6/29/2014

Um dia no observatório

Você por aqui?
Quem diria. Quem me dera
um planetário de estrelas e cometas amarrados no arame farpado
e esse fosse o nosso Teatro.

Tem uma gritaria danada nas rachaduras da parede
e um microscópio poderia explicitar a cratera nesta pequena fissura.

Dentro de milênios, tudo vai ruir:
que torturados afoguem mágoas na cerveja,
enquanto o edifício é implodido.

Exceto minha surpresa presa, sabe?

Não. Sério.
Não estou acreditando.
É você mesmo?
E olha,
onde você está?
Aqui!
Bem na mira.

Do telescópio.

É melhor então olhar lateralmente
ao inexprimível mistério de espelhos distorcidos
uma vez que as distâncias entre planetas mostram certa progressão
o quinto membro não correspondendo à natureza
do que deveria planar entre Marte e Júpiter
estes sim, que realmente existem
e assim, o desconhecido para nós
passearíamos em espaços de pensamento procurado.

Mas não seria perda de tempo –
e tempo é poder –
ó divina máquina de xérox?

Então.
Até por isso reagir assim
como um sapo esguicha você por aqui
logo você
e justo justamente aqui, nesse quartel?

Resguardando-se a opinião para o último blefe,
alguma coisa estilo
sorrindo,
logo existo.


6/27/2014

[SEM TÍTULO]


/ por Mar Becker


aqui

onde os espelhos se turvam como luas órfãs
e os úteros caem da árvore da ciência do bem e do mal
e rolam no chão
e rolam
infinitamente

aqui

onde os santos nascem com ralos
no lugar das bocas
e os cabelos são farpas de algum alfabeto de arame

medusas em aço
inoxidável

aqui
exatamente aqui

onde as camisolas das irmãs carmelitas giram em torno do animal
como satélites
suplícios

o boi que eu mesma abati
e pendurei no gancho
vi sangrar até o fim
vi que não fechava os olhos depois de morto

nas bocas vivem centenas de gritos
nas cabeceiras das camas estão os terços
e elas se acordam à noite
e os rebentam
e os rebentam

as contas rolam no chão como úteros em miniatura
como luas órfãs
como olhos de bois mortos
Sua ingenuidade chega a irritar. Não há mais tempo.
Cidade é máquina de sucção que dissipa vitalidade, jogando sua luz bronze amarelada para o alto, como se fosse colorir-se nos prismas de gelo que flutuam no primeiro perímetro de um universo sonhado sem periferias.
Patas articuladas de insetos arranhando vidros. Dentes à mostra e uma elipse abstrata de ironia nas risadas. Múmias cultivadas com afinco. Todo espelho é uma lâmina em potencial.
Só que em toda essa comédia, o curioso é que a luz anêmica não supera nem mesmo as primeiras camadas de nuvens.
Quanto mais alto, mais é noite.   

*
Desde os tempos bíblicos, a humanidade zomba da estupidez de tipos como os caranguejos.
Não sabem nem mesmo como se recolher em segurança à sua toca.
Tudo o que é da lama, que respira pelo lodo, faz a gente sorrir.
O fogo-fátuo é a tentativa mais tola da natureza de impressionar.
Não há lugar no paraíso para esse tipo arcaico de alma.  



6/20/2014

            Brasa pálida.

            Dedos finos, mão fria
            Joga cinzas
            Sobre a tarde.

            Mosaicos coloridos
            Dentro de pálpebras. 

            Punhos firmes
            Invisíveis
            Comprimem corações
            Opacos pela noite.



6/06/2014

Aquilo é uma laranjeira

Uma mulher muito bonita
            sem rosto
            povoa de azul os instantes disseminados
            pelo sonho
que toda noite
            reinicia, como a respiração
            entre palavras
            em músicas de Bob Dylan.

            Meu despertador
            é uma língua áspera
            de cachorro-sombra
            babando em meu rosto:
            quero dormir quando quero acordar
            quero acordar quero dormir
            quero dormir e acordar, acordar e dormir,
            quero dormir ao acordar, acordar ao dormir,
            preciso de sono
            e lucidez, um pouco.

            Ao sol, a pele dos meus braços
            é mortalha negra
            retorcida
            de onde goteja
            um orvalho de morte
            e deserto lunar.