nosso deus arte, perfuramos paredes para aplicar quadros nos quais veremos melhor a falta que faz um funcionário quando não aparece, deixamos de considerar um passageiro de ônibus como cliente porque ele nos manda calar a boca exatinho como faz nosso dono da empresa e ficamos quietinhos ao sentir a trolha, suportamos pacientemente o engarrafamento com um sorriso quando alguém se estabaca no solavanco do primeiro movimento dos carros, tudo é alegria no carnaval e mesmo no pré-carnaval, quando desviam as ruas mais importantes do tráfego para causar coágulo no trânsito com a desculpa de dar passagem a carros onde os palhaços são, à nossa diferença, apenas gigantescos e de isopor, decoramos os cafés com motivos chiques no centro do Rio. Aliás,

Ontem, às quase quatro da tarde, ainda consegui almoçar num buffet meio árabe, entre a Quitanda e a Ouvidor. Apesar ali das casas emprestarem uma dimensão ainda humana às pessoas, por outro lado o formigueiro de quantidade as afivela em um doce anonimato. Comigo juntas elas, quase dentro de um vagão cheio que nossos pés movimentam, as mesmas calçadas. Então, o buffet no andar de cima, onde mais acima e no térreo ficariam as mesas. As de baixo eu sei que ficaram, pois lá sentei trazido por escada depois de me servir; o terceiro pavimento estava fechado àquela hora. A cara de novidade escondia um crâneo com menos osso, havia retirado o ciso há pouco tempo e essa era minha primeira refeição sólida completa. Aliás, que audácia pegar um tender ressecado daqueles, só pelo doce do damasco! A voz tenra perdoando o preparado carrasco! Ainda cubos de abacaxi pra testar a afta, junto com presunto. Roupas e comida são a mesma coisa, nunca sei o que combina. Passei desde há muito a gostar de sentar de frente para a rua, no meio das salas. É como ganhar o mundo que me parecia ameaçador nos jogos compulsórios da educação física no primário. Não havia mais ninguém comendo. Os garçons já impacientavam-se, balançando as pernas... das cadeiras em mesas vizinhas, pra ajeitar o que já estava pronto. As moças do caixa, ímtimas entre si, ajudavam a pintar com seus assuntos a desculpa do corpo pra refletir tanta luz bonita. Deviam estar falando sobre patinetes, férias, outono. Nem tão poético assim, pensando bem. Por que nunca temos sonhos políticos como esses papos de chefe e empregado? Nada é arrazoável tanto!

Minha valise me prestava companhia, no outro lado da mesa. Uma companhia menos desejável, é verdade, que a da Duquesa na noite anterior. Me coçava a menor desculpa para encostá-la, mesmo que de leve. E ao contato é sempre a mesma surpresa. Geralmente peles bem brancas e macias de mulher são mais opacas e aveludadas, não tão finas - de onde vem o brilho, ao revés de exagerada oleosidade, e a transparência - derme de cristal. Lembrança dentro dessa do creme importadíssimo que ela amostrou outrora em minha mão, que em meus projetos efêmeros nunca mais lavei. É isso, paro de comer e analiso pelas minhas; sua plena pele é lisa e fina como palmas de mãos. Bolei um nome para o suposto par ideal da Duquesa: Prentice Penteado. Bundão como exigiria meu ciúme. Pronto, agora mais uma preocupação - saber se o destino vai me fazer ironia ou deixá-lo na inexistência. Misericórdia a ele e não a mim se deixar, imagina Murphy trazer à baila um nome desses.

Ao cabo de um tempo, volto a pegar no garfo e faca: o pessoal já está levando o lixo pra fora. O lixo do meu prato vai ficar no restaurante até o dia seguinte? Dá vontade de pedir pra eles pararem e abrirem a lata pra eu depositar o resto do tender sequíssimo ali mesmo, que aquilo já me encheu a cratera do dente ausente de modo tal a causar um, dois, quinze esgares bacônicos no rosto dessa língua, que insiste em tentar fazer um vácuo nesse último canto da boca como alternativa a uma oportunável infecção Até que eu consiga bochechar com um líquido menos gelado que o mate que a moça gentilmente veio me oferecer assim que me sentei. Bom serviço, o desse restaurante. Acho que se chama Istambul.

