5/28/2008

Castelos



Como teu pássaro, sem ar, me perco.

Como vinho derramado em página envelhecida,
sou ardor de tempo,
madura e forte:

transbordante.

Sou castelo de areia estalando ao sol:

- intacto -

(por enquanto).

5/25/2008

nº 79








Quando não tem fronteiras a tristeza
e o olhar de dentro do olhar
(fora de si) anda em busca do tempo
perdido, sem medo das arestas,
você percebe que não há
margens onde se possa por
os pés e parar (‘riscar uns versos
com o corpo, no ar
’) e que sua pele,
morta, restou além da fronteira
inevitável, no apagamento das bordas,
dos limites, no universo infinito e
agora contaminado por outro
infinito, o tempo, e a lama que carrega
o seu fluir, antes do fim da queda
você enxerga que o limite é só
você – cruzando a cidade, o vento
que toca sua pele já deslizou
pelos rebocos, folhas, espelhos, e aí
seu corpo é só outro objeto, carne
quente, fome, desejo, porque
o espírito é uma entre muitas
possibilidades, a que carrega
o espanto e a dor que você gostaria
de poder largar em qualquer
ferro-velho.




(das "Notas Marginais").

5/21/2008

Séduction













Em meio às palavras e letras
suas mãos espalmadas pedindo as minhas.

Seu peito empavonado
bem à minha frente.

Escondo-me em minha situação,
conteúdo e forma combinados:

medo e tempo

tempo e medo

e o dia de sol ardendo em meus cabelos.

As crianças gritam ao nosso lado:
a vida vomitada em faces rosadas.

Até quando? - eu me pergunto,
e o eco se repete tantas vezes...

O espaço é grande.

Vai ser um tipo de tortura delicada e o torturador

Ah!

Adoro vê-lo.
- Odeio vê-lo -

(menino bonito)

Ele apenas me encara.
E se mostra.

5/19/2008

nº 77




Outono ardente (tantos anos
depois de outro verão, gelado
até a medula, mas como se
coladas, por um estranho salto
da história, uma estação
na outra), pura sangria, ainda
que não se saiba se haverá
espetáculo todo dia em seu
circo particular de horrores,
os olhos querem desgastar
imagens, repetir, repetir,
no disco arranhado do tempo
em que a lua gira sem eixo
e você pretende, mais uma
vez, desarmar a metafísica
por dentro e expor a carne
à sua natureza e seu destino.

Notícias de uma cidade barroca

1.
Anjos brotam
como bolhas, gritando quase
esmagados pelo peso dos santos
cravejados de caveiras,
mortos a quatro balas

na estrada que liga Ouro Preto a Mariana.

2.
Velhos se escondem
no teto da nave central,
sentados à mesa
de jacarandá misturam o chantilly ao chocolate
meio amargo
usando a cruz
de prata como colherinha.

3.
Cidade macabra, roída
De minas, esburacada –

Corpos enterrados

Nas pizzarias:

Guias turísticos e garçons
Negros, velhas moedas de cobre
Negras, terra ocre
Nas mãos negras
Fotografam velhos ruidosos &
Grupos escolares:
Conjurados e ex
escravos.

4.
Poesia em colunas
Vertebrais salomônicas

Nos cartões postais

Pinturas neobarrocas são ilustrações
Neoparnasianas à venda
O ouro escondido dentro
Das unhas. Daqui não se vê
A diferença entre ornamentos
E uma parede que grita.

5/14/2008

nº 78



O mundo é plano, enfim, e cada vez
mais superficial – não há, descobridor, mais nada
sob o verniz nem música nenhuma
de esferas que afinal
são só formulações de quem, perplexo,
espera imóvel em seu lugar, embora
ausente, porque partiu
em busca de si mesmo e isso
é em nenhum
lugar.


