12/30/2006

Verão

Como uma dentada: carne e sangue triturados por mandíbula musculosa.

Nem um pio.

Quando o sinal abriu, as buzinas começaram a tocar e a tocar, cada vez mais fortes, até quase ensurdecer.

O verde luminoso em contraste com o azul dezenove horas.

oração desbarrocada de huuns e outros, pello fim do amno da graça de 2.006 e suas desvairadas razõoes



tacho do mundo onde se amassa a gororoba do Destino
cacimba grande cheia de um lodo pelos séculos decantado
página arabescada em que se aninha o gozo que farfalha
(ó favos onde a alma se lambuza)
ou poço escuro que me turva a dura via e que transmuta
o horizonte em muro
livrai-nos, ó caldeirão fervente, do massacre da objetividade
e sua ruma milionária de erros
livrai-nos da mediocridade
do que não é humano e nos consome
da escrotidão humana e das leis onde ela cabe

e fabricai um deus no espaço entre as moléculas, na fissura dos dias
nas brechas entre seus grãos, fabricai um deus, um orixá
no espaço entre as chamas, no espaço em chamas
movido pela vertigem das balas traçantes
um orixá que cante um ponto novo e que derreta
a cera dos ouvidos
e nos ampare nesta mata agora
sem saída

12/29/2006

Papo Elefante*



Samsi tio nimar lepol
Lupulofusco estanelbolim
Percentualissimamente glorila morticida
Emiliomedicin lulcompanego polical
Linicaro vargerrorista virtudamos
Ethantropodaimon navonar peudoteca
Intelectais comermundial deciferados
Plecanetol liman etoneal

Burglatéia pedrajahugoaboall
Impotenpoesia bumbamestheta
Zuzicuni nelopaper utinur trotil
Sampriobrás rampala-cio cacetete filinto
Ubiratonto 111 111 111 e-leito
Mealuci juses trepolias rascânios
Zumzum blatinescope zas
Tras psicobombelal lapetão
Roarrrrrr mefiticamorte
Polemos polentotal estilaço estil
Et

(após discurso quase rouco
jabor toma indignado
uma coca-cola pela paz)



* Ao som de Happiness is a warm gun.

Prazo

Uma dispensa de comentários
Voou hoje da calçada

A lua, por um atalho aberto
Em colo marmóreo de mulher,
Subiu da praia ainda crestada
Dos últimos veios solares.

Era tempo de nada, até isso:
Um caminhante estranhando
A outra em decúbito,
Seu sangue à cabeça
O cândido balir dos pregoeiros de van

E, após, grossas nuvens arauteando
- num fim incerto a esse relato -
O pôr de toda luz.

crítica viva voz aos contributors do LE

não vou dar nome
aos nomes

não vou subir num pedestal
não vou descer o nível

é deixar o fluxo
prosseguir a maciez
de suas ondas

invadindo ruas, becos
bocas e cabeleiras

é deixar a dureza,
crueldade
tomar de sopro
novamente o silêncio

não, não vou ligar
o viva voz
de minha crua luz

o ano vem, se aproxima
e apenas 35% dessas
pessoas acredita nisso

e para quem não acredita em nada?
quando se queimam pessoas vivas
quando se furam, baleiam
as pessoas mortas

mortas, já mortas

não temos armas

e sobrevivemos pela beleza

ou pelo silêncio.

não, não
sempre há de ter um filete

uma réstia

aí, estará nosso nome.
poema insone

carne viva e na mal-soçobrada

esperança.

(calar-me, até).

12/28/2006

O nome do Jogo



...e eis que sigo pistas falsas entre abismos
labirintos de névoas esculpidas como fossem cadafalsos
e caio no breu sem trégua o breu que arranha
o cais bem mais que a água impura onde afundei
meus pés atrás de sombras baças

toca-me então o lábio frio e invado inquieto
salas escuras de pedra antúrio e pedra
nácar e pedra onde dormem
uns sonhos que larguei na primavera

sucumbe agora em mim um vago ardor que amava tanto
e amplia os vastos territórios onde a lua
na luz negra de um destino (cruel?) me iluminava

extenso amor sem sombras nem promessas
que o Presente nunca remunera

Angelus novus

Porque são seis e treze da tarde e o ano está
indo embora
e um grupo de franceses
– você me diz
contesta esta comemoração.
“Como seria passar o tempo
sem tempo?”
Súbito o vento desloca
seus cabelos.
Na praça da Paz as pessoas estão agitadas
talvez o calor, penso, talvez
porque precisem reinventar rápido um ano novo
ajeitar os sapatos e as sandálias
as roupas cheias de ar
brancas
como Emily Dickinson.

Rei Vadio


O poeta há anos sem cantar. A ausência de sua voz única, modal, deixava um ar de nostalgia no casebre. Seu dedilhar ao violão, segundo Tinhorão “estrambótico” (de fato ele puxava as cordas fazendo-as vibrar como palhaços vestidos de negro cantando num circo incolor sob a luz negra de um destino cruel). Ou alguém que dominasse o segredo mais puro do vinho:
Em Brasília anos atrás dois amigos bêbados, um mais frágil mal conseguindo andar, o outro se arrastando e arrastando o outro para casa. Dois idiotas, dois bufões para as famílias de funcionários e os afamados boyzinhos da cidade. Dois náufragos, dois albatrozes para os corações românticos. Dois signos da revolução que nunca veio para os perdidos em barricadas.
O silêncio do poeta sempre foi uma forma de presença, como aquela do girassol se girassóis falassem. E naquele tempo as coisas não tinham parado, as coisas rolavam como aquela sinfonia de aparelhos de rádio distribuídos ao acaso – mas com partitura. Como as pedras que rolam na rua sem um cantinho de seu (Lupicínio Jagger, mais ou menos isso) pra poder des en cantar. Não era o fim do mundo. Mas era uma beleza a menos (ou duas, ou três, ou mais, dependendo do tempo).
Até que um dia, diante dos 5 companheiros o poeta começou a soltar a voz pra dentro, depois mais alto, uma música inédita sobre alguém que pisava em folhas secas & um daqueles paradoxos de sua comunidade, pois era um canto sobre quando ele não mais cantasse ou alguma coisa do tipo: garanto que não beberei nunca mais. Amigos viram que, no estado em que estava, o poeta se esqueceria amanhã do que tinha feito. Anotaram e no dia seguinte mostraram a ele a nova canção.
O mundo tem dessas coisas.

12/27/2006

Limite





















Passamos do ponto da massa informe,
desmedida,
para as conformações de gênero:
falo ereto e gruta
incrustada em montanha branca
fresca
cheirosa

e as palavras em murmúrio.

redor

um escritor viaja de trem, a noite cai descontroladamente. [o espaço literário é de morte.] os trilhos não são fuga nem desvio. o adagio não exclui a alta velocidade de uma parada em cinco horas, chega e retorna e não é refrão. a bossa nova seria azul claro em tonalidades variadas. ele passa. reticente. pronto explosão. solilóquios esquadrinhados. não existe garrafa jogada ao mar, mas abundância. a letargia faz querer avançar. sem chumbo nem ironia do vinho. frases ao humor. o escritor constata o azul com seus olhos gastos de ruas. indiferentes. consumidos, moedas empilhadas. um almoxarifado sempre está cheio e exausto. a lâmpada é 40 volts. desajeitado meu cão. sem beleza, viajo embriagado. da janela uma planitude de horizontes me prende. a estação corrói os ventos gelados do sul, uma cerveja. o tempo, o tempo, o tempo parece lufada de ar. bem aberto. o lápis sobre a mesa é epidíctico. calado, o escritor.