Mas eu vi seu rosto; nela, os traços de Almotásim, latejando de esconder para eu achar. Podia até render paixão, tamanha a providência promissora. Onde a dedução e a indução se fundem? Em insuspeitas relações parentais, todos juntos em família podendo traçar qualquer caminho da polítuca como se servisse exclusivamente à anarquievidente subtração do substrato financeiro? Ah, mano Mycroft, se aqui estivesses, no fundo dessa tentativa de imaginação onde só se faz pelo que se vê, e de preferência aos poucos, num trabalho de formiguinha. As patas e as antenas juntas na mesma sensação, minhas mãos trabalham quase sozinhas, agindo no que sentem antes de eu ter tempo de hesitar. Mas ela nem ligou, de absorta no percurso. Indicou um canto então no corredor, donde eu e meu biógrafo esperamos mão qualquer buscar de um quarto o prato incauto de comida. O flanco fisga, insistente. No teto, agentes da degradação não precisam ter interpelados os secos toques, erguidos pela mera ação eterna de gotas caindo. Os vincos daquela face, vencido o árduo percurso pelo espelho da criminomancia, latejam mesmo ainda ao trancar a vista. Nada mais elementar: sou firme fruto de minha obsessão, quase caindo à terra, e ser é todo parecer só esse o crime para um coração denunciador me vir solver.

Lúbrica, a tempo range a escada; sobe a ação, e olhos vêm abaixo. É inocente transeunte do outro andar, mas simultaneamente alguém passa a mão pela fresta da porta, pegando da cadeira a comida. Alguém, depois de confiante, assustada por nos ver no ângulo do espelho, embaixador de nosso olhar através do canto escuro onde nos colocamos. Essa idéia não foi tão boa. Mas fatos sopitavam – indiscutivelmente era um rosto e mãos de moça mediterrânea, e pelo que constava ninguém ali deveria estar hospedado assim, pelo contrário, mas um homem, que pagou regiamente adiantado as diárias, se trancou e saiu à noite, quando ninguém viu. É claro que a troca de corpos do mesmo propósito nesse ínterim se deu. Patinete, férias, outono. Tudo sempre se interliga. Menos, é claro, a função desse Prentice Penteado.

Sudoeste

distante
vestindo velas
brancas
ares
contra favores do
oceano infindo
- temerário -
traz
soberbo
pequeno veleiro
em mar radical,
assim
veloz?

1/27/2007

...*



















Na cadência esparsa dos acidentes
Faixa ao peito, foliões em fuga
À praia sêca.

largo o Universo e vou sentar na areia
meus olhos não são mais os mesmos
vejo o tempo atravessar o tempo
e arrisco um lance

entre o passo
e o passamento,
alquimismo

sou assim

(Ah, os piratas! os piratas!
A obrigar-me. )

- te levo agora para esclarecer
e se é preto no branco
o branco no preto exorciza
porque tudo é mais simples que eu.

Meu nome é por sua conta.

*achei essa sequência de poesias muito linda. Aí, não resisti. Ah, e essa gravura fui eu que fiz.

Sômbrios e Inébrios, ou Silêncio Honra Bailarino



Esquentam já os tamborins:
A agonia de um tôco no seco
Envolto em moita, na chuva,
Pro carro não ver e quebrar.
Eis armada a lembrança,
Tempos após, de dias tristes.

Um ensaio de hiato e vamos envolvidros.
Na dela mente loira, essa fórmula:
Pasmo futuro implora por passado.

Embreante, uma puxa outra batida
Na cadência esparsa dos acidentes
Faixa ao peito, foliões em fuga
À praia sêca.