(das "Notas Marginais")

5/13/2008

Dialetos de Brasília 1 (Gueto da margem central dos excluídos na praça dos poderes)

Pois é
Véi
Tipo assim
A gente
Hiponegoçado
Meio que
Talvez

A veia velha
Véi
Fechada
A boca aberta
Do extintor de incêndio

Mesmice no maor
Mormaço

Ei
Mas que papo
Mais
Sei lá
Eu hein
- heil - Véi

5/09/2008

Explicação do dia

a véspera do fim já pulsa em outro calendário
futuro e postergado,
e o sol que cruza o céu desse futuro
arde na carne e acentua
o seu zinabre

este dia de sal e de fuligem
tem os pés em outro espanto, outra
véspera,
na insônia que vestiu a madrugada
e a prata de seu som
incendiou o que era só, a flor,
flor desbotada, o riso na sacada
não revelou o que lhe ornava e o que
lhe precedia

e o que lhe precedia lhe negava, a voz
de um outro dia, antes,
repetido, a véspera,
conseqüência de nãos e de auroras,
de procurar a fonte em terra seca

este deserto foi o que seguiu
a uma outra dor
na face anterior da via estreita,
folha arrancada a frio na espiral
onde o futuro ardia
e incinerava

a semente do deserto era vazia
e foi lançada ao chão despedaçada
no dia anterior,
e seu adubo é a página extraída
e o erro, o erro de nascer e de arriscar
uns passos tão precários
e um desejo

e esta manhã, esta pulsão
de carne e de desejo, esta agonia,
foi subtraída à flor de um outro dia
ainda prévio e sem pacto
com a esperança

mas sua raiz, o caule
que o vento dobra, o frio
efêmero, era só aspiração da terra
de alcançar a flor
que levitava
o caule era produto de outras horas, anteriores,
mais outra véspera
e sua secura nunca vi de onde vinha,
que cais de pedra em vínculos com a noite
ansiava por naus de ar que não tornariam

o oceano, o sal, a tempestade,
a baixa da maré, o casco de corais, ventos contrários,
e velas enfunadas,e cordame,
atravessaram a alba, sua parede,
a luz noturna ou
sua ausência, o crepúsculo, a tarde, o meio-dia
e outra manhã
até chegar às âncoras de agora
e ao extravio aqui nesta manhã, hora absurda,
superfície, agora, e o que sobrar
é subsolo, água abissal, desterro,
espelho de silêncio,
vão, degelo.


2005

5/06/2008

Estação Tietê

Uma das experiências marcantes da minha infância foi entrar no Rotor da Feira Agropecuária de Anápolis. O brinquedo era completamente enferrujado e quando começava a girar rangia, num som parecido com o da chegada do metrô. A velocidade aumentava e você ficava grudado nas bordas de ferro do Rotor. O pessoal da feira o chamava de Rotor Visceral por causa dos vômitos, mas principalmente pelo contraste com os bonecos de papelão do trem fantasma, ridiculamente mal feitos, os pobrezinhos não enganavam ninguém. Penso nisso agora como um tipo de exorcismo, porque o trem fantasma era muito mais apavorante do que o Rotor. Triste verdade para o brinquedo sincero.
Agora, um dos meus sintomas neuróticos é precisar tocar o metrô sempre que chego a São Paulo. E isso para ver se ele não é de papelão. Sei também que todas as paulistanas que me esperam no Tietê são de fato engrenagens vazias. Escondido atrás das paredes, um bando de garotas blasé de carne e osso, cabelos vermelhos e coroas de arame estilo miss Brasil controla os interruptores de luz. Tudo preparado como uma armadilha para a ilusão da minha chegada triunfal (mais à frente o que vem é o banho de sangue e os modismos barrocos, sei disso porque já me cansei de ler os poemas do Mário de Andrade e vi todos os filmes sobre Gotham City). Foi neste mesmo jogo de espelhos que Cornélio Pires se fez de caipira, sou um cara precavido. Mas se alguma destas paulistanas, não as de mentira, mas as reais que moram dentro das paredes da estação Tietê, pelo menos me desse um sinal de vida! Eu enfrentaria os guardas municipais e os vendedores de discos piratas de Elton John, só para transar com minha paulistana de fato e de direito nas águas do Tietê e eu teria na boca um gosto entre o amargo e o salgado, definitivo, visceral. Mas por enquanto entro no metrô, observo os morcegos de isopor, os vampiros luminosos de terno e gravata, e na saída penso em comprar uma maçã do amor numa daquelas máquinas de livros e refrigerantes.

5/01/2008

Tango

levantado do chão
as retinas dormitam
onde o sangue bate mais forte
e a carne pulsa

por conseqüência:
dos quatro estados da alma
nenhum serenou
tangido feito um boi
no matadouro
o coração sem opções
vasculha o fundo e
lentamente
rumina

1996