3/26/2015

Quanto mais perto, mais distante
            Vê-se um sol vermelho no canto dos olhos
            A paixão da vida na visão periférica. 

2/28/2015

A quanto tempo não escuto minha voz
            nem mesmo por dentro do caos cosmogônico do crânio
            extraditado da morte pela vida.

            Equilibro-me no parapeito do viaduto mais alto de Brasília
onde durmo, profundamente em vertigem
sonho que lidero uma rebelião de internos num manicômio judiciário. 


            *

            Que uma vida fique nas mãos de outra –
            como um favor que você nunca pediu:

            No cemitério abandonado
            um crânio de jacaré
            ossos estranhos daqueles cuja vida é desperdício
            (o coveiro dizia, esse da cara comprida era um idiota,
            aquele de formato meio bovino era um retardado
            e logo à frente, junto com ossos de cachorro,
            o louco da cidade)
            e uma ossada de boina e casaco verde
            em silêncio pela morte de Che Guevara.

            Que o tempo remoa a covardia de suas entrelinhas.









2/09/2015

Miranda

Pele escavada e solta
            Um V de pedra e gelo
            Na testa
            E cinco olhos piscando
            Aos flashes de náufragos.     

            É o aleatório que desenha figuras
            Na passagem dos tempos.

            Purgue-se de toda virtude
            Enquanto os bárbaros traduzem a língua
            Do que não tem vida.            



1/28/2015

O conspirador no Forte do Touro



1.
no espaço infinito
infinitos globos e nenhum canto
de escuridão, solidão
imobilidade.

2.
são jorros de gás rosa flamejante,
eclipse solar total, manchas solares
varridas por tempestades sobre superfícies imensas
e um vislumbre de núcleo de estrela,
 como relativa obscuridade.

assim, não há mais quimeras.

3.
sol em declínio.
decompor-se
ao que deveria ser: água.


4.
vocês desprezam profundamente os cometas
brinquedos miseráveis de planetas superiores
que ásperos, separam-nos em centenas de formas,
 inflam-nos com fogos solares e
finalmente, jogam-nos fora em farrapos.

5.
um cometa vago exalava perfume
cujo nada cansou a língua que procurou defini-lo,
e iria desafiar a força que rege o universo!

6.
cometas não incomodam ninguém
mas todos os perturbam,
porque são os escravos humildes da atração.

7.
evitando passes fatídicos
iludindo as grandes aranhas das planícies zodiacais, 
o cometa das alturas polares derramando-se sobre o sol,
 e prontamente circulando em colunas imensas, sob fogo inimigo.

8.
Os mortos são reconhecíveis nesses lampejos fantasmagóricos em que as luzes vitais das estrelas se refletem.

9.
não há caos,
nem mesmo naqueles campos de batalha
onde milhares de milhões de estrelas transformam
os mortos na vida ao colidir
fixando-se em chamas durante séculos.

não se faz distinção entre o que parece estrela
e o efêmero. Que são esses bilhões de sóis?
um dilúvio de brilhos.

e esta chuva fecunda o universo.

10.
planetas extintos
indefinidamente seu cortejo fúnebre,
reforçado a cada noite com a chegada de novos funerais
como as luminárias de um show de luzes.

11.
universo eterno, estrelas perecíveis,
cada centímetro do chão que pisamos tem partes de tudo,
mesmo o chão sendo testemunha muda
e não suspira uma palavra do que lhe foi dado contemplar na Eternidade.

12.
cada um dos nossos corpos
é filho de uma terra,
e cada terra é o corpo de outra terra,
reais.

somos parte da cópia
e não falta nada.

13.
o passado consumado pertence a nós.
o futuro, somente quando o mundo morre,
cada segundo traz nova bifurcação,
o caminho e a estrada que poderia ter sido.

seja o que trouxe a existência de nosso próprio planeta
e a conclusão que já viajou milhares de milhões de vezes.

14.
assim possui corpos de casal completo,
bem como um número incontável de variações que se multiplicam
e sempre representam a sua pessoa
mas que pedem apenas pedaços de seu destino.