Take it easy

Vista, senhor Y, esta luva cirúrgica e com sua singularíssima tesoura inaugure a lata de lixo prateada inscrita em cores berrantes

Take it easy

Destampe a tal e se lamente, o dicionário de odores ainda é pobre para tanta intensidade olfativa. Vamos ver o que temos neste autêntico

Museu:

Um coração de papelão vermelho esgarçado e desbotado quase fígado. Vinte santinhos de candidaturas cândidas ditaduras e seus números. Uma foto de Raul Seixas (Let me sing, let me sing) em meio a uma porção de carteiras de identidade. Longos fios de cabelo de todas as cores enrolados em cartões coloridos em vários formatos

Amor, amor, amor, amor, amor,

encardidos por vômito amarelo colhido num mictório num Dia das Bruxas Esquizo Man XXI. Mensagem em pedaços de papel-seda como faziam os seqüestradores de histórias em quadrinho

r e s g a t e

Um projeto de curta metragem assinado Torquato Neto. Bela Magnólia Sentada no Sofá. Restos de livros muitos e um à guisa de conclusão: a saída está na próxima página. Uma flauta feita de vértebras enrolada no papel Estadão. Uma vontade de sumir. Um mapa do tamanho de Brasília representando Brasília. Uma caixa cheia de insetos pegajosos anunciados por Cid Morengueira. Alguns gritos extraídos da parede branca. Garranchos infantis em que a Caveira Imundinha lembra algum rosto familiar: bigodinho, sorriso cínico, boca mole, barba branca, verruga na testa, óculos fininhos de aros grossos do Magrelo Cabeçudo. Claro que tem resto de comida: strogonoff, bife acebolado e caruru do Recôncavo Baiano. Alguém que parece Renato Russo que parece Sílvio Santos que parece Padre Marcelo repetindo isto não é um cachimbo. Um pouco de palha seca, pegadas na areia e o coqueiro usado como alcova em Tieta do Agreste derrubado por Maguila com um soco no auge do turismo linha-verde-com-enxofre. Uma fita amarela e o nome dela. Um coração que ainda palpita infravermelho e dentro do coração uma dentadura de dentes afiados e peçonhentos. Dentro dela um bilhetinho:

Meu nome é por sua conta.

1/25/2007

átimo

quero
ser bom
e justo, pai

entre o passo
e o passamento,
alquimismo

sou assim

água e razão

volúpico espírito

enquanto o filho
doma
seus porcos.

1/24/2007

em pessoa




largo o Universo e vou sentar na areia
meus olhos não são mais os mesmos
vejo o tempo atavessar o tempo
e arrisco um lance
faço perguntas num desenho lento
ninguém responde
e esse silêncio é o espaço que me cerca

quem há de ter os dedos pra tocar
o coração do centro desta ânsia
que nunca apressa o ritmo do tempo?

Quero ficar perto de ti

O que acontece quando se alcança a poesia?
a pergunta assim de chofre
cintila o ar e você responde embaraçado
- te levo agora para esclarecer
e se é preto no branco
o branco no preto exorciza
porque tudo é mais simples que eu.
o teu olhar desencontrado soma
verso limpo
reverso sujo
e se patinasse nas palavras um desejo?
a coisa ínfima
alguma coisa.

1/23/2007

Alvura*













Minha pele estendida
E a dor que nunca chega
Que não é suficiente
(Nunca é suficiente)
Que não basta.

(Ah, os piratas! os piratas!
A obrigar-me. )

Vem - eu te peço
Fazer-me teu chão
Teu traçado.

Teu cândido desterro.

Só mais um fim
de um teu poema.


*em homenagem a Masoch e Álvaro de Campos, espurgo de um sonho que me fez chorar.


