10/31/2006

Cultura Política





ninguém é obrigado a escrever -
mas todos escrevem.
o bufão veste o sobretudo
riscado de palavras e gritam
dentro dos bolsos
notas de verdes conselhos sentimentais.
aos berros: araras, peixes e onças,
sobretudo onças –

moscas no mel.

não me obrigaram a escutar -
mas ouvi
uma frase martelada na cabeça
como:

vai morrer de barriga vazia.

moscas na merda.

uma carta em 31 outubro de 2006

( A Aline, In Memoriam, In infinitum)
A amada morta,
agora

me visita
sem corpo

me escreve
sem carta

carta psicografada
lábio-além

mãos etéreas
os toques tênues

a amada morta,
agora

amada viva, sempre
alerta àquele olho
que sorri

a amada
agora: luz

passos leves
na escada

onde o topo
ninguém o sabe.

10/30/2006

VEJA

[Sobre a etiqueta de Marcel Duchamp e o catálago dadaísta do Pompidou]

As listras pretas começam largas e afinam sobrepostas por bolas coloridas e tudo parece girar, tudo gira. Elas gostam do efeito cinético. Elas gostam do movimento, por isso aquele auto-retrato de 1920 enrola as engrenagens. Descola as frases. Mas veja, a noiva, agora tenha cuidado depois de 100 anos ela está solta e pinga óleo de rícino por todos os lados.
Tudo está impresso no grande catálogo. As letras constroem as máquinas. Elas misturam declarações coloridas. Elas manifestam. Esta grita. Para que você ame alguma coisa é preciso que você a tenha visto. Então veja, entenda esse pequeno cartão, a etiqueta da minha bagagem, o nome, o endereço sobrepostos no alto, e em grandes letras. Você para mim?

10/29/2006

Hope














Às vezes sinto,
Sabe?

Às vezes:

Essa alegria indisfarçada,
Flores, mel, mãos-dadas,
Um vento que leva:
Um Pode ir.

Mas, sossega:

É tudo apenas
Um tempo.

Um certo oco,
Um eterno eco,
Um grande e doce
Amor Estéril.

10/28/2006

uma carta em 28 outubro de 2006

nuvens fogem
céus em luta
você procura se esconder ...

minhas cartas
estão acabando

fim de partida

carta-última

uma homenagem a ti.

brasa apagada
uma vez, mais te olho

quase.

céus em luto.

10/27/2006

Gravidez

1.
ser dúplice cúmplice de si mesmo, eis o sistema e suas molas, azeitadas em seus termos. reconhecer o centro verde, o fulcro do prazer, eis o modo de ser ao que ele der
e vier (ele:o sistema, rede que se procria em palavras e que te descria, descrente).
falar do sangue nas veias, nas teias de aço do sempredito, eis as cisternas do sistema:

- ser seu ermo e nada a esmo.

2.
o sistema é uma boca falando sobre o sistema, um corpogosma que se carapaça no cronograma, o número da roleta em que você aposta, seu número da sorte, até o dia em que você desaba na vertigem de uma coisa que de si se desincorpora, uma coisa que não é mais coisa, que se recusa no mesmo nome que você criou, soberano ilusório da desistência deposto por este rosto que fala uma dor que não é sua.
daí em diante do espelho: você é animal repentino que se destroça

- e sabe a alegria em se destroçar.

10/26/2006

de "Notas Marginais"



nº27.

Desafiarei a primeira pedra no meio do caminho,
vou ordenar que levite e me encare de frente.
A tirania dos elementos, não vou aceitar este jugo.
Entre corpo e espírito escolhi os dois, febril, faz tempo,
e meu prazer é encontrar um através do outro,
um através do outro, um através do outro,
atravessando portas,
até que um não queira mais ser mais
que seu rival.