12/26/2006

Oração a Santa Baleia de Vidas Secas



Você anda cabisbaixo? O problema é dinheiro? Falta do mesmo? Não falta mas insuficiência? Não há suficiência? Piscina, churrasqueira e escada de mármore? Amor não correspondido? É você o objeto do amor em falso? Convenceram-te que o real resume-se ao possível? Que a uma causa segue-se um efeito e sempre o mesmo efeito à mesma causa? Que o possível é o predito pelos donos do Logos? Que você ao contrário só tem voz para exprimir dor e gozo? Que há anos atrás as pessoas usavam chapéus e luvas negras, mas agora elas só se encontram em dia de enterro? Que o trabalho dignifica o homem? Mas seu trabalho é uma merda? Você é uma merda? Onde já se viu uma conversa destas? SANTA BALEIA DE VIDAS SECAS está aí para mostrar o caminho. Repita esta oração 49 vezes e depois interceda você mesmo pela SANTA:

“Minha SANTA BALEIA DE VIDAS SECAS, vós que sois sabotadora do realismo social, aniquiladora da consciência orgânica do Todo Nacional, vós que sois teofania do Deserto, epifania da fome universal, vós que sois lobisomem no sentido lato do nome, bicho matável sem ser assassinável, impuro ente não-sacrificável, vós que sois Atma, Khadir, Avatar, Oxum, Zoroastro, Matusalém, Ibn Arabi, Noé, Fourier, Nietzsche e Gregor Samsa, vós que sois corrida louca do fugitivo mutismo no Cati, raposa que caiu no ninho das cobras, vós que sois macaco autoral-acadêmico que prestou relatório a uma platéia de doutos, ensina-me o caminho sempreverdejante dos preás, furta-me ao embate dos caçadores caçados que correm atrás dos próprios rabos, ó meu irmão Alfredo com quem subi o Monte à procura das fontes de cuscuz e dos rios de leite, também és Divina como eu, minha teopatia de trovador Fiel do Amor, és o eterno Farol, és a Guia, és Senhora, Sentinela Avançada, és a Guarda Imortal da Bahia, ensina-me a imaginar Meu Nome que ainda não conheci, de que só pressinto a superficialidade das letras, que anda oculto comigo aonde vou, SANTA BALEIA DE VIDAS SECAS, nada é por acaso.

Em TEU NOME replico este Mantra:
B-RÊ-A-BRA-SI-I-LÊ-SIL FÊ-U-FU-SI-I-LÊ-SIL CÊ-A-CA-NÊ-AGÁ-A-O-TIL-ÃO”


Envia esta oração a 1234567 e-mails e tua súplica será atendida.

Rinha



o que fazer diante da arena branca,
seus 4 lados que limitam
o Abismo?
os ventos que aqui sopraram
e trouxeram uma voz, uma palavra,
alguma idéia, agora
só carreiam desconforto
e a certeza de que nada
se resolve neste luta, nada
atinge em cheio o âmago do
adversário, aliás
você mesmo, parado neste sítio
olhando a linha sem linha que separa
o território branco do Nada
onde se encontra
isto aqui, a que chamaram por Mundo
e seus vazios desencontrados
que insistem sempre em não seguir
qualquer letra.

12/23/2006

Desconstruindo as Cartas ao Papai Noel (cut up)

A dinâmica das epístolas dedicadas ao Papai Noel, tradução livre do nome Santa Claus, que por sua vez é inspirado em São Nicolau, o bom arcebispo que em pleno século IV jogava sacos de dinheiro nas chaminés dos necessitados, nos faz pensar sobre a relação infância-culpa. É paradoxal que assim seja, por dois motivos, ao menos. Primeiro porque o que gera os mais profundos sentimentos de culpa é o descumprimento, ao longo da vida, dos padrões simbólicos de comportamento adquiridos na infância, pelos mitos de bondade, honestidade, coragem, altruísmo e demais modelos transmitidos pela mística natalina. Em outras palavras, salvo exceções, para ser socialmente bem sucedidas as pessoas no mínimo têm de abandonar o sistema de valores infantil, amadurecendo, pois para vencer é importante saber comportar-se como adulto e as que fracassam devido sua fraqueza na competição, muitas vezes devem o insucesso à infantilidade e é por continuarem sendo infantis que, em virtude dos próprios valores infantis, sentem-se culpados – culpados daquela culpa universal. Segundo porque aqueles que sejam tão seguros de seu sucesso social, a ponto de não saberem sentir culpa, não importa o que lhes suceda, para atingir tal ápice, ou como conseqüência de lá terem chegado, houveram por necessidade deixar de ser crianças, tornar-se adultos, adotando o código de ética dos vencedores que de ético, na verdade, normalmente, quase nada tem. Mas, não fui eu que me ensinei a maior parte das coisas que aprendi. Não matei Jesus. Jesus não morreu por mim. Minha morte continua a me esperar. E para os que, mesmo assim, ainda se interessam pelo assunto, aí vai o endereço do bom velhinho: Santa Claus - FIN-96930 Arctic Circle - Rovaniemi - Finlândia.

12/22/2006

Feliz Nariz, Natal!

(Para ser cantado ao som daquela musiquinha óbvia:)

Todos gostam dela
Juntos eu e ela
Fazemos na panela
Um guisado de gambá
Tem cheiro, é cheiroso
Tem gosto, é gostoso
Tem gênero, é generoso
Presente pra se dar!

Tá na hora
De comemorar com muito som
E ensinar
A esse na-
Riz que uísque é bom
Mas não seja jato de carreira no natal - a rena
Já tem o nariz vermelho - seja original!

Gripe, o nariz ataca
Bip, a coriza surge
Rip, o lenço destaca
E limpa essa coisa suja!
Assoar o náriz
Em todos os lugares
É o bastante para es-
Tranha confusão!

Tá na hora
De comemorar com muito som
E ensinar
A esse na-
Riz que uísque é bom
Mas não seja jato de carreira no natal - a rena
Já tem o nariz vermelho - seja original!

Com meus votos de boas festas para todos os epistolares, e que todos metamos muito o nariz onde não somos chamados em 2007!

Cartão de Natal Ordinário mas Bonitinho e Verdadeiro


este ano não tem
música de harpa
nem aquela tia chata.
pensando bem
Papai Noel até que escuta,
é, sem dúvida,
um velho batuta!

12/21/2006

Nota de Rodapé

Símbolo:
proliferação de flores negras
na garganta
hálito noturno em tudo
o que diz
odor de feras marinhas:
hino para a Pantera
que alfineta a boca que beija

Alegoria:
o hálito (clima do poema)
é arbitrário poder
de dar nomes
após recebê-los, indefeso
é o cruel próprio ao humano
só não se sabe (deriva do método
alguma falha no mesmo)
se o eu-lírico sofre ou
se rejubila (paixão – passividade
patologia – atividade?)

Diábolo
necessidade de explicação incoerente
constante fuga da polêmica
(polemos = guerra, deriva de
pólen = orvalho da morte:
lenda popular - do povo que ainda vive
nas trevas que um dia iluminaremos)
mostra o sujeito pervertido
pela má sorte, quando urubus
pousaram sobre o pequeno espantalho
enquanto decorávamos
pela enésima vez
a lista das declinações
verbais (melhor ainda seria
se isto nunca tivesse escrito)

Alegoria:
tábua das leis, moral
da história
para leitores cansados

Diábolo:
num belo embrulho
para Soldados da Virtude

Símbolo:
para epistolares

12/20/2006

Festa

Longe, tudo late atitude.
Perto, a moça atende a quem liga por "amor".

Estivemos falando com o tique a vibrar,
Chamando pós reconhecê-lo, tal qual em
Cidade do interior.

Os quatro cantos do mundo
Cada odor distancia à minha volta.
Seus golpes sobre a intimidade
Esfacelam, implacáveis!

Mas retornei, e me saúdam todos
Como se minha cara germinasse na internet.
O nariz de qualquer meu amigo
Estaca, voltado em sentido diverso:
Girassóis de vento.

Percebo o que quero, seus olhos fixos
Também, e a cavalgada de reflexos inteiros
Dos risos, soando no fundo do entanto
A vidro partido. Ainda bem que há música
Pra cerzir ao ar tantos gestos.
Volta e meia rosna a faísca da agulha:

Me sentaram junto à única lata de lixo.

Jam



encerrado no corpo
encapsulado
também preso à carceragem do Tempo
- a pele (limite úmido e quente com o mundo)
rasgada pelos grafitos do acaso
rasuras arabescos (e
toda subtração
que as provisões do que há por dentro possam suportar)
a pele percebe que você quer sair - e lhe contém.

(tem a ver com a raiva do corpo:
só o corpo odeia com a impureza de um hormônio
e ama com a mesma impureza
- a alma contaminada nem gravita em torno
com uma vaga impressão
daquilo que se apreende
ao Universo torto:
consciência é distorção)

foi nos becos sujos desta alma (ou corpo?)
que falanges de anjos excluídos de olhar vago
fortemente armados
sitiaram os desejos os projetos
num último bonde antes do apocalipse
entre projéteis
e um deles (o que sorria)
olho no olho
esculachou:
perdeu maluco
perdeu


encerrado no corpo
o mundo é o que lhe foi amputado
e dói













Há uma pedra pendendo do teto,
o tempo todo.

Debaixo da cama,
a bacia d'água faz a negociação.