Cenas de uma cidade qualquer 4 (Versão Menos adjetivada)

Destino – incerto. Endereço: Presidente Wenceslau 826. Mas que tinha coisa errada ele notou ao ser alvejado por 30 cães sarnentos que jaziam escondidos atrás das grades enferrujadas (a casa idem coberta pelo mato). O líder veio em seu encalço por 3 quarteirões, mas ele ia em frente como se carregasse um livro sobre a cabeça: devia se manter altivo, sobretudo não olhar o chão e também não usar o pão como guardanapo em jantares em que se discutiam viagens a Viena e Paris. Na noite anterior na Vernissage com vinho doce e pedaços de pizza ele soube lendo versos na parede que tudo é o avesso mas que por outro lado tanto faz é tudo uma questão de ponto de vista e a sua vida é como você quiser que ela seja. O cão que latia em seu calcanhar nada sabia de Vernissage apesar de ser o próprio vira-lata amado por Baudelaire cem vezes melhor que as Fifis (que, de acordo com o amigo veterinário, tinham o mau costume de comer as próprias fezes, quem diria). Os vira-latas eram imunes a versos publicitários. O endereço era aquele mesmo, mas não havia sinal de que o lugar era a Empresa que ele procurava. Resolveu interfonar. Quem é? Assim fala alguém que se aconchega no lar contra intrusos, não empreendedores que planejam te enredar num lodaçal de gerúndios. Mas era ali - a Empresa. Lá dentro, atrás de cavernosos computadores e cadeiras giratórias ornamentadas de serpentes e leões alados, estavam as três visagens. As três (quem sabe irmãs?) pareciam ter nascido ali, vivido naqueles corredores à luz de castiçais, comendo macarrão instantâneo diante do quadro da criança morta aos 5 anos de idade, elas tinham olhos vermelhos como os das pombas, a voz delas saía como um cano de descarga novamente imitando o regurgito das pombas principalmente no uso do gerúndio (você vai estar mandando a reclamação por escrito?). Uma delas sorria quando pegou a tesoura enferrujada e cortou o fio da meada. Ele saiu de si e caiu no mundo.

1/22/2007

Estrondo ao Branco (Tiro ao Alvo)


Buracos na folha arrancada de espiral
Perfilam aspectrais geleiras vindas abaixo
Dando imargem ao reto raio em pauta

É um grande barulho, comovem-se todos
Seguindo a epilepsia, afinal liberta.
Ínfimas fagulhas na freqüência alta
Fazem flauta atrás de expectativa
A tempo de avalizar tão longo aplauso.

São os gritos do norte:

Cortantes ventos além da estufa
Galhofam afora de flocos rolantes
Bolas de neve, dinâmicas pra porção.

Irmãs em desespiro, as mãos se debatendo
Pra fugir à linha acima ou embaixo
Centradas já em outra grafidade

E a sucção perpedra o que caiu
Num susto tão fluxo, soluço
De ponta, curvas em arame que monta
Buracos na folha arrancada de espiral.

(22/01/2007)

1/21/2007

O Papa Ecumênico


Buraco arquitetônico estendendo águia
Pra lhe consolar, mas a emoção é só chuva
Rumo ao congresso de paleontologia.

Seu miolo forma as dermes da montanha
Levadas em ladrilho de piso pro meu beijo.
Cortando a linha, uma conversa insone
Você troca, e nunca encontra
Ombro ao ombro o que segura o fone.

Ele é crente, eu já nunca não:
Traços cruzados, os agarram minha mão.

Eu sou o Papa Ecumênico
Me autorizam o pescoço curvado
E o chapéu engraçado

Recebo os tempos mais chegados
A terra já tão próxima de Marte,
Cada detalhe mesquinho quer que eu veja
Que você não foi à minha igreja,
E no entanto ela está por toda parte.

Viadutos virando crianças por mera
Confissão. Seu nariz de finlandesa, daqui a
Seis dias, o cheiro de mais um ano espera.
Solo chuvoso, chumbado
Caminhão virou, slogan em losango
Transportando a fina flor da malha:
Suéter do cordeiro de Deus

Pelo menos é o que contam os
Adevisos do vidro, testemunhas
Da própria transparência
Antes mesmo de secar a tinta.

Nesse dia de comércio
Os outdoors vão se vingar de tudo
Que ninguém comprou por eles.
Quer mesmo que eu te conte?
O mundo perdeu um sacerdote
Em mil trajetos pela ponte
Que te partiu. Ao menos, por sorte,
Estava dormindo quando veio o pesadelo.