15.
estrelas pobres!
seu papel é apenas sacrificial –
criadoras e servas do poder produtivo dos planetas,
a sua carreira ingrata e monótona como tochas.

ter o brilho que está por trás deles
e esconder as realidades invisíveis em que vivem.

cem corpos simples são responsáveis por todos eles
e eles estão cegando chamas agora e um dia serão escuridão e gelo
que vai ter volatilizado a procissão de suas rainhas numa nebulosa.

17.
toda pessoa é infinita e eterna através de outros ela mesma
de sua idade atual, de todas as suas idades, a cada segundo, ao mesmo tempo,
ela tem milhares de milhões de corpos que estão nascendo, morrendo

de segundo a segundo, desde o nascimento até a idade da sua morte.

12/28/2014

O tempo é passagem entre um lugar e outro, trânsito entre uma pessoa e outra. As pedras que sustentam a ponte no vazio são agora. Mas não existem dois agoras que se toquem. É uma impossibilidade psíquica, histórica e, antes de tudo, física. Quero morrer envenenado de comer um polvo cru. Ser enterrado com o rosto voltado para baixo, porque com o tempo o que está abaixo virá a ser acima, como um cão celestial.  

12/09/2014

Quando o espaço tiver minguado em seu próprio espalhar-se que dilacera proximidades, pode ser que nasça aquilo que será o sem-perguntas e sem-respostas, a rememoração absoluta do anjo futuro que apenas sonhará à beira de um buraco-negro. Posso até acreditar que essa divindade que nada cria e apenas revisita o que houve pode se deter num instante, um lapso em torno de toda engrenagem ao redor, passando do mais ínfimo ao imensuravelmente imenso em suas articulações, como um teatro nô da história do universo. Isso se deteria no momento em que uma suave silhueta se revelou sob nuvens diante de uma cerca enferrujada, no entardecer que ora eu via em roxo ora em verde, a face desenhada em cinza ao contrário sobre a paisagem cinzenta, todas as cores se depurando no clarão corrosivo da implosão da atmosfera. E esse último suspiro da natureza seria lindo – e assustadoramente solitário. 


11/30/2014

Nasci sem olhos
sem língua
com uma cascata de nadas pulsando
no sangue

vejo o mundo por olhos alheios
canto numa língua que herdamos
e sentidos catados nas ruas

caveiras programadas
à sombra da noite transparente.

*
Calçamento de pedras desoladas
da lua
costura de vozes e sombras
nos santos surdos de pedra –

onde falamos.

*
Atrás dos cogumelos de madeira
molhados de sereno –
uma silhueta sem rosto
vela meu sono.










11/20/2014

NOITE com LEONOR SCLIAR-CABRAL















NOITE


Plena de enigmas, noite de presságios.
Insone abri a porta do jardim:
nas moitas os duendes que se amavam
emudeceram.

Um aroma de pólen, cio e néctar
impregna a mucilagem sob a grama
que as mãos vazias, ávidas maceram
até o cansaço.

Estremece ao luar a goiabeira
 os frutos caem podres pelo chão,
mole-molência rubra sob os pés
a esmagá-los.

E o corpo rola exangue pela grama
no declive de pedras e de folhas,
mistura de húmus orvalhado e sangue,
só de prazer.


(Leonor Scliar-Cabral, in De Senectute EROTICA
Imagem: foto de Anderson Dantas com Leonor, na noite de lançamento do Suplemento Especial de Poesia Ô Catarina em 14 Novembro 2014)


Texto e Imagem cedidos pelo blog do Autor, ÁLBUM ZÚTICO

11/10/2014

LANÇAMENTO ESPECIAL de POESIA SUPLEMENTO CULTURAL Ô CATARINA!






































Convido a todos para o Lançamento Especial de Poesia do Suplemento Cultural Ô
Catarina! 

Os melhores poetas de Santa Catarina estarão presentes!!

Abraços!!

11/06/2014

[...]



eu quero um cavalo que se dissipe no ar e em cuja pelagem anoiteçam os sete segredos do meu hino de melancolias

em tudo, meu lugar nenhum. meu próprio cavalo azul

que tem sido sistematicamente chamado pelas bocas de uma legião de desaparecimentos de crianças, homens e mulheres

se tudo eu peço a esse deus em que não acredito

e que nunca me disse "levanta e anda"
e que nunca me disse que será meu o reino dos céus

eu mesma digo

pela minha boca, no fundo das bocas da distância em que estou de mim. exílio. no espelho
o olho do meu cavalo azul que não tenho. sem nome

11/01/2014

Noite passada fui tragado por um espelho
            Alguma coisa de líquens vampiros naquelas margens,
            De seres desclassificados na sedimentação do rancor
            Como se do outro lado do espelho
            Da vida, imerso em nada mordente de musgo,
            Meu sangue se esverdeasse todo em transparência
            À intensidade anímica de um porco espinho.