Nos alternamos em vencer os jogos

- um dia eu -

- um dia você -

sem perceber que o decantado

e qui lí brio

é o fruto maduro dessa - des - a - tensão.

A Ilha

perdida
a ilha está

falta-me Deleuze

falta-me De(l)e(u)s)[i]ze

um anagrama

o deslize de Deus

foi este
à deriva todos
numa ilha

sem gaivotas
sem azul

apenas o brilho
e a dureza do
aço

rubro metal

solidão das águas.

12/19/2006

Apocalíptica

tudo é o contrário
do que se espera
pode ser
que se dê o contrário
a quem o disse.
- Daniel Farias
concentre-se, deixe de tagarelice
(satisfissura, filosofice)
o que vem ao caso
é o capuccino Cavazzi
e o papo inicial deve ser recordação de um escândalo
a descoberta de que os pés descalços
franciscanos
foram o terror da África
os mais cruéis e duros missionários
os mais violentos
apocalipticamente corretos
no extremo da humildade:
mortificação, proliferação de carimbos.
(não, não escrevo um libelo antifranciscano, trata-se apenas de uma situação infeliz, nada a ver com São Francisco de Assis e a rima involuntária não nega que recaio no mais prosaico, mas nem que seja desta entrelinha me livro:
“umbigo sou baguncei ô que cegueira!”
a vida no mar não tolera ambigüidade
e o que digo assino embaixo)
o capuccino Cavazzi é cheio de episódios
em Matamba e Angola
epos – ódio, quando
dizia: valhacouto de escorpiões
antro de pestilências e o barulho
desta música que de tão desafinada lembra uma assembléia
de demônios
onde o capeta é santo
São Capeta
terra dos insetos articulados, das múltiplas patas
assassinas, Nzinga ao sol vermelho,
e relatava o embate com o nganga
que segurava numa boa o ferro em brasa
e afirmou, isso é fácil para um missionário
império das virtudes
e segurou o ferro e sentiu a queimadura
o frigir da pele (mas “ímpios” olhando)
e deus (quem mais seria?)
lhe deu força para fingir
que nada sentia
e o missionário é um fingidor etc e tal.
o capuccino Cavazzi jamais caiu na real
parodiando OA ou SF ou FN
foi o real quem caiu em Cavazzi –
e não temos pena dele por isso.

falando nisso outro dia
sincronia misteriosa
alguém que se chamava Apocalíptica
telefonou para mim
procurando por Daniel Farias:
- alô!
Daniel Farias? não, absolutamente. ou Daniel Faria,
é, não falo do morto poeta português,
é aquele monge não sou aquele, mas simpatizo,
queria ser manso como ele,
ou Daniel F, sugestão de queridos amigos EP e FV,
é, não uso pseudônimos, detesto.
o quê?
não, a Giovana discorda.
hein? persona?
só se fosse o Príncipe Michkin
ou o pai dos irmãos Karamazov de uma vez por todas.
mesmo assim você prefere o Farias?
não aqui não, ele é o Império da Virtude,
AgitProp, essas coisas de missionário,
niilismo e ressentimento de pseudônimo
é, sei que são vários
Fiscal de Chat Literário, bela profissão
de fé para anarquistas.
oi? desculpe, estava pensando que Muntu
é palavra intraduzível.
ãh?
foi engano?
ledo engano (pensei)
o que me faz pensar
aliás não me faz pensar em mais nada
este “poema” encheu o saco.

12/18/2006

espalmada



eram aves marinhas. esguias. grasnas gritos pios. uma descida rápida. o parafuso. vinham de uma ilha rasa. vinham do susto. baliza. envelope de pêlos ossos músculos. o atrito. a espreita [intranqüilidade]. ela esbarrada no parapeito, tornozelo de tordesilhas. ela barrada em azuis, as nadadeiras despidas de malva. não soube responder como chegam a terra. o barco cruzando ao longe da água. perversa. vejo-os todos os dias. alto o prédio. ondulante e salgado, o sudoeste entrou traiçoeiro.

12/17/2006

Antes do Apocalipse.


ao que de dentro da névoa retorquiu
mínimo
impenetrável
o Afogado:
"já não me cripta mais
o que te acende num meio dia de sombras devastadas
onde plantavas simetrias da Verdade
e eu
lívido arauto das estrelas frias
fixas ancestrais orava incréu ao vento peregrino:
ensina-me a passar
ensina-me a passar

Nau














Há todo um oceano
em mim.

Em cada ato,
falho,
os erros e acertos,
os ecos silenciados,
as insinuações.

Quando eu grito,
um índio implora.

Quando eu sussurro,
mais um risco se desenha
na pele do aborígene.

Quando eu gemo,
um negro escorre
pelas savanas escuras.

Quando eu me aquieto,
outro indiano afunda
inerte, no Yamuna.

Nada mais me resta,
a não ser
mentir.

Velas içadas sob as ondas:

Meus olhos
revirados
são.

Possuído pelo nome


Eu não me lembro
Mas sei que estava lá
No dia da repartição dos nomes
Das parcelas de terra que a cada um caberia
O solo para pisar
E a terra que se reparte em água que se reparte
Em ar que se reparte em fogo que se
Reparte em alma
Que se respira.
Meu nome caiu em mim
Como alguém que cai em si
Ao se apreender no nome doado
Onde antes havia gruta - voz gutural -
Mancha imortal surpreendida
Em traços inscritos em pedra
Que acenderam no corpo o sopro
Criador das imagens que são você
Seu você mais profundo
Abismo tão distante quanto as últimas constelações
Mas que é você, a quimera presa em seus ombros,
O pássaro rosa-azul, de motivos florais nas asas,
O pássaro que absolutamente não canta
Mas salta de seus olhos enquanto você dorme,
Aninha-se nas asas do Simurg.
É com este nome que lhe caiu como uma pedra
Como um soco na boca
Do estômago
Que você se depara no hipermercado
Com a mulher de dentes cinzentos
De quem mastigou cinzas de cigarro o dia inteiro
Usando um chapeuzinho meio caído de lado
E um vestido puído ex-rosa meio azul
Mulher que te observa como Adão a seus animais anônimos
E vê você pegando entre as prateleiras coloridas
Sob a voz que anuncia o melhor ou
Como ser feliz usando o plástico de matéria-prima
Os pacotinhos violeta de ração para os gatos
Sabor carne, sabor frango, sabor salmão
“O mesmo sabor de patê, mas com menos sal”
A bruxa explica.
O mesmo nome no outro
Dia à noite
Vê com você a Sempreverdejante
Mestre que ensina o caminho
Das flores negras presas na sua garganta
Mestre de pele dourada com arabescos de flores
Pele boa de beijar e morder
De Sofia Eterna
Destruidora de homens, destruidora de cidades
Destruidora de navios
Arrebatadora do silêncio, solapadora da auto-suficiência
Com um sorriso
Com um jogo extremo de percussão:
“Esta música infernal”, dizia o capuchinho Cavazzi.

Tudo menos o poeta.


Quero me redimir.

12/16/2006

onde andará o poema?

lerdo

trem sem fumaça

som

objeto-conceito
e ainda assim

nem-isso

tentativa,
pedra
água

o asno

e de repente gritos
golpes

batidas

e só no silêncio
urge

12/15/2006

o poema


a que me agarro esta mudez
total detrás das vísceras decerto
estranhamente naturais à espera
sim à espera despido o ornamento
o som o símbolo inespera o ser
na última fronteira e trava
o embate cego contra o nada ou contra
algum desejo que o esmaga deseja
sim deseja o que as coisas têm
o hábito de ser as mãos pousadas
ou mesmo passos na varanda
antiga já que por dentro em todos
os desvãos e em linha não tão
reta nem abrupta uma voz
sussurra às vezes grita
sossega leão
sossega leão

12/13/2006

Mazagão (Ao som de Los Mareados)

Advertência: isso não é lirismo, é história (mito). Mazagão foi uma cidade-fortaleza na guerra contra os infiéis. Não deu certo. O Imperador decidiu transferir a cidade, inteira, da África para a Amazônia. Os habitantes não podiam escolher, eram sujeitos ao (súditos). Até que Dona Maria, a Louca, dez anos depois de viagens e de muita escrotidão, decretou: vocês estão livres de Mazagão. Depois disso, deles (os súditos) não se tem mais notícia.