O meu amor sem rumo era assim
porque seguia alguém.

uma carta em 26 outubro de 2006

duelos duplos

espadas em lençóis
de sangue

o que encharca a terra
de nossos tempos

GOTTHOLD (em pé e olhando ao longe também)
É verdade. Os relâmpagos já azulam o horizonte.
Olhai os pinheiros: como o raio ilumina
as profundezas.

tempo esse agora, o de sempre

Axël
conde, espadachim & amante

espera Sara, sua noiva eterna

carta derradeira.

Morte Súbita

Tudo é saída noturna de escola
Municipal. Postos em fila
Como numa ocasião, esperam
Alunos, vivos, o hastear dos coletivos.

Entre os quais a que só
Kali é quando não sabe —
Esta solitária mesmo ocasião.

Displicente pentear aos dedos da cascata
Negra que postes fazem reluzente
(Quase Ana Peluso adolescente)
E expressão sobremarcada

Que guinda o vacilante ciclista
Aluno ainda, a mendigar
Seu desdém involuntário.

Em seguida, pernas sobram sobre braços,
Um traço vincado pelo peso da tração
E o coleio fora d'água dum ganir
Além de todo socorro:

Mortífero, acidental,
Ante ônibus a toda, o hecatombo
Se escondera hediondo

Num grande onde.

Happening















O que me faz tecer esse fio,
Renda negra esgarçada,
Pequena parte de um Todo
Muito maior que do que eu?

Olho em volta e vejo que estou presa,
Desde sempre,
À tua mesma gosma fina,
Minha mosca.

Lambo os beiços e ouço as outras,
Sibilando,
Regozijando-se pelo meu próximo prazer.

Engulo-te.

Ao abrir os olhos,
Percebo que ela sorri,
Balançando ao vento.

E a árvore torta,
mais uma vez,
Espalha suas folhas
Sobre m
im.

10/23/2006

Um texto jesuítico do século XVII


Este documento é, claramente, falso. Mas o que interessa
é que ele poderia ter sido escrito. Quem sabe ele não existe
mesmo? Guardado em gavetas a sete-chaves, no prelúdio
das orações de todos os dias? Além disso: é nestas horas que a
poesia dribla a história.

E eis porque o gentio não há de ser armado
Com armas de fogo, ou de rápida morte,
Daquelas fabricadas por cristãos,
A não ser que se convertam à fé verdadeira.
Não estando sob o império de nenhuma das leis,
A lei divina pela praga de Noé
Contra seu filho Cam, de escandalosa atitude,
De quem descendem os pretos destas terras.
A lei das sagradas escrituras
Por ignorância de livre alvitre,
Em se tratando de povos de grossa canalhice,
Não sabendo ouvir as palavras do Senhor.
A lei natural por perversidade da alma,
Quando homens desalmados devem andar desarmados,
Mal amados que são da vida em boa ordem,
Não discernindo a hora e a ocasião de bem matar.
A lei escrita das Repúblicas
Por viverem como andam e bem entendem,
Sem Rei, sem Império ou magistrados.

Quanto aos bons cristãos, homens de bem,
É mister que andem bem apetrechados,
Porque matando na ocasião propícia,
Fazem bom serviço e de muita fé.
Pelo que se põem consternados,
Mesmo que sabendo ser a boa morte preferível
À vida em pecado e ignorância,
E que os pagãos assim matados o são por culpa própria,
Porque as quatro leis ensinam que o bom homem
Deve guardar por sua propriedade,
Impondo a boa ordem e a fé verdadeira
Mesmo que a contragosto dos incréus,
Fazendo sua matança em bom serviço,
Boas almas e boas armas que são.

10/22/2006

The object plays the soul

"Corte o escuro das pernas
Que preparo em claro pros seus olhos" —
Diz nossa amiga a seu amo.
Está fora do carro, abrindo a garagem.

Os faróis, gulosos, cospem só a sombra
Das batatas. Qual o exercício de
Tão rápida resposta? Qual
A vantagem de pedir que parem
Movimentos assim, pra deles
Tomar-se conta?