            Não há reflexo que não vomite monstros
No sonho da razão.

Nada de palavras que não arrombem simetrias.

            Você não vai se reconhecer.

            *
            Você ainda pensa que estão te esperando
            Mensageiros, espiões, ou todos aqueles
            Que foram massacrados no caminho.

            Você acredita que o tempo é todo seu.
            O tempo, essa vertigem de arames enrodilhados
            No vazio deixado por deus quando suicidou-se em universo         
            Conheceria bem os seus projetos.

            Você ainda supõe cautela e justiça
            Rumo a um final de sabedoria
            E que toda premeditação um dia será premiada.

            Você, com essa coroa de punhais caindo da janela
            Você, em cujo peito se anuncia uma constelação
            De vagalumes alucinados
            Gritando seu nome, o seu nome podre, na surdez pétrea do mundo.

            

10/07/2014

A luta de um corpo frágil contra a parede.
            O medo, sobretudo
            Apreciamos um delírio confortável.

            Um deus mentiu sobre si mesmo
            E criou o universo?

            Você me avisou que no futuro eu odiaria.

            Eu disse que era impossível,

            Mas estava errado.

9/14/2014

Como matar a criança que nunca nasceu?
            Nos perguntávamos.

            Em meio à seca ela subia montanhas
            Trazendo água para nossa sede
            Com a pele toda trincada.

            Como é possível matar essa criança?
            Ela incomoda, extemporânea,
            Mas do vazio de seus olhos entorpecidos
                        Vinha uma luz que aplacava o breu
                        De nossos corações sugados de tanta gravidade.

                        Como mataremos a criança inexistente?

                        E ela estava morta.
           


9/02/2014

Em memória à esquizofrenia de Kafka
            Um território não pertence a quem nele cava
            Amacia a terra severa e fecunda
            Até que os dedos se tornem raízes.
            Mas aos guardiões de olhos mortiços nas suas fronteiras.
            *
            Em memória à epilepsia de Nietzsche
            Vê-se uma bela escada
            Pavimentada com corpos de jovens mortos
            E fuzilamentos simulados – a lâmpada
            É de eletrochoque altruísta.
            *
            Em memória à paranoia de Kerouac
            Uma figura de Big Sur
            Queimada e jogada num cinzeiro.












8/24/2014

Como são gentis os mortos,
Principalmente os jovens

Os que morreram antes de qualquer mácula.

Como são doces as lágrimas
De auditório por todos aqueles que morreram
Comprovando nossa perdida ingenuidade.

Mas não quando seus ossos
Emergem na violência das ondas.

Não quando seus cabelos
Brotam nos jardins.

Não quando seus gritos
Atravessam larvas nas paredes.

Não quando pombas de olhos vermelhos
Pousam sobre os filtros que limpam nossas águas.

Sempre os mesmos.

8/10/2014

na cidade industrial



o anjo se arrasta
pela calçada e sonha com a ruína
da cidade industrial enquanto mede
com os olhos vermelhos a distância
e a trajetória do voo impossível
até o Paraíso onde queima a sua alma
inexistente como o azul da voz que ecoa
em sua asa amputada. A ponte
que leva pra dentro tem chão de vidro
moído e ele escreve com passos e sangue
as palavras que suas asas riscariam
nos céus – é mais fácil medir o chão
imaginário e por isso sempre
mais letal, mas não se deve olhar
pra trás e tentar ler as palavras
cor de vinho que vazaram sobre o pavimento
feroz porque a asa
que sobrou arrasta suas penas e borra
a tinta antes que o sentido
evapore. Entre
despejos, catástrofes e flores febris, a asa
solitária é um aleijão, inútil
como  poemas que cicatrizam
na pele da memória enquanto
anoitece, iluminuras
que acendem com seus códigos
as luzes das avenidas.