de repente você acorda
há menos de cinco minutos pensava que desta vez sim
conseguiria dormir
mas de repente você acorda
- puta que pariu
observe o rebanho que mastiga o capim
e o som dos dentes e da saliva no verde: rio fluindo
rio de pedras polidas fluindo no esquecimento.
- merda, por que sou gente?
você não consegue dormir porque sabe que se esconde
numa fortaleza, tão complicada e delicadamente construída,
que se tornou sua prisão desconhecida em que você trafega como um rato
a porra de um rato com memória
a porra de um rato com nome próprio.
a infantaria ainda não foi inventada você tem que se virar
com estes canhões enferrujados e um crucifixo
- fodeu!
eles estão lá fora mais maneiros e manjados que você
desta vez você se fodeu.
você vegeta como um cão de guarda entre os muros de pedra
- e só agora te avisaram.
eis o plano de fuga:
o Imperador ordena, não a dor, a dor de cada um
que se foda dançando entre os dentes, a dor, o grito que silencia,
o silêncio que se grita foda-se, o Imperador ordena
tome conta dos seus pertences, do seu álbum de fotografias,
guarde com zelo o nome da família, vele pela memória de Mazagão,
pegue a maldita canoa e saia pela porta minúscula que se insinua
à beira-mar. e não exulte você não vai afundar no Lethes.
você vai é parar no meio de ruínas
numa cidade bolorenta sangrando à virgem que se arrombou
num terremoto daqueles, uma puta caçada por Sacerdotes,
uma órfã sem eira nem beira, um convento derrubado,
a porra de uma cidade fodida é pra onde você vai.
e não se misture com seus habitantes
até nesta merda de mapa você só está de passagem.
eis o plano de fuga.
- e só agora te avisaram.
depois agora você vai se cagar no meio do mar
rumo aos trópicos aqueles mesmos
em que centauros comem o verdadeiro fruto proibido
lá permitido (as mangas-rosas altas e saradinhas)
terra das grandes cachoeiras e dos carimbos.
- mar, que belo e verde!
só se for na beira da praia, lá dentro
a pura monotonia os dentes da maresia
que absolutamente não canta saltam do verde e liso mar
e ferem seus olhos lambem seus dentes apodrecem sua boca
uma cloaca, lábios de labirintite.
- me fodi de novo.
oh, quanto sal, são lágrimas de um boçal.
finalmente você chega à nova morada:
madeira podre infestação de formigas casas caindo
chuva torrencial medo dos canibais que inexistem
mesmo assim te mordem roem dentro de sua cabeça
e você ainda a preserva, a porra da memória.
- Dona Maria a Louca mudou de idéia
reconhece em você a triste, tristonha marionete nas mãos do destino
esta bosta de metáfora com luvas negras e frases-feitas desenhadas
há de liberá-lo, pode ir, o mundo é seu.

- e só agora nos avisaram!
- e só agora nos avisaram!

- vulgar monstro delicado, meu irmão!
é preciso agir rápido, aproveitar-se do começo
num ponto qualquer, qualquer incidente serve,
o veto e o decreto de uma Rainha pirada que seja.
esta pode ser a hora de esquecer-se
sempre agora ritualizar-se
destinar-se.


12/12/2006

Felicidade ou um efeito

A cortina está torta e a velha mesa de trabalho
sustenta,
sob um barômetro,
uma pilha piramidal de caixas e cartons.

Ali ela se senta sempre silenciosa,
postura ereta, gestos comedidos.
seu pescoço perfaz um vai e
vem
- parece um papagaio, diria Gustavo.

O dia levanta,
e os movimentos de seu coração
[uma rosa no esplendor]
diminuem, ela
olha fixamente o retrato de uma criança,
manuseia o peso de papéis, joga-o pro ar
quando percebe um
chocolate colado ao grampeador.

Alguns minutos vão-se,
ela fica.

12/10/2006

Fim da Aproximação a Numbers de Creeley (Intervalo - Elipse - Contar até 10 etc etc etc)

Zero*

Onde está você – que
por não estar aqui
aqui está, mas aqui
não por estar aqui?
Não há atalho no real –
a mente,
qualquermente,
o perfaz. Você
passa os anos
nonada, nenhum
lugar que eu saiba tão
bem quanto o ar
que aspiro,
ou expiro a fumaça
para fora da boca
também dá no nada,
e este é o destino.
*
Estudando sistemas primitivos
parece natural desde o dez
o retorno do um –
mas isto já não é mais um –
saído do nada, o um, retorna –
brasileiros têm um jeito meigo –
alguém já o disse
de “não fazer nada” – Que mais
devem, conseguem, fazer?
*
O que
por não ser
é – e não
por ser.
*
Quando os buracos têm sabor
Os deixamos no queijo.


*"Toda aproximação é um tipo de distanciamento."

12/09/2006

Moby Dick II

eis o ponto. nem branco. Masé está junto
aos húngaros. Liszt ensaia com os ciganos.
o mar ao fundo é imaginário, mas as ondas
esbatem em seu corpo. cigana era. e nem
sabia. e onde está a baleia? - balaço!
não se pode alcançar o céu sem o silêncio.

12/08/2006

Rascunho

Um desenho de dizer
Uma não-intenção
Um des-interesse

Palavras que se perdem
para se misturar
Um rabisco
um salto
um risco

Na língua

Quem não chora não mama

Nesta cidade a chuva
Não sabe cair
Nada de mãos pequenas!
Sempre vem com tudo revirando a van azul
Que por dentro revira os passageiros.
Argonautas?
Pobres-diabos,
O caralho!
Atenção passenautas:
Vamos pôr gelo no ouvido
Que lá vem a sirena de garras de ave de rapina
E fones de ouvido
Trancar pra sempre nossos corações aqui e agora em:
Amor amor delicia-me o vômito de uma criança
E não se esqueça de me abandonar
Trago-te dentro da veia oh meus alvéolos!
Isso é o que ela queria
Com esta canção de sugar candy and brandy.
Mas hoje nossas carteiras estão de olho
No cara de chapéu de palha e cigarro de palha
E blusa de estampa colorida
Chico Science desta pujante terra de Guilherme de Almerda
Que entrou na van sem um centavo no bolso
E vai ser esporrado pelo motorista e pelo cobrador
- Por que você acha que acordei às cinco da matina?

Depois da chuva
Entre um café e um suco de cajá
Conto esta anedota comigo acontecida
Na cidade molhadinha a desamigos:
- Ah meus companheiros de infortúnio
Da próxima vez tragam caixas de fósforo
Vamos tocar fogo neste poema bolorento!


12/05/2006

O Império do Óleo parte II

(Pingo)

Já me originada, vou nela terminada
Em substâncias biológicas da mortalidade
Por colisão, paciência dos metais
Entre pedestres idosos.

(Pingo do tanque)

Ponta na maior parte
Sobre a estrada do lugar previsto na distância,
Dirigindo ao longo do irmão da dança
Tenho sido destacada desse acessório ou objeto
Que pode ser conceituado pelo
"número do chassis".

(Pingo do tanque no asfalto)

Porta entre as linhas ao lugar da indicação
Feixes do cheiro
Cinco formulários sentem para trás.

(Concerto para a Unificação da Europa)

Apresentei a importância do Estado de natureza, que
Não dispunha desse tipo de mortes
Ocorridas por cem mil mulheres
Examinando as maiores diferenças.
Podia ser o coeficiente
De trânsito por acidentes:
Mulheres e líquidas, gases em São Paulo.

Aproximação a Numbers de Creeley 5 (Ou como contar até 10)

Nove

Aqui não
se repousa.
Agita-se,
reflete-se múltiplo
o três
vezes três.
Como espelho:
volta aqui,
estando ali.
*
Talvez em
ênfase implícita –
a mais que a mais que –
“tríade das tríades,”
“triplamente sagrado
e perfeito” – o que se
resolve –
na mutante
cadente destinação?
*
De certa forma, o jogo
em que algo se esconde
na casca da noz, uma
pedra ou moeda, e
a mão mais veloz
que os olhos –
como podem ser nove,
e não três
alternativas, a não ser
que sejam
três imaginações,
e são dois jogando –
o que dá seis, mas
o mundo é real,
mesmo em si.
*
Mais. Nove meses
da espera à descoberta
de vida ou morte –
outra­ vida outra morte –
não a sua, não
a minha, como se vê.
*
A diminuição gra-
dativa da progressão
dos produtos que
me fez lembrar:
nove vezes dois é um-oito
nove vezes nove é oito-um –
de cada termo,
atrás, adiante,
então, o mesmo
número.
*
Que lei
ou
mistério
que ama
se
ocultar.