Seu amo está ocupado
Em passar revista ao cotidiano.
Objetos gritam quando ela força
Passagem, mal lubrifeitos, sem o hábito
Do guincho. A suspensão provocante
É chão de dentro para as carnes
Abertas em órbitas por janelas
Já panturrilhas abasteceram nelas,
As juntas plúmbeas das máquinas.

Suor dos bancos, trilho-os:
Óleo nas pretas placas que sobem
E mesmo na mobília de peroba
Dos dois e seus filhos.

Que a mesa se ponha,
Um beijo na fronha
Crucifixo cristo.
Pela alma das coisas,
Eu insisto.

de "Notas Marginais"



nº3.

Não sabe o estrago que me faz, à socapa. Tudo bacaninha. Na foto,
estamos sob olhares da posteridade –
e amanhã todo julgamento vai transbordar erro. Nunca se pode captar
o suspiro ou perpetuar o espanto. São dias holliday on ice e vamos
com patins de primavera, findo o verão.
O coração on the rocks e em carne viva murmura ‘eu não sou cachorro não, meu bem, não sou’,
mas lê Kierkegaard às três da madrugada sob uma luz quente e ácida, amarela.
Ao largo de tudo um enorme prazer por embaralhar
as pistas destinadas ao futuro: não quero ser encontrado,
e meu esconderijo é de pérolas
falsas e opacas.

uma carta em 22 outubro de 2006

ato

todos os atos, agora

enquanto o sol dorme
não é possível

aguçar o olho
o açúcar que escorre

do punhal
que adentra

ato

todos os atos, agora

e nenhum sentido

em.

para.

nenhum.

10/21/2006

BARULHO



Você persegue com simplicidade a prosa porque é preciso dizer alguma saúde, eu não entendo a razão provocada pelo fado e trinco certas palavras. Se é cara a obra completa, então é preciso quebrá-la em verdades. A minha está tão lógica como uma comparação. Nessa hora anoitece e quero perseguir no atalho inventado sem vírgulas a idéia do mundo. Mas se você está distante, nenhuma conseqüência, apenas esse fio em riste sonoro esconde o corpo da poesia. Nem penso nisso.

10/20/2006

uma carta em 20 outubro de 2006

eles estão rindo de nós

somos rastreados por satélite
colocaram-nos chips
(pelo rabo e pela garganta)

ah, francamente senhores

somos monitorados pela web
a-puta-dos-ovos-de-ouro

eles estão ganhando dinheiro
(sobre nosso cadáver)
eles estão ganhando dinheiro
também sem nossa alma

eles estão rindo de nós

hahahaha, esses poemetos,
protestos, denúncias,
xingamentos, esta verve
(não passa de arrotos, peidos
& ganidos)

= nossas cartas são inúteis

ah, francamente senhores

eles estão rindo de nós.

Mais um




























































10/19/2006

Existir


séquitos de naus (súbitas naus) de rizes esporadas a pro-
mover o arresto
inapelável arresto malgrado todo zelo
e o orbitar da coleção de coisas
desnecessárias
onde ressumam silêncio e
derrisão

Fissura


É uma calçada estreita
e mal iluminada,
um corredor escuro
entre duas jaulas imensas.
Como a cerca não é firme,
o arame é carcomido,
estou exposto à sanha
do tigre e do chacal.
Cada fera me ataca
de um lado,
na vertigem do corredor polonês.
Numa noite como esta
de nada valem meus olhos
infra-vermelhos,
aqui meu sangue é muito espesso,
perseguido pelos bafos quentes de carniça
encurralado pelos dentes

sem descanso

resolvo tomar um café.

Ela está sentada à minha frente
e fala mal da cidade,
do país, do continente.
Ela me olha, eu a observo,
por algum tempo nos medimos
à beira de uma galáxia congelada
no milésimo de segundo anterior
à desintegração final.
Eu penso numa música qualquer
kiss me to build a dream on
eu e ela estamos sentados
à beira da beira
da beira da beira da beira da

Fissura atômica.

Só mais um clique
















E eu me pergunto:
O que dizer do movimento desses braços,
Do tilintar dos dedos,
Do branco dos olhos?