Já o encontro com o cara, vá fazê-lo
Na mesa de um bar; agora é tarde,
Pensa serem amendoins de amostra,
Não reza o terço que te dou.

Demora tanto demolir essa parede,
A trepadeira já escapou
Letreiro de senha que a chuva destrói.
Chora por horas, como um bebê:
Se essa águia concreta lhe cair em cima,
O dinossauro não vai esperar por você.

1/20/2007

Cenas de uma cidade qualquer 3

<>Chega em casa sorrateiramente felinamente andando sobre as águas
do chuveiro.
Presto não, prestíssimo insinua um movimento à janela, na cortina
desfecha um sonho emparedado de apartamento.
Tudo começa no microlabirinto corredor e suas 4 portas menos 1, a da rua.
A luz do abajur bate obliquamente como o olhar de capitu ou helena,
sabe-se lá.
Deitado no sofá, na gruta do sossego (autoconsumir-se não é inebriante)
ouve o canto das sirenes, o canto das caixas de supermercado, o canto dos vendedores de gás, fogo, veneno, fogão de quatro bocas, o canto dos canos de descarga.
Entre as paredes frias, ao tato, tiranos estupradores, sanguessugas especuladores,
conclui-se cosmocidadão encerrado no recesso do lar.
Também, como cicatrizar as feridas que não teve
a salvo, ali dentro, da chuva e das bombas que caem lá fora?
A esposa olhando cansada vai dormir. Ele olhando para trás,
pisando em ovos, vai à cozinha e pega a garrafa de conhaque
qualquer, pega o fone de ouvido e liga o som
Tu és o MDC da Minha Vida, ela não sabe que ele guardou esta canção
no PC. Ainda bem. O jovem casal de sociólogos não toleraria
tal demonstração de sentimentalismo, é o que ele diz a ela
citando Pierre Bourdieu no café da manhã.

1/19/2007

...



lutei demais contra esta sensação
de fracasso
banquei o jogo
hoje deponho as armas
aqui
defronte ao mar e sob
um céu de chumbo impenetrável
onda após onda
- feito uma vida sucessão de vésperas
adultério de tudo
sofisma de sofismas -
me lembra que a cada dia
sucede outro e outro
e
assim
entre desertar ou ir
até o fim
traço mais um erro
calculado
pego novamente o bonde errado
e caio fraturado
em mim

Desfigura














Nada de brilho dos olhos,
nariz,
bochechas rosadas.

Nada de boca, nem lábios.

(Lembra?)

Nada de dentes meio tortos.

Nada.

Envolve a minha cara
com tuas mãos de artista

e desenlaça.

1/18/2007

Cenas de uma cidade qualquer 2 (Apocalipse para sempre)

<> Segundo dizia à equipe de pesquisadores, gastou a juventude na esbórnia ao som de born to be wild casou-se, constituiu família.
No templo de óculos espelhados teve a revelação: o Juízo Final marcado para 5 de maio de 2005.
Rompeu com o Templo, vendeu sua Brasília, a família foi à vista (não fazia sentido se reproduzir se a criança não teria tempo de se arrepender: nada de sexo ou iogurte, bebida nem falar, nada de queijo ou carne, livros proibidos inclusive a Bíblia, não era mais necessário, tudo estaria devidamente anotado com sinais de fogo no céu vermelho, tv só na seção de exorcismo, o resto comida da Besta).
Contratou a gráfica e espalhou ele mesmo os cartazes nos pirulitos da cidade com a cola feita na soda cáustica <>

HORA DE DESPERTAR. A GRANDE
PROSTITUTA DO APOCALIPSE BATE À TUA PORTA ELA VIRÁ
COM CÓDIGOS DE BARRA TATUAR DENTRO DA TUA MÃO DIREITA QUEM ACEITAR SERÁ DETIDO NO DIA DO JUÍZO 5/5/5. <>

Passou o dia fatídico e como vocês devem imaginar nada do mundo acabar. Por outro lado todos nós sabemos, como se fosse em nossa própria pele, como ele anda agora que não existe mais depois.