O Império do Óleo parte I

A luta com o Império do Óleo foi das mais desgastantes no sentido, eu já não sabia com quem podia contar. Tiraram braços e gestos de meu método. E método, vocês sabem, é tudo. Cada instante me sabia acossada, tendo de precisar o cheiro na atenção mesmo ante a exibição intencional de cinco globos terrestres. É preciso em pedra admitir que de encarada tudo ia rasgando normal sua entrada pelas análises, nenhuma parede sem aspecto de vitrine, acordes martelados à madeira de carvalho barítono, feita piano. Agora forte. Ofício percussivo ao reino do chão, pisei decidida nas tranças portuguesas das precisas pedras. O eco do que ouvia no walkman juntou-se à resposta de questões desconexas minhas, exigidas convulsivas dos vendedores conclusos. Tudo parecedendo que eu iria de fato comprar algo, afinal todos me pensam a mais fútil das consumintes.

Cansada não sei se estive, antes de usar como disfarce uma presunção alheia dessas. Me mostravam roupas, cores de lustres rebatendo as estrelas de seus watts com cristais brutos de rocha, globos terrestres, peças em cartaz (como comprar atores, né? mas eles vendem!), DVD's a dez reais, um deles já tão batata de conteúdo que pelo aspecto da bolacha se via o final feliz. E é evidente que daí surgiram pistas essenciais para a abordagem truculenta e sem trégua do Império do Óleo. Vocês vêem? Suas respostas me ajudam em outro caso. Muito obrigada.

12/04/2006

do mar, ao mar

vejo
meus despojos

o que sobrou,
no mar

é o festim
dos peixes

recifes e das algas

a carne aos farrapos
fiapos

partículas
do meu espírito

brilham ao sol

são gotas,
agora

inteiro
de sal

inteiro
e em fragmentos

de volta
ao lar.

12/03/2006

Depois do café

o sol e umas rajadas de vento insistiam em se encontrar e vagavas em tua camisa branca. sob o fundo preto perguntas meu nome. nunca esqueci sobrancelhas assim arqueadas.

Café

No muro amarelo, desenhado em traços ocultos na mesma cor da tinta do muro, o rosto de um homem usando um chapéu transparente e dentro do chapéu o cérebro imenso de um predador. Ele fala emendando umas palavras nas outras, num tom de voz cada vez mais agudo, ensurdecedor, quer dizer, isso se as pessoas fossem capazes de ouvi-lo, como não são de enxergá-lo, mas nesta hora, a todo momento, o que importa é sua presença, onipresença, unicamp-presença: quando um livro pesado cai no chão, este som agudo, um grito dentro de sua cabeça, grudado na parede quente: é ele quem grita, é ele quem se lamenta, no meio do Café.
E o Café, ah o Café, uma lata de cerveja brilha entre as flores quase mortas, o vento vem vindo vem vindo e cai como um cachorro vadio, um anjo invisível de olhos vermelhos usa um relógio cravejado de dentes, as pessoas se envolvem em teias, apertam as mãos, balançam as pernas, riem, perdem o controle, retomam a estabilidade, dominam a situação, desfazem-se como um emaranhado delicado de raízes, ponha aí: raízes de um abacateiro rompendo o asfalto, por baixo da terra estabelecendo liames ora profundos, ora superficiais, mas sempre ambíguos, indecifráveis como um olhar, um gesto, como uma expectativa, como uma dor trazida de casa, de muito longe, uma dor invisível aos outros, como um sorriso, um resto de calor impreciso, uma alegria que também não apresenta seus motivos.
No Café, as pessoas nunca falam sobre o que estão falando, elas atravessam as palavras como um túnel, como um míssil em câmera lenta rumo ao adversário, mas sobretudo como flores minúsculas, imperceptíveis, trocadas à revelia do rosto amarelo no muro amarelo, flores que sempre se dissipam quando são tocadas, não adianta, nossas mãos são rudes, mesmo quando tecem flores que se desintegram, como o Café que estava abarrotado de gente, e agora está vazio

Agora sim, depois de atravessar este matagal, este arabesco, seja sincero, se não consigo mesmo, que o seja com alguém: você pode vestir a roupa ao avesso, pode morder o chão, pode beber de uma vez o café intragável e bem quente para ver se seus olhos ainda lacrimejam, pode falar de um amor impossível, pode misturar tudo o que leu e não leu, pode jurar de pé junto que não é maluco, só uma coisa você não pode negar, mesmo depois dessa prosa sem nexo, encare

Tudo é banal.

Moby Dick

Um ponto branco é sempre imenso mesmo quando pequeno. Inatingível passo ao seu lado e percebo algumas inquietações. Um ponto branco é incomensurável apaga tudo ao redor. Borracha vive ou é espuma do lastro.

12/01/2006

Aproximação a Numbers de Creeley 4

Sete

Somos sete, ressoa dentro
da cabeça como pesadelo de
responsabilidade – sete
dias na semana, sete
anos para a sarna
do envolvimento irreversível.
*
Olha
a
luz
desta
hora.
*
Eu nasci às sete
da matina e meu
pai tinha um monumento
de pedra, pedestal na
porta de entrada
do hospital de que ele era
o cabeça.
*
Às seis
às sete – a caneta
perdida, o papel:
embriaguez
de noite morta. Por que
a morte de algo tão
próximo a este
número é total.
Tudo não
passa de um
único número?
contar,
sempre e novamente.
*
Aqui jaz o número sete.

Oito

Dizer “oito” –
paciência.
Dois quatros
indicam o método.
*
Este número, nenhum outro,
demarca o ciclo –
intervalo de oito anos –
pois tal confluência
faz a lua cheia brilhar
no mais longo
ou mais curto
dia do ano.
*
A seca está quase no fim.
O mês é agosto –
este intervalo.
*
Ela tem
oito anos
segura o gatinho
e olha pra mim.
*
Onde você está.
A mesa.
A cadeira.
*
Traços luminosos demarcam o intervalo.
Oito faz o tempo passar em silêncio.
*
Não tem volta –
apesar da metade
ser quatro
e a metade,
dois.
*
Oct-
agon-
a-
l
.

11/30/2006

A vida toda pela frente

Ele tinha um código de barras
colado à nuca,
com preço, peso, calorias.

Era um exemplo de balanceamento equilibrado.

Mas já estava no limite
de seu prazo de validade.

Aos poucos, seu coração foi parando de bater,
depois o fígado,
os pulmões
e o aparelho urinário,
sem falar em sua digestão,
esquecida em um restaurante de quinta
há alguns meses.

Um dia, um caminhão parou
em frente à sua casa.
Nele, em letras grandiosas,
seu futuro previsível:
Troca e Reposição.

Calmamente,
desligou a tv e
enfiou uma faca em sua nuca,
serrilhando a pele,
para cima e para baixo,
devagar.

Puxou o último fio de massa sangrenta
sem um gemido
sequer.
Misturou carne, código e sangue,
à sopa de batatas que tentava engolir.
Pulou a janela
e respirou fundo.

11/28/2006

nº 15



Sumidouro das coisas, espiral
que tudo abarca – as emoções
no varal, quarando sob o Sol das décadas, enquanto a pele
esturrica.
Se me chegasse o Bem, ávido, indeterminado, frio como um tição
iniciaria o primado da Esperança e, em torno da fogueira,
sem ás na manga – observem bem, senhores – seria mesmo o Paraíso.

(in Notas Marginais)

Fuscum Subnigrum

Duas límpidas águas do teto em ogiva levam a acústica ao miolo dos ouvidos passilentes, por várias nuanças de creme e branco areados. Castiçais castecidos adornam os flancos do altar que ao centro ostenta uma cruz, esfumante no desenho de parede pintada logo acima, surgerindo gradual por relevo baixo a esculposa nuvem-maria, vinda equilibrada à frente, mãos saindo raios e túnica de resplendor.

Abas lambentes, as alas levantes à nave sustentam com lisos cilindros seus capitéis. De uniforme combinante, os sentinelas das memórias futuras carregam flashes e escorregam fios nos perímetros que esperam ninguém pise.

A partir de mirante mezanino de jacarandá, ela conhece de outras olvidades um panorama assim ambiente. Escada caracol rangendo a qualquer peso, coleante ao lado. Paralelas tábuas levam à grade em hastes como gotas escorrentes aos fios, em grossa marrom calda. Passageira dessa inteira moledura, atalaia a soprano, acima e trás da cena em refulgor. Vultuosa em suas costas, mãos ao longo do vestido tendente ao chão.