Uma imagem-fixa em minha retina,
Desenvertida dentro do cérebro:
O retrato do artista já adulto.

Suspiro, então,
E o ar que sai de minha boca
Explode sua cabeça.


10/18/2006

uma carta em 18 outubro de 2006

amada carnal
feita de sol e papoula

amada só
arame e farpa

negra carnadura
trapo e mel

olhos cândidos
de severa busca

trepa como uma rainha
e fode como uma deusa

10/17/2006

A escarpa escura não verá o sol

naquela tarde chuvosa
quando a água limpa os traços
de que adianta o esforço das palavras
ágeis plantas alastrando-se pelos muros
contaminar o mundo
com outro mundo

agora seus olhos
atravessam a rua
molhada
invade uma necessidade vital
de ser atingida
uma voz
as coisas

e você estabelece ali sentada
a paz disfarçada de um café
as mãos pelos cabelos lisos.

Fazer o texto falar: Hoje com R.A.

Sim, novamente a velha técnica do recortar-sortear-colar. O texto fala, como dizem os psicanalistas sobre o orgasmo (o corpo fala). Hoje com vocês, o arquireacionário, o contra do contrasenso, o primeiro e último tem seu texto (literalmente) desconstruído. Ficou assim:

Condenado a repetir do antigo,
há matizes:
produzir,
Certamente,
tem virtudes enigmas nesta sujeição!,
operada por uma escolástica à decepção do pensamento dado
que ninguém,
intelectuais do comércio mundial decifrados.

Sei que o aparato repressivo-competência articula os caminhos
da técnica para É um espetáculo!

Retóricos tanto? Tanto é autoengano,
ou melhor se apontem-me os leitores,
goste-se ou não ou mais de algo
o brasileiro é negatividade
na esfera conservador-trabalhadores.

Mas Oh! Este pequeno Sim!
Dedico-me ao possível dito rio elitista
no mérito sumo dos Cardeais,
cheiro de sete anos, epifania.

Afinal sou ponto de chegada,
e são meros lugares os ditos intelectuais,

por quê?

Reclamando nos últimos a fantasmagoria do Presidente Verdade,
não o que cólico assistir, entro aqui:
meu lugar de produzir e piscar o pior.

Altivez? Nem a si.

Lady sings the blues*


Ele segurou na minha mão e disse
Fica.
Mas ele não me conhece, babe,
Ele não.

Ele nunca me viu de chinelos,
Cantarolando na cozinha,
Nem sorriu
Ao me ver dançando, embaraçada.

Seria melhor ele entrar,
Comer da minha comida, me abraçar,
Mas ele só quer me entender,
Questionar meu jeito,
Me fazer outra coisa.

Oh, ele me encanta, oh, sim,
Mas ele me mete medo
Com seu olhar manso
E sua fala esquisita.

Sim, seria melhor ele entrar,
Dar uns goles naquela bebida,
Se afogar,
Me tomar nos braços,
Se deixar levar.
*roubei, sim.

10/16/2006

Oração Taoísta da Prosperidade



















Volta, ignoto capital. Enquanto tal.
Tua posição entendo, conquanto
Apenas dela abdix. Por certo sabes


Que, se a ti me dirijo, de antemão
Excluo qualquer rique-
Za material – as duas não coales-
Cem. És a perda grande, o perdão.

Fica, pois, comigo enquanto a coisa
Nunca surge. Sê a porta
Do teu mundo, o perdido, junto a nós.


E quando a indigência nos levar,
Dignos seremos desse após
Pela lembrança
Que faltar nos fará.

uma carta em 16 outubro de 2006

hoje te escrevo a carta
de minha pesada angústia

como disse aquele

há dias que é preferível morrer

engolimos gaivotas
em nossa garganta de sangue.