1/17/2007

Tenho Banda


Jodie Vision é um bom nome
Mas quando vou agarrar, ele some.

Como pode, de onde eu venho não é assim –
Tudo que nomeio cai no meio do caminho.

Apenas "Tenho Banda" já seria um nome
Mas logo foge, e nem chamá-lo me acode.

Como assim, porque da minha cabeça
O que se aproxima cai em cima de mim.

1/14/2007

manuelina




: a estrela da minha vida
é quase inteira
perdi algum pedaço na viagem
no ritmo do meu passo
passar cada luar
cada sorriso
passar cada vez mais
passar cada vez mais os paraísos
em que não haja rei
lá serei sábio louco pálido
tranquilo
lá serei pai e filho
terei a mulher que quero
do jeito que escolherei:
passar cada vez mais os paraísos
passar cada vez mais
passar de vez

Baby, fix me one more drink

A cidade acorda azul
Mas se amarela
Na medida que o sol
Vai subindo

um dosador

Cada vez mais cachaça
Chorada no asfalto
Esquenta coisas e pessoas:
Ao meio dia todos andam
Pastosamente
Trocam olhares veludosos
Soltam palavras-bolha
Num aquário de água
Que grifo não bebe. <>

O vento vem, traz a chuva
Mais a pressa.
A pas-
maceira passa
Deixando nas bocas o batido
Gosto de guarda-chuva.

Um sujeito,
Aquele de camisa azul-marinho,
Corre pra casa, lá
Encontra um grifo de olhos vermelhos
Pousado sobre o filtro de barro
Baixando a cabeça pedindo carinho
Ou armando o bote.
O hálito do bicho traz medo
Solidão, raiva e melancolia –
Sem raiva como aquilo voaria?
Seu corpo é profundamente azul mas
Olhando de perto as penas
São agulhas, mais de perto plumas,
Mais de perto dentes,
Mais de perto o bicho
É de vapor e some
Consome-se
Na noite que cai.

1/12/2007

Olhando-se com a mesma dor


Ela: a mesma roupa da tarde à noite. quer dizer, o mesmo estilo. walkman,
ainda sabe mapear as tribos urbanas mesmo não sendo mais adolescente.
aprendeu em blogs e em passagens por londres e new york,
folheando revistas em saguões de aeroporto.
desenhou nas paredes do quarto a lista das qualidades
que espera de seu novo namorado. em resumo: estiloso, como diz
o povo do interior. amor é seu tema predileto, o sentido da vida.
quando menina zombava daquela coleção Amar é...
depois pensou que isso poderia render Alta Literatura desde que
com uma dose de rebeldia. vive por conta própria. quer dizer,
tirando o serviço da faxineira, o aluguel, as noites e as passagens aéreas. além
das roupas.

Ele: quando passou por ela, usava roupa de serviço, aquelas
blusas com um bolso e calça azul marinho. de noite ele usa roupas diferentes,
coloridas, elegantes,
mas já manjadas em seriados de tv e sacadas
mesmo por talk showmen que mal disfarçam
o incômodo quando ele diz o que diz sem pedir clemência.
no romance dela ele inexiste
apesar de ser o único Anjo Exterminador desta história.
nela o que ele vê em seu romance
é uma patricinha hipócrita. mesmo não
estando totalmente certo, não está totalmente errado. ele também
corre atrás do amor, mas é mais aquele amor que come tudo,
devora por fora e por dentro os muros dos condomínios fechados
onde ele não entra, não quer entrar. prefere assistir ao que rola
na José Olympio ( aqui outro encontro imprevisto
pois ela pertence a esses círculos
fechados, linhagens que vão dar direto na Confeitaria Colombo).

<>ela escreve contra a futilidade, ele contra a miséria.
mas os dois não sentem qualquer dor pelo desencontro
que acabou de ser inventado.
quem sente é o sol, aquele que visitou o poeta na datcha
e que não consegue acreditar em tamanha
invisibilidade. neles, a cidade diz porque está

perdida.