Os convidados chegam aos pares, trios, aos meio-trios (com apenas criança, crianças) mas poucos demais pro gasto que se teve com canto-e-órgão, flores, arrumadores de carpete. Ela vê as gordas senhoras ciscando lugar entre os prudentes primeiros a sentar. Ensaia apenas mentalmente um vocalise. O padre ainda não deu o ar de sua plena graça: é de seu hábito delegar, desdobrigar-se em prol das irmãs e beatas, diligentíssimas no cuido patrimonial de qualquer propriedade que lhes caia nas ralas pias mãos. Quando é alguém externo à paróquia a cobrar pelos serviços canoros, o quanto essas não estridulam, vendo suas comissões esboroaçarem embora na abóbada celeste!

Ao lado, pelas bordas janelas, um relance do salão de frestas traz o serelépido bailado das damas honorárias, livres do ensaio posicional por um momento infantil.

De novo ao centro a atenção é logo acesa, mais claridade contínua traz em magnésio o início da filmagem. A noiva chegou, deduz a soprano. Quase incontido por um ou outro matiz hidráulico dos azulejos de base e a madeira de lei que ressoa aos pés sobre seus saltos no plano monádico acima, o deslumbre elétrico é mais cheio que mesmo o ar, e os leves tons puxam de seu peito impostado a emergente urgência do rasgar primeiro.

Só então cai de mãos, cravado no silêncio, o anacruz acorde. E da voz se susprende ao plano simétrico amplo, fundo da grã-alvura, uma diagonal pincelada negra.

língua vinte e oito

despeço-me
do espaço

com um grito.

línguas e cartas

de quem mais
me desmereço.

é chegada
a hora

do eterno retorno

minha angústia
inteira.

flop flop flop

asas fundas.

Aproximação a Numbers de Creeley 3

Cinco

Dois a
dois mais
outro agora
no meio
ou então ao
lado.

*
De cada
um dos quatro
cantos trace
uma linha
indo ao ponto
oposto. Ali
na intersecção
faz-se o
cinco.

*
Quando mais novo este era
o número requerido
para contas, e para
imaginar um conjunto
útil. De algum jeito o extra-
-um – que é mais que quatro –
me assegurava que havia
o que bastava. Dois e três
um e quatro está completo.

*
Como desenhar estrelas.


Seis

Misturando-se
tais formas
entre
dois e três –

no sexto
dia findara
a criação –
íntegra –
ou que o sol
é pleno
no equador & parece
parar, depois
retornando...
ou que isto contém
o primeiro número
(2), e o primeiro excesso
do número (3), o primeiro sendo
o membro do macho, o último
muliebris pudenda...
Ou dois triângulos entrecruzados.

11/27/2006

Viragem













A beleza está no excesso:

Na catedral gigantesca
Que cria mundos amorfos,
Animalescos, botânicos,
Moradas de fetos-insetos,
Homens-cnídios,
Guinchando palavras virgens
Que ninguém entende:

Ainda.

Todo silêncio transcende.
É toda uma imensa ilusão:
Há, em seu pensamento,
Um verso - caótico-

Que gira

Toda

A sua

Vida.
O poeta atravessa o rio o poeta passa sobre a ponte ele segue a água cinza a água desliza e o poeta caminha. O poeta é engraçado. O poeta constrange. O poeta repete algumas tornures ele muda suas tornures ele o poeta repete suas palavras o poeta come as palavras. O poeta não envergonha ele respira firme ele vai lendo alto sua poesia sua poesia impura sua geléia seu pensamento todo branco. O poeta o verdadeiro poeta ainda dorme sem peso de poeta o poeta é livre como pluma o poeta é gélido o poeta é idiota. O poeta se fixa como bulbo ele é bobo. O poeta pergunta para que serve o poeta. O poeta fala com ar constrangido o poeta fala das caixas concretas depositadas do mundo o mundo imundo do poeta é claro é escuro. O poeta organiza ele permanence. O poeta já publicou alguns livros eu não publiquei nenhum livro o poeta leu o meu poema eu ainda não escrevi nenhum poema. O poeta não admite o poeta. O problema do poeta é resumir seu trabalho. Qual a questão do poeta. O poeta anda a cidade o poeta se anima e se esconde. O poeta sabe de cor o gesto da poesia. O poeta não sabe o gosto da poesia. O poeta é muito importante. O poeta zonzeia. O poeta morre. O poeta é um poeta.

11/26/2006

língua vinte e seis

estou

em minha arena
silenciosa de punhais.

um quadro
pintado

arco e voz
crime fresco
onde o rubro

não me representa.

farto das vozes.

Aproximação a Numbers de R. Creeley 2

Três


Eles, agora, mais
um entre dois –
seja de um lado seja
de outro. Será
que eles sabem quem é
quem, ou simplesmente vão
com este pivô de entremeio.
Aqui as formas têm potencial.

*
Quando isto ou
aquilo se torna
escolha, este estado
das coisas trespassa.
Aquilo que foi
agora acordado
alterna entre
dois e um,
me todos.

*
O primeiro
triângulo, de geometria,
de pessoas,
soou como
ocasião única, eu
acho – começa
aqui, intangível,
o círculo –
um nascimento.


Quatro

Este número vale
como conforto, fato
seguro. Qual
mesa firme
sobre quatro. O cão
confortavelmente caminha,
e dois a dois
não perfaz militares
mas amigos amáveis
mãos dadas. Quatro
é uma praça,
ou círculo pacífico,
celebrando o retorno,
o encontro,
o triunfo do amor.

*
A carta que traz
o quatro de copas
é signo de experiência
de vida. Que outro
sentido haveria.

*
Uma porta
quatro – todavia
quem entra.

*
Abstrato – sim, qual
dois e dois
dados, quatro dados –
um e três.

11/24/2006

Zeitgeist






(música incidental: O Mundo é um Moinho , de Cartola)

O Espírito do Tempo eu nunca vi.
Devo estar cego ou ando desfocado,
se pra cavalo deste santo irado
não mostro vocação - nem pedigree.

Não sei se escrito ou psicografado,
disseram que ele anda por aí
disperso, esparso em tudo quanto li,
quando eu o procurava do meu lado.

E não me cabem passos nesta dança -
só a sensação de ter perdido o bonde
(ou visto as tais flores no ar, sem hastes).

Mas, ah, virando cabos e esperanças,
uma voz me sussurra não sei onde:
ainda é cedo, amor, mal começaste...

Bruxa

Na frente da obra de arte
A montanha
O céu
O chão

E no meio deles
As caras reviradas
As sãs obs
ce
ni
da
des

Ditas somente por mim:

Eu sou a minha verdade
Eu sou a minha trindade
Eu sou a minha dança

Aproximação a Numbers de Robert Creeley (de 1 a 0)

Um

Que condição singular
de florescimento
vertical…
vai por aqui,
vem por aqui.
*
quem eu era que
pensava ser
outro um por
si mesmo dividido ou somado
produz um
*
esta hora, este
lugar, este
um.
*
você não é
eu, eu não você.
*
me todos
*
como pau,
pedra, dada
coisa tão
fixada que tem
uma cabeça, caminha,
conversa, leva
uma vida.

Dois

Na primeira vez
em que foram feitos
toda terra deve
ter sido seus corpos
refletidos, num instante –
um fluxo de impressão
de que uma curva no tempo
voltava ao brilho da água –
a ternura em que vieram.
*
O que você quis
eu senti, ou senti que senti.
o que já é mais que um.
*
o estado da chamada
consciência é sempre
uma palavra perfazendo
este mundo a mais
ou menos do que é.
*
não me abandone.
me a me. um a um.
*
como se próximo
a mim outro alguém
se aproxima. Só
para fazer você
minha, na mente,
decifrar você.