Antes da treva os naufrágios,


angras retinas onde

em mim sangra a neblina in-

tensa em que a noite ancha

se inclina

ao brilho fátuo (sobre) de outros olhos-mina

de estrelas-lumes

(mira) onde sobejam

escolhos

luz artificial (intrusa) sob a (mesma) neblina

oscila

10/15/2006

Pseudonimoinimigo

Estava lendo uma daquelas velhas edições de Recordação da Casa dos Mortos, exemplar encontrado numa biblioteca pública mofada de Brasília, quando encontrei esse manuscrito, aparentemente uma carta que nunca foi enviada ao destinatário. O papel embolorado me levou a pensar que aquilo um dia poderia se tornar um documento histórico.


Caro Oito-Olhos,

Você me vê. Eu não te enxergo. Mas não nego que entrevejo tua silhueta entre arbustos e bustos de heróis fundadores. Você maneja um chicote de longo alcance. Sei porque sinto as lapadas da tua sangria desatada.

Vou ali, ali você está, pra cá me viro, giro como água no ralo da pia, sempre no mesmo sentido: você olhando, checando, decidindo, ferindo, conferindo, direcionando, caluniando, cagando e andando no meu encalço.

Você gosta, finge saber das coisas, estar por dentro delas, sempre do lado de fora, bisbilhotando de longe, impassível e intragável. No seu computador você guarda todos os e-mails trocados por todos os internautas em todos os tempos.

Você ainda acha pouco. Nada basta, nem o bastante de lhe bastar. Você é insaciável: não basta ver, tem que pegar, não basta pegar, tem que comer, não basta comer, tem que vomitar, não basta vomitar, tem que ver, não basta ver.

Você e sua mania de grandeza, você e suas conversas sobre perdão e humildade, você e seu silêncio, você e seu sarcasmo, você e sua coleção de moedas. O bigbang começou numa gaveta do seu armário, o cântico dos cânticos foi escrito pra você recitar com sua voz de tenor, dó do peito. Você já sabe de cor os provérbios. Não resta dúvida: você venceu.

Mas você pensa que eu não sei o seu nome. Ledo engano. Não apenas sei o seu nome, como sei todos os codinomes. Por ordem, eles são:

Belém-Brasília.
Peido que entra no cu.
Cara de anjo pinto de marmanjo.
Brilhantina de pentelho.
Careca descabelada.
Todo mundo quer ter.
Cosmoagonia.


E ainda por cima fica com essa cara de me engana que eu gosto.

10/14/2006

After Cèzanne













Depois de Cèzanne,
o que nos resta?
Espreitar por um buraco,
Comer restos,
engolir dejetos?

Não.

Deveríamos,
Sim,
Deformar em cor,
Virar do avesso,
Expandir.

Por hora,
Somos apenas
Dor.

10/12/2006

Pelos Cotovelos


Maria Bentham, o histrionapólogo inventor do Panópitco, senta-se diante de um potente datashow, ­dirige à audiência 4 olhares severíssimos. Bebe de gut-gut um copo de água salgada. Proclama: hoje vou falar a vocês sobre o silêncio, coisa que vocês precisam aprender!


No mundo já se fala demais.
Então, pra que mais palavras?
Não bastasse o vozerio,
O blablabla, o tititi, o nhenhenhen,
Milhares de palavras amontoadas nos jornais
Na internet, na tv, na sala de estar,
No mercado histérico, nervoso
De tanto que o dinheiro fala
(E o dinheiro, de fato, fala pelos cotovelos)
As múltiplas réplicas e tréplicas e tetréplicas
Plim, plum, plam, plem, plim!
As palavras, não são muitas?
O rumor, bicho estranho cheio de olhos
E línguas?
A tagarelice, imenso poleiro de galinhas?
Vê se te cala, féla da puta!
Quando fala, tua existência é bruta.
O tamanho do peixe graúdo
Se mede pelo acúmulo de substantivos
Os ursos
São a substância gordurosa dos adjetivos.
Não bastasse o grito dos pardais,
E você inda quer falar um pouco mais?
Vê se engole minhas cobras e lagartos
E rumina um pouco antes de levantar o braço
Bicho descontrolado que não se cala!
E pensar que você quer levar o rumor à lua
A Marte, a Saturno, esquinas da minha rua.
Silêncio! Eu quero teu silêncio
Como um bigbang se explodindo para dentro!
Longe, bem longe da foz da minha voz absoluta.
Deixar teu grito em cárcere privado.
Calado, calado em meu peito de tenor.
Como se meu olhar octogonal não bastasse
Pra repreender,
E ser visto não te levasse
Ao centro mudo da tua consciência?
Mudo mas de ouvidos bem atentos, ouviu?:
A bom entendedor meia chibata basta!