1/10/2007

Quando te vi













Desenho o que vejo com olhos do tempo:
um puro instante a se prolongar em linha fina,
delicada,
riscada com meus dedos
em cinza chumbo:
grafite.

Liberto-me de mim nesse traço.

Desprendo-me do plano,
e de suas dimensões diminutas,
e espalho-me na embriaguez do sonho:
sou mil mulheres diferentes
e seus filhos
e seus maridos:
todos mortos.

E sou a luz fugidia do raio que os consumiu.

Explicações Fortuitas

Ao contrário do que parece, somos leves. O que puxa uma sensação de peso para o centro é a extensão de nossa voz. O que puxa uma sensação de peso para o centro é a dinâmica dos gestos, de um aceno a um soco. O que puxa uma sensação de peso para o centro é o pressentimento do fedor de cadáveres que seremos quando falarem: lá para o fundo vai o corpo de fulano, ou pela presença exagerada daquilo que exprimimos em excrementos, doenças como a halitose inventada pela Gessy. O que puxa uma sensação de peso para o centro são os dentes, quando rimos ameaçamos ou estamos com frio. O que puxa uma sensação de peso para o centro são os endereços que trocamos por engano. O estado de alerta.
mas no centro somos nada. No fundo somos um vácuo que produz o próprio peso. Como não podemos ser exatos – a leveza desgoverna – falamos em fantasmas anjos ou lobisomens. Fantasmas sem contorno, depois que o pano branco é retirado, anjos apenas derretendo sob o sol, naquele instante inicial da queda. Ao contrário de nossa leveza, acreditamos que nascemos como coisas que caem.

1/09/2007

o mesmo Janeiro

tirarei
cravos da rouxidão

da tua boca

e pela curva
que agora se
mancha

pelos vincos
do teu queixo

não vive
um só momento

na tua pupila

os anos que viram anos
em anos e mais
anos

empilhados

não tenho mais
nenhum verso
em minhas

mãos.

vagabundo.

mirante destruído.

1/07/2007

Outros Janeiros

O vapor subia dos paralelepípedos
Rumo à capital na ambulância
Com o velocímetro estragado
Sobre a estrada verde-enxofre –
O médico apenas queria
Ser curtido na novela com a família
Tudo menos
Receitar infecção urinária.

Na pracinha
O jegue morria engasgado
Comera um saco plástico brilhante (este sim
Tema consagrado aos ufólogos da beira-mar).

Na casa amarela, varanda de tubos PVC,
Outro homem morreria outro dia
A família (sobretudo a filha aroma dama-da-noite)
Acreditava em mera indigestão
Causada por siris no lugar do enfarto.

Na praça central, entre carros produtores do barulho
Anunciando a alegria
Desesperada naquele sítio
Um casal se esfregava
Lambuzava no capô nupcial

Ai! quero despencar
Do céu
Diretinho nos teus
Braços (armies)

Ao consultor de desastres - Bruxo de veraneio
A menina, indefesa lágrima sozinha
Caindo sobre os lábios pedia
- Quero que você me aconselhe.
O ex-namorado tocava sua música de amor
Para a atuação pornomobilística na Outra.
O sábio da filosofia a golpes de martelo
De quebrar caranguejos
Quase vomitava-lhe o capeta
(era daquele tipo quente)
No fundo pensando num beijo salgado
- Da próxima vez escolha uma canção melhor
E pare de quebrar estes espelhos,
No verão você caminha sem sapatos.

1/05/2007

Despedida BSB


Cidade sem feridas
Arestas.
Linhas retas, verdes esferas.

Mas ainda que sob as janelas
Brasília acaricia suas feras.

apareceu na TV

como um réptil
agonia midiática

corpos malhados
dançando

entre suores, fumos
e álcois

assim que se
mostra

uma ilha vazia

não somos uma ilha

mas a ilha perdida

quem a acha?

ninguém estava lendo
deleuze

nem mesmo
nietzsche.

réptil de agonia

um ponto azul na sombra
deletéria.