11/23/2006

Poesia impura ou elegia a Tarkos

O operário está morto, eu estou vivo, eu sou vivo, eu continuo bem vivo e me levanto todas as manhãs. O canteiro de obras está aberto e o cimento ainda fresco é por mim colocado entre tijolos e os muros vão sendo feitos um após o outro. O operário não tem mais força, eu tenho força, força vital, força fresca, força inevitável. Eu trabalho e construo, o operário não constrói, eu construo, falo alto e sigo instruções. Ele não segue instruções, não tem mais vontade, eu tenho vontade, eu tenho força e continuo a construir, o canteiro está aberto, a massa é misturada em velocidade continua e veloz. A massa sedimenta os tijolos, os tijolos sedimentam a estrutura, o operário não trabalha, eu trabalho e levo cada pá de cal a cada parede construída, o operário está desaparecido, eu apareço. O operário não come mais, eu como e reforço a pele e os olhos. O operário não enxerga, eu olho e vejo. O operário atravessou fora da faixa para pedestres, eu continuei na mesma calçada até o fim do caminho, eu não atravesso, sigo as instruções, tenho todos os comprovantes, todos os papeis regulares. O operário é clandestino irregular, eu sou clandestino regular, ele desvia, eu não desvio, sigo firme pela mesma calçada, ele atravessa e não precisa provar que está vivo, eu estou vivo. A vida ultrapassa a morte.

língua vinte e quatro

lembrei-me de ti,
amigo

e de Rimbaud

um menino em estado selvagem
sabendo de tudo

e ao mesmo tempo,
aquela criança inócua

que apenas vagava
como um fantasma

eu escrevi muitos poemas
de Rimbaud

ele era meu irmão e amigo
caçava na floresta

amarga de minhas
lágrimas quentes

o que me recordo agora
DÉPART

assez vu. farto de ver.

assez eu. farto de ter.

assez connu. farto de saber.

uma das maiores dores
a partida

de um amigo

11/22/2006

língua vinte e três

semcor

o risco do abismo
aquilo que

ris-
ca
o
fundo

e sabermos

inconclusos

habitar na língua

...

















Guarda teu espírito.

Quero-te corpo, agora.

Feito madeira espessa,
Lambida lenta
E grave,
Teus sons esparsos pela casa.

Quero-me toda,
Inteira,
Tua,
Perder os dias e as luas -
Nessa quase-morte,
Anoitecer.

11/21/2006

Circunstância

e se fosse o aperto
de mão
incômodo
talvez incomodado?
e sair rápido
em meio ao barulho
do bar

maladroitement?

ma

la

droi

te

ment.

11/20/2006

língua vinte

uma música lenta
e italiana

vem e me mata
aos poucos

tua língua
toca pelas levezas

do mundo

um mundo torto
perdido aos pés.

estamos no topo
do NADA

e rosagiramos
ao início de.

tua língua ainda
erra no delírio

quantas estudos
e planos,

que nada valem
nas asas

e nas águas.

um mundo errático
ao fundo

e habitar o tempo.

EISOIMPREVISTO


símio cyborg,
ponta do iceberg,
sangue & simulacro,
bêbado embarque,
abre a mínima escotilha
e sai dentro do oráculo:

- esta oscilação
esta incerteza
as cartas na mesa
não embaralhadas
mas espalhadas, ao léu.
leio as linhas
das tuas mãos
seja o que for

nada a ver

danou-se a metalinguagem.

11/19/2006

dois em um

(I)

















Em São Paulo persiste um ruído
que arde.

Ele cega.
Tira o paladar.


Ele te faz caminhar a esmo
pelas vielas de calçadas
velhas,
com grama rala entre as pedras.

Ali,
mora um barulho encanado,
branco,
seco,
que te faz estátua de sal.


Em vida.


(II)

Da música que existe em nós
clique aqui para ouvir*

Ele fala e eu escuto, atenta. Sua boca se move em variações circulares, ocas. Seus olhos arrebentam-se em mil sóis, no branco de um céu de inverno. Faz frio. Penso em suas mãos, há pouco. Eram quentes. Ele fala mais uma vez de seus feitos, de seus amores, de seus grandes e enormes planos. Aos poucos, esqueço tudo aquilo que ele diz: ouço apenas a música que se desenha entre as mesas e as cadeiras. Ele repete erres e esses de um jeito tão doce... suspiro, como uma criança com sono. Ele sorri. Nossos cheiros se tocam no ar, e o vento gelado que entra pelas frestas das janelas, cristal transparente, estala em seus dedos. O som de sua voz preocupa-se comigo: você entende? Concordo com um movimento de canto de boca, e ele fecha os olhos. Aproveito para registrar o contorno de seu rosto, a cor de seus cabelos, o áspero da barba. Ainda sinto sua aspereza em meus lábios. Passo a língua neles e eles ardem. A música diminui o ritmo, abaixa a intensidade. Seu olhar foge numa menina que chora, na mesa ao lado. Fixo o meu em seus braços, e me lembro do dia em que ele me abraçou pela primeira vez. Gosto deles, da textura da pele, da força que vem deles. Meu frio aumenta. A janela ao meu lado embaça com minha respiração ofegante, nem vejo mais os carros lá fora, nem as pessoas passando, nem a chuva que começa a cair. A imagem dele me amando naquele dia volta e abaixo a cabeça segurando a boca, japonesa. Ele me encara: você entende? Não falo nada. Apenas ouço a música. Ele se levanta e vai embora, me deixando sozinha, afundada em minhas mãos trêmulas e meus cabelos soltos, sem entender.

11/18/2006

Alma,



beira do poço
silêncio
o côncavo do Homem
ao mesmo tempo
espelho e
fonte

O ensino superior particular no Brasil - impressões.

Num mar creme vertical de calafate, a brecha. Um descuidar meu pacato no batente, tirando o resto pra centro, do extrato de atenção. E logo ali, é só notar, a massa negra repousa as vontades de todas suas patas, na altura do branco dos olhos.

Sua presença de inseto, instantânea ao susto, apenas finge se esquivar com minha ida ao banheiro, que nada faz esguichar numa tensão dessas, como se o besouro estivesse em minha casa, e no esforço de mudar de cômodo residisse um esconjuro do problema, pra não ter de lidar. Mas qual que isso funciona! Ao de novo abrir a entrada, após a quixotesca rinha mental contra um anônimo basculado pela porta da latrina que insistia em estragar via assovio o tema dos oompa-loompa, não podia dar outra:

Continua lá, lânguida e demonstruosa em sua rede de apoios esquálidos, que prodígio, mulher em treliças, a carapaça dos cabelos cascateando até a foz da cintura. Encara-me como a um aluno:

— Tem turma pra sair daí?
— Se você chama de turma o vultoso montante de um.
— Pois você no caso entra, não é isso?
— Entro pra continuar mantendo aluno um, quero ver contudo se talvez não, estou voltando aqui do reservado mas ele pode ter partido.
— Não, tem alguém aí dentro. E que me disse o que, sem detalhe, me abandonou contudo ao justo agora de entender: você dá aula, não recebe.
— Sim, com efeito, e mais se considerarmos ainda o numerário onerante enquanto atrasado. Por isso quem lhe disse mantém o índice.
— Laura, muito prazer.

E mais bastam duas ou três frases de gesto para o alheio a engolir entre as paredes e seus efeitos.

Cavalos seriam deuses se desenhassem

acenda o cigarro,
agora que o sol vai caindo
guarde um resto de calor impreciso,
jogando as cinzas no chão.
observe as bailarinas que chegam,
a luz que se acende sobre elas,
a lona preta estendida como palco improvisado,
mas antes do espetáculo,
que provavelmente será uma bela merda,
vá para o hotel que te espera
caindo aos pedaços
e sob o ar condicionado, mastigando fritas geladas
somente então se pergunte
quando foi que o Medo chegou


(Maria Bentham – OitO-OlhOs entra na sala:
vem aqui na frente
pra que todos te vejam.

você está vendo,
o Medo?
)

11/17/2006

língua dezessete

não colocarei flores
em teus cabelos

não te carregarei
no colo

recusarei teus sonhos

não teremos filhos

não iremos visitar
as malditas
igrejas católicas

teu deus é meu deus

e nem o sabemos

não beijarei tua testa

não te enxergarei
pela fresta

não serei teu

e serás sempre

o meu último poema

Mofo

o muro de contenção. uma linha vertical modesta jamais humilde segurando a linha de sua encosta defronte para outra linha, aparentemente infinita mas fugaz e paralela de destino sempre certo. um muro público, traços de um refluxo distante, contendo a praça, traçada a singelezas nervosas costuradas pontos distantes. muro alto branco com pedras, com etiquetas, mesuras, deslocado, contendo com ele um muro. um subúrbio é sempre desolado. muro limpo de pedras guarnecido. uma província é sempre isolada, parede limpa de pedras abastecida. desloca o muro, pinta o muro perdido em sua altivez sibilante, contenção contida, esnobe fingida velha como a dor de dente em formatura.

11/16/2006

A morte do leitor

vento frio
é coisa sólida
contra a pele.
cada lágrima
gota de sal,
sol e chuva,
parecem fantasmas
as meninas de Campinas.

é em mim, contra mim,
a partir de qualquer coisa em mim
que o frio é assim?

