4/24/2013

olhos ardem, sal no rosto
máscara de areia
mínimos cristais
o céu espelha água
sem tempo de sorriso.

nuvens de pelica
luz implode, beleza dói,
água intensifica passagem
de corrente elétrica.

quantos torturados no ministério verde
persianas abertas, fechadas,
monumento feérico verdejando.

flores químicas
garagens por dentro,
sonho de pétalas transparentes
à paisana.

pálpebras de planetário
olho tem células de ver breu
dor desenha dentes raízes
de caule em lobo com rosto,
logo antes do desmaio.

pequenas pétalas no capim:
haste vermelha, fios brancos,
desvanecem ao toque do olhar.

capim adubado com sangue.
espasmo elétrico.
paisagem pura à beira do lago.
árvores simulam fuzilamentos,
sob luzes amarelas.





4/15/2013


Criei meus filhos na terra
Delineada com minhas unhas curtas.
Juntei água morna, sol, bacias e pás.
Enquanto eles brincavam,
Esculpi seus corpos com minhas verdades
Temporárias.
Hoje, ao vê-los assim, meio tortos,
Mes œuvres d'art abstrait,
Liberto-me do território,
Do museu.
Dou-lhes cinzéis e martelo
E espero netos,
Ensolarada.

4/10/2013

Da série planetário de bolso

Terra
Quanto mais cavo, mais pesada é a terra e mais próxima da leveza etérea. Quanto mais fundo é o túmulo, mais leve é o fantasma. As palavras nascem asas do lodo. Quem sonha com uma saída, sente os pés enraizados e é mais fácil romper os ossos que tocar as utopias que trago em meu ventre denso, obscuro, incandescente. Sou a morada mortal de poetas ainda mais mortais do que eu. Desistam, não há ouvidos para o seu lamento. E se ouvidos houvessem, inexistiria interesse. Lancem suas mensagens ao mar, mas o mar é duro e transparente como uma pedra. Desprezem a lama que lhes deu vida, como coisa viscosa que envolve suas palavras em podridão. Não existe aparelho perceptivo para a podridão que emana de seus corpos, sua solidão é sem remédio.

Vênus
A luz filtrada pelas nuvens é ainda mais avessa aos olhos – a criança grita como se a certidão de nascimento estivesse em jogo e as nuvens fossem a porra de seu pai – édipo destronado, estrela da manhã, diamante de esperma adornando a lua – o segredo da espuma – o mar verde cor de detergente, teu solo pegajoso onde se mergulha ao dissolver-se – crianças brincam na lava, bolhas de sabão, porra e limpol, no que seria apenas o choque natural entre sal e água – em torno do sol, o mar da história é felicidade de espuma onde a lenda germina e se cria um vazio de lodo – sangue coagulado – o coração vivo vaga pelo céu vazio – escroques estupram Mnemosine – Mnemosine é uma cachorra, uma puta que proclama lições de moral em frente ao éter.

4/01/2013

Da série Planetário de bolso 1

Saturno
Leveza mais pesada que todos os outros pesos somados, água viscosa escura e quente, de um quente frio gelando a alma, assim como a verdade migra de boca em boca até ficar irreconhecível esse é o movimento do velho sábio ao descobrir que não devia ter começado, mas agora não há volta e prossegue, lendo um livro atrás do outro, como se uma nova doença fosse necessária para curar a velha doença e assim por diante, irmão siamês da Terra conectado à sua dor por laços invisíveis como arames farpados mentais, não o filho pródigo e sim o irmão invejoso do filho pródigo, o que sempre ficou, o que nunca partiu e que apenas tarde demais entende que deveria ter partido para poder retornar, há uma lágrima repartida no horizonte de onde brota toda a beleza da singularidade, um desperdício de beleza vagando no espaço, este planeta é todo verde por dentro.

Urano
Quase parado, cúpula de gelo cobrindo o oceano. Tudo o que, suspeita-se, pende invisível no segredo noturno. A violência da vida nasce com marteladas que produzem sangue no que antes parecia um cristal impoluto. Labor de dentes mastigando o próprio ventre por dentro, matéria densa parteira de palavras antes de emergirem num sopro, ventania brotando do choque do vidro mais denso contra o sonho de estar vivo. Uma presença incerta, algo como um calafrio, uma visita inesperada. Olho pro teto: um pequeno cubo luminoso, semelhante a uma cigarreira com figuras humanas de perfil: azul claro em meio à escuridão. Digo: “não tenho medo e nem odeio”. Do cubo começam a cair pequenos losangos coloridos. Quantas cores: azul, verde, vermelho, amarelo: cada losango se abre e dele saem novos e menores losangos de cores diferentes: lilás, cinza, laranja, branco. É tudo tão lento: os losangos parecem se mover como se fossem animais marinhos, polvos abrindo seus tentáculos e procriando vidas de seda. Antes de os losangos desaparecerem ao tocar meu rosto, novos e novos se abrem, sempre menores – e cada vez mais coloridos. Uma sensação de tranqüilidade: ou a presença se foi ou ela se dissolveu em meu rosto, que brilha suavemente na escuridão enquanto desapareço.