1/03/2007

Budismo Pós-Moderno



não se angustie
não há nenhum futuro
o passado resta imóvel
congelado
- você não pode remover
as marcas

este presente permanente e magro é tudo
que lhe resta

Dissonância Cognitiva (Segunda Versão)

Espocar da champagne
Jogo de cristais braracnídeos
O terno é a farda
Ternura de papel crepom
Cabelos tingidos: azul, laranja,
Vermelho, as belas pernas
Da vestal do salão, filha do Magnífico
Brilho de pedra verde entre dentes
E frutos do mar.
Ao som de gatinha manhosa
Não restam mais dúvidas:
Você venceu, está dentro
Está por dentro, e logo logo adentrará
Ainda mais fundo nos meandros deste mundo
Quem sabe um café depois do baile
O velho dorme cedo e não ouve nada.

Começa a valsa, a doce voz de Rod Stewart
Em preto e branco, um flash back:
Você na merda literalmente
Limpa a privada com a língua
Arrasta a cara no tapete de sisal
Apaga cigarros com a sola do pé
Oferece a palma da mão a um campeonato
De melecas superiores
Rasteja no chão lagartixa, alguém recita o Levítico
(Tudo o que rasteja é impuro)
Mais uma sessão de afogamentos
Sempre aos berros
Amarram um tijolo num fio metálico
E o fio no seu saco
E ordenam que escale o muro
O imenso muro cheio de musgo
Com um desenho do mapa da Rua do Ouvidor.
É isso ou a morte, ou um beijo na testa
Com a boca cheia de bosta do Supra-sumo
Indizível prêmio.
Você chega ao alto e sorri aliviado
O fio foi cortado –
Hoje tem baile de formatura.

Voltam as cores, o baile na sede da Academia:
Deve haver um propósito
Nesta vida, você está certo
O mundo secciona um antes um depois
Você sorri com as herdeiras dos sábios de Sião
Às vezes uma sensação estranha no saco
Ano que vem vem a desforra
Não foi de graça que você estudou tanto.

1/01/2007

Contrariedade Penal

(a partir de anagramas de "Alternância de Poder" - incluindo o título)

Palidez era canja
de genro
em casa de sogra. Mais - ela levantou
No mesmo instante,
Voluminosa a geadas em escarlate
Ante o rogo intenso;
Só em cerimônia dar podia.

O mais compadre de ironia
Tá alqueires longe de nunca afetar
Esse urgente resultado.
Olhares atraídos ao lustre
Cintilam de arbítrio, pelo ralo
Vai o assunto. É inútil:
Do umbral ao embora da mansão

Seu refém inda apodrece na cadeia.

Alternância de Poder (O dia das Posses)


pele cinza rajada
de negro
pergaminho rajada
de letras
língua áspera trocando
calor no tecido vinho
na suavidade-mundo
nessa hora de veludo
objetos tomam
a forma do corpo.
vinho rajado de temas
calientes
absorvida pelo calor
circula
entre os pelos
e o sofá
a vida justificada
(cada uma por sua vez a cada um no seu
momento o calor é indizível prêmio)
pele cinza rajada
de negro, outra
outras letras
dicionário talvez:
o salto os dentes
língua seca punhado de sal
unhas afiadas
despolidas, impolutas
embriagados de virtudes
engalfinhados dois corpos
no mesmo espaço
ainda
no mesmo espaço
veludo vinho acalanto
almejado
outros corpos rajados atingem
três quatro vinte e cinco
oitenta e um
ferinos rasgando-se sobre o sofá
cento e três vinte rabos vezes
vinte línguas
quarenta olhos oitocentos dentes
um bilhão e trezentos e setenta e oito mil pêlos
até que um
desiste se entrega
o vinho o sofá
joga-se ao chão frio
sem traços ou letras
chão branco sem frisos
some no mundo
orelhas baixas
resmungo de felino camundongo
e depois deste outro
outro mais outro mais outro mais outro mais outro mais outro mais outro mai
até que se queda sozinho
o Rei do Sofá vermelho
lambendo o calor do seu corpo.

o caçador e o caçado
comeram-se os próprios rabos.

alternância de sofá é lugar quente .