*

pra quem falo
e me calo?
se me calo
há um desdito,
um mandamento implícito
de silenciamento?
entre o silêncio e o reles
e barato cala-te boca?
o que se manifesta
quando o falo o que falo,
pra você não sei
quem
por quem
falo e me calo.

Non-smoking Duchess


"Mas aquela que adoro, a hierática duquesa,
Nobre como as reais senhoras de Brabante,
Como a hei de pintar igual e semelhante
Se não há Som nem Cor em tôda a Natureza!"
(Gomes Leal)

Reflexos à pele esticada da testa, de qualquer claridade. Mancha de negro fundo para a figura do rosto o tênue vento, pintando cabelos. Está sentada, com o dedo na tala que torceu, acesso de raiva. Fala renitente pelo fino do nariz. Tesas costas, restos de bailarina. Preguiçosa pela perda da copa, causar-lhe-á a flâmula sombra na rua até despedaçar-se, enfim descrentes todos do escrete. Seus bicos dos saltos são finos demais. A boca faz traço, retendo úmida um friso de brilho.

Roubemos dela um abraço, selando por pouco o vácuo das fatias exiladas de seu plexo.

Um trejeito do cenho escapa em trajeto ao pleno olho. Coitada da fome de quem guardou da duquesa o contato. Não paga tal privilégio o lastro de mil rubis. Nem quebra o copo de brindada alegria ao bebê-la o peito em dó de mil Caubys.

11/15/2006

amor amor



e derramada assim em sua boca
lábara palavra líquida ardente lava espessa ao fim
luminescente rum leite de sílabas sabor
de duro travo um pouco amarga
eu sei você diria
mas não que apague o último sorriso
e o que me capta o olhar
em que se foram enfim
se foram

lábia de constelações em sua boca
acende

11/14/2006

Noa




por que você canta noa
enovelando as ondas do rio

a sua presença
insinuando os nós
[nós são sempre nós]

as pontas
cordas
fios
cabelos
linhas
pêlos
lãs

língua quatorze


[MÁGOA DE SERAFIM]

Os chavelhos descem à fronte do pentagrama.

Cancros terríveis ardem nas bordas do tempo.

Todos esmagados por este volumoso rebento da noite.

Alheias, pálidas hortênsias vão crescendo,
longínquas.
E os sepulcros vão gemendo.
As sombras se projetam no anjo.
O caos recolhe os esquecidos.
(do livro Cavalos do Inferno)

Ênfase

O leite ferve, avança veloz para as bordas e se espalha sobre o alumínio fosco. Você gira com ênfase o botão. O que resta seus olhos evitam. Talvez o estalo quebrado, uma dobra escondida, o canto recolhido das sobras. A xícara já esfriou o café e você ali parado. Esta simplicidade expressada em seus olhos, o abandono às luzes fluorescentes que invadem as mais recôndidas circunstâncias, o impregnar de índices translúcidos. Apenas algo que se agita acaba.

Desterrado (Um LP encontrado no Acre)

Lado A (A situação hermética)


- Se você morrer hoje,
flamívomo,
veias de vidro,
hidromel,
Azar,
vai ficar rolando entre as pedras do caminho
sem descanso, um nome qualquer,
seu nome, estas agulhas continuarão
ferindo sua boca por dentro, até depois da morte.
este é o castigo, distraído.
os piratas chegaram pelas tubulações
junto com os grifos mercadores de sangue congelado
e levaram todas as letras,
mesmo as mais secretas, mesmo as trancadas nas gavetas,
mesmo as indefinidas meras manchas
de quando você pensava que era um estúpido insone
sonhando em ser a anemia de um poeta oriental.


Lado B (O hermético situado)

- com seriedade
ela punha a luva de borracha
o som era um gatilho
seco sobre a pele, as mãos ao alto
em oração ou assalto:

- só vai ser uma picadinha

(não sei porque, ela sorria)

11/13/2006

Wondering / Indagando

WONDERING
(Peter Hammill)

I will arise:
in the depths, I will open my eyes;
as my breath almost fails me, survive.

Wait - there's something unclear,
there's somethingI fear now drawing close.
Could it be you? Whose is that voice?
Is it now time to make a choice?
Ah - that irrational pain!
This ridiculous brain now bursts with joy.
Could it be me? Could it be now?
Should I begin to take my vows?

I will return:
as I live, as I breathe, as I burn
I swear I will come through,
with my hands stretching out in the dark,
with my eye pressed up tight to the glass,

Wondering if it's all been true.

INDAGANDO
(Trad. Löis Lancaster)

Eu ressurgirei:
Nas profundezas, abrirei meus olhos
Para, fôlego faltando, sobreviver.

Espere - há algo incerto,
Algo temível agora se aproxima.
Seria você? De quem é essa voz?
A hora da escolha afinal se aproxima?
Ah, essa dor irracional!
Esta mente ridícula explode de alegria.
Seria para mim? Seria afinal?
Eu deveria começar a rezar?

Eu voltarei:
Como eu vivo, como respiro, como queimo, juro que atravessarei,
Com minhas mãos abraçando o amplo escuro,
Com meus olhos apertados contra o vidro,
Indagando se foi tudo verdade.

Isso que você está lendo














Isso que você está lendo
Marca os minutos e os segundos
Desse tempo que é só nosso:
Nem meu,
Nem seu,
Nem deles,
Mas nosso.

Chega de Você, Ela, Ele e Eu na poesia.

Nessa trama só existe
Nós.

11/12/2006

Câmara de Ecos (revisitada)



-Psiu...
-Onde estou? Este sítio desconheço...
-Grandes são os desertos e tudo é deserto.
-O que eu vejo é o Beco!
-Vês?
-Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
-Carregado de mim ando no mundo....
-Dê-me a mão! Eis a jaula do tórax. Ouve? Não vibra – gane, este filhote de leão domesticado.
-Sou um jegue na tarde pastando um verso.
-Toma um fósforo. Acende o teu cigarro.
-Tenho fome de me tornar tudo o que não sou.
-Certo perdeste o senso, tresloucado amigo!
-Ah, se tudo o que devora o coração no rosto se estampasse...
-Oh, que me custa caro o entender-te!
-Todo o mundo é composto de mudança.
-Fique, pois, sobrancelha a sobrancelha, a meu lado.
-Julga-me a gente toda por perdido!
-Já que dura tão pouco a flor dos anos, gozemo-nos agora!
-Mas estamos por aí, com as mãos nos bolsos...
-Venha cá, para o abraço cruzado dos meus grandes braços desajeitados!
-Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados...
-Deixe que eu faça alarde da grandeza da tarde!
-Não quero saber de lirismo que não seja libertação.
-Inútil você resistir ou mesmo suicidar-se. Não se mate, oh, não se mate.
-Que barulho é esse na escada?
-O autor ainda está tateando atrás dum estilo...
-Posso escrever os versos mais ridículos esta noite (a memória é uma ilha-de-edição).

(de "plágios, samplers e outros balacobacos")

Flash


Uma casa, uma porta,
Uma chave.

Uma casa, uma porta,
Duas chaves.

Uma casa, uma porta,
Três chaves.

Uma casa, uma porta,
Aberta.

língua doze

VIAJOR


Finges que vens daí, ferida.
E me estendo nas pálpebras das folhas,
e no longo estrondo de minha dor.

Já não há gritos. O rouxinol entreolha
meu rubro rio. E ri. Duas facadas.

E de ventos grises me retalho.
Horas que se acortinam,
naufrágios que há muito desembaraço.

Teces, aracne, próximo às sobrancelhas
de meu leito, para que junto
às paredes eu mereça minha loucura e minhas asas.

Amor, meu coração é um brinquedo do Diabo.


(do livro O Amor Duplo e o Desespero das Águas)

11/11/2006

Nexo










Caminhamos por entre as lojas.

Flores de dinheiro, sem perfume,
enfeitam o busto firme das garotas loiras de cabelos lisos:
ferro quente e goma laca.

Elas sorriem-sempre
e suas cabeças ocas reverberam.
Nenhum fio sai do lugar.

Impressionante.

As pessoas-plástico, em êxtase,
gostam de organizar filas para pagar:
duzentas blusas estampadas,
quinhentas calças pretas,
cinquenta e cinco sandálias metalizadas.

Ao mesmo tempo, saltam de seus corpos
cheques voadores e alguns cartões-fantasmas.
Seus rostos exultam espasmos esverdeados
e suas mãos tremem, ao apertar certos botões.


Lembro-me daquela noite
e do enorme prazer que demos um ao outro.

Prefiro sexo.


A diferença:
?