Você ainda duvida? De quê?
O que mais tem a dizer?
O que, pra quem, pra quê dizer?
Silêncio, eu disse silêncio!
Silêncio! Nem que eu tenha que me esgoelar
Eternamente silêncio!

uma carta em 12 outubro de 2006

o longe que
nunca se avista

mas mar à vista
o mistério se escondeu

nas garrafas jogadas
ao mar

ao vento in-vento
a tua carta

a tua carta
que nunca chega

amada ou desamada
espúria escrita

sangra o mar nesta vela
junta pena ao singrar

o mar ao longe
carta-nunca

a esperar

o mar que sempre avisto

a encontrar o destino.

10/11/2006

Escolha.








se você tem 6 ou 7 mil reais, cerca de três mil e poucos dólares americanos
então pode publicar um livro
você vai encontrar um editor (sequioso) para lhe dar suporte neste projeto
1.000 exemplares, edição econômica, papel 90 gr./m2 e uma capa 3 cores (pós-moderna)
em vez disso pode alimentar 20 crianças por 200 dias num orfanato
se souber negociar bem os hortifrutigranjeiros e os não-perecíveis
não incluída a mão-de-obra do preparo
(porque sempre se encontram volutários, quase sempre)
pode ainda ir à Europa, se encontrar um amigo por lá que lhe dê um pouso
fazer no velho mundo o tal Caminho de Santiago dormindo em abrigos
ou ir à África e ver uma outra fome de perto
ou ir ao centro do mundo, onde se planejam as guerras e se tornar um ilegal
lavando privadas pra ganhar uns cents
(alguém tem que fazer o trabalho sujo)
você pode comprar um carro com 12 anos de uso, modelo popular, em não muito
bom estado, ou até uma casa, um barraco
chão de terra, sem telhado, sem água
sem saneamento básico
numa favela a três horas do centro
nesta cidade que os turistas adoram, maravilhosa
meninas com mais de 13 anos (ou menos) fazem boquete por 20 pratas (ou menos)
dependendo da necessidade (com dois boquetes compram um bujão de gás e 5 quilos de arroz)
você pode se satisfazer com 300 boquetes, sem falar
que no atacado (insisto: você precisa aprender a negociar)
pode rolar mais alguma emoção, mais adrenalina
você pode alimentar a indústria cultural, se você acredita nela
e comprar uns 200 a 250 livros de poesia
(não esqueça que é imperativo negociar em qualquer circunstância
e a outra ponta tem sempre como reduzir seu preço
nem que o faça com prejuízo - se der sorte
vai encontrar poetas mortos de fome do outro lado)
pode comprar estes livros, ou outros, de auto-ajuda, p.n.l.
viagens, filosofia, romances de estação
e dar saída nos estoques de algumas editoras
- mas se insistir pode publicar um livro que talvez
os seus amigos (alguns, não todos) irão ler, e dirão:"Ele é um poeta
ele diz que é um poeta, mas juro, não imaginei
que isso fosse poesia."
você pode publicar um livro, tudo bem, você pode
dedicar uns cobres a isso, cada um tem a sua tara
seu lado desviante
sua fissura, sua loucura, cada um pode errar
como bem entender, como quiser

10/10/2006

uma carta em 10 outubro de 2006

carta-máscara

carta & língua

apontaram-me o erro.
acusaram-me.

a condenação:

Timeo hominem unius libri

o barro que me rege
me rege sem luxos

estou livre de tuas correntes.

carta e pena

pena & vôo.

Feci quod potui,
faciant meliora potentes

o poema que me reveste
me vive alheio à tua compra

Libertas quae sera tamem

Língua Epistolar


Quando você era um deus: gestos, atitudes, o modo de andar e de olhar, indicavam as coisas em sua presença. Você não falava, não era necessário, pois tinha o dom da imortalidade das bestas-feras. Vivia sob o espanto constante das tempestades em cavernas e achava que todas as coisas estavam cheias de deuses.

Quando você era um herói: gigante brotado como semente da terra, guardava para si (excluindo disso as bestas-feras animalizadas no arado com os olhos voltados para o chão) o segredo das similitudes. Falava de um escudo com desenhos de cidades, pessoas e animais, navios e guerreiros, rios, desertos e oceanos, quando queria descrever sua cidade repleta de pessoas, animais, navios e guerreiros.

Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. Língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?

10/08/2006

uma carta em 08 outubro de 2006


(carta a amada que chega)

não, disse à amada

mentirosa, atavio
rio poluído
de esgares e sumos

não és tu
quem carrego
nos vasos de espinhos

nem chegaste
com uma rosa
nos cabelos negros

não ganhaste
minhas moedas
e poemas

meu charco inútil

disse não

não és a amada
que chega

com perfume
da estrada
e com o flanco rasgado

de punhais.

a amada,
saberei reconhecer

recolherá meus lençóis
sujos,
descobrindo meus pés

acariciando-os

beijando-os

a amada.

Garganta












Eu sou um rasgo
- entre um trago e outro -
um canto profundo
feito silêncio,

vão,

que germina em vasos alheios.

Vasos grandes,
recheados de picas,


falocratas,

postas nas mesas-bocas
escuras e quentes
cheias de cartas marcadas,
vício maldito,
dos porões.

(leia no volume máximo)














percorro caminhos lógicos
com a precisão de um poeta
e abasteço
os arsenais da dúvia com delicados lances
descalabros
tomados por empréstimo ao Acaso

retiro as luvas de pelica
e toco o mundo
quente espêsso
àspero insano
vertendo entranhas de uma tarde imprecisa:
compasos sem métrica
regem meu torpor danificado
-UM VILIPÊNDIO A MAIS E FICA TUDO UM BRINCO

retiro também tudo o que disse
sobre qualquer paraíso
-territórios para sempre inacessíveis.

10/07/2006

uma carta em 07 outubro de 2006



(a todos aqueles que vigiam)

a todos aqueles que vigiam
não podem me ver
nem em superfície limpa

como então ver
em danação meu espírito
que pulula?

a todos aqueles
com câmeras, binóculos
tramas, redes mundiais,
banco de dados, supervisores de rede,

estes que podemos dizer

o eminente escabroso olho do cu, cagando moscas,
retumbando com imperialismo,
urinol último, estrumeira, charco de mijo sem cloaca
a besta das cem patas, USURA

ainda posso incluir
LUCRO, merda ainda mais fétida
e profunda

não será nossa última carta

sem olhos, o uno.

10/06/2006

O Plantador de Línguas


Entrava no dia com seu lema:
“Não tenho sêmen de barata”.

Deitava-se no jardim
Que ele mesmo plantara,
Jardim de línguas muito vermelhas,
Úmidas, em constante movimentação,
Silenciosas.
Um jardim sem olhos,
Na pacata cidade de Lanciano.

Ficava ali rolando pelado sobre as línguas,
O solo de musgo era mesmo relaxante.

Com o corpo cheio de cuspe,
Brilhando como vitral de igreja
Recitava sua oração de antes de dormir:

“Pentelho molhado
Cuzinho rosado
Bucetinha conchinha de caramujo!”

E se dissolvia no lodo primevo,
Primaveral.

De noite, em cama supermacia,
Repleta de almofadinhas, ao ar livre,
Ao sabor do orvalho agridoce:
Cada gotinha era um espelho em que ele mergulhava
Tão fundo até se virar do avesso.

Em suas mãos, a hóstia virava
Um vivo pedaço de carne rosada e fibrosa,
O vinho, o mais puro gosto de sangue.

(E tudo isso se deu por volta de 700 d.C.,
Estão de prova o doutor Edoardo Luioli
E o químico Ruggero Berteli)

uma carta em 06 outubro de 2006

descerrados os olhos,
subiu.

o que se avista
quase escapando

talvez nem houvesse
uma marca

de lábios
talvez nem

mesmo tivesses
aqui

sumiu.

10/05/2006

O Copista Moderno [1]


iluminuras nuas
rup
turas
partituras do Acaso
esse deus avaro
que só trabalha a prazo
nos intervalos do Universo
sem patrocinador
nem crediário

uma carta em 05 outubro de 2006

carta-tempo

não há mais tempo

as folhas são uma fritura
amarelas de um verde-antes

não há mais tempo

vento urdido
cacimba de olhos cegos

te escrevo
essa carta

com o sem tempo

dos apressados
do nosso tempo

não há mais nada

e o que dê completude

o sem-ser
de um ente

fulcro

chama apagada.

De um livro que ainda não veio

de um livro que ainda não veio
pus-me o credo

de um fogo torto
o absurdo que me intente

os nadas a nada
por ninguém que nos julgue

dizem o tempo, só o tempo
e nem isso para cicatriz

que se avulte, nudez
de águas e sombras

de um livro que ainda não veio
menos ainda o poema

sequer o verso, fuga
de uma linha jamais carbono

e incêndio.

de um nada que ainda não o é.

Entre











Tudo o que digo
Pode ser
E não ser.

Quem sabe?

O sentido pode ser visto, perdido,
Entre
Lá e aqui.

O sentido pode morar
Onde você não toca,
Nem cheira,
Nem sente o sabor
Que me possui.

Aqui, eu sou seus olhos,
por um breve momento.

Lá, o sentido,
seria.

10/04/2006

Leitura Epistolar


À luz natural,
leio num livro luminoso
um aviso em traços negros:

cuidado - com o que reverenciamos -
uma estátua pode nos arrebentar
se cair do pedestal.

Com unhas hiper-afiadas
um gato cinza e listras negras
pula contra o livro

na certa

as páginas brancas
são asas de uma grande mariposa


)

10/03/2006

Língua

A língua lânguida,
lambida.
A língua úmida,
escorrega, tesa.

Um corpo peso,
amassa.
O outro foge
e a mão, agarra.

Um corpo frágil,
o outro, ágil.
Um corpo boca,
o outro, água.

A língua:
suga.

A palavra:
muda.

Vida e Obra (Efeito e Causa)













a vida imita a arte.

perdido nestas folhas
mortas entre versos que
brados letras vencidas agora
entendo por que esta vida
de merda.

10/02/2006

Decoreba

Toda menina que vejo me apaixona,
Me engaja como o decoreba
Da tabela periódica,

Hoje li na Kapa da revista coisas em francês.

O que me lembra que
As garotas socialistas queriam namorar os kapas
E eu fazia cola com soda cáustica.

Clara Crocodilo garbosa & chapada na rua Zacarias de Góis.

Preciso de mais um furo na orelha.

I must be so xarope for her.

(Não aprendi inglês em london london
Mas no CCAA)

Tristezas são coisas acesas apagadas por dentro,
Pobre rapaz que o dia repudia,
Os olhos vermelhos da pomba invadindo minha cozinha,
The doomsday machine,

E assim ao infinito e até a náusea.

(Lá) Dentro













em ti retinam sombras
e a luz-espaço
entre a razão já deslocada
a um deslugar onde há
esperas todas desarrumadas esperas
ilícitas azuis
faustas esperas burilando outras
esperas desmesuradas e
ásperas assim
assim
esperas

Viva


Eu vivo no fio da navalha:
meu corpo é cheio de marcas.

E ele tem a manha de me derrubar.

Só que a minha cicatrização é rápida.
E isso, é apenas mais um corte.