5/06/2008

Estação Tietê

Uma das experiências marcantes da minha infância foi entrar no Rotor da Feira Agropecuária de Anápolis. O brinquedo era completamente enferrujado e quando começava a girar rangia, num som parecido com o da chegada do metrô. A velocidade aumentava e você ficava grudado nas bordas de ferro do Rotor. O pessoal da feira o chamava de Rotor Visceral por causa dos vômitos, mas principalmente pelo contraste com os bonecos de papelão do trem fantasma, ridiculamente mal feitos, os pobrezinhos não enganavam ninguém. Penso nisso agora como um tipo de exorcismo, porque o trem fantasma era muito mais apavorante do que o Rotor. Triste verdade para o brinquedo sincero.
Agora, um dos meus sintomas neuróticos é precisar tocar o metrô sempre que chego a São Paulo. E isso para ver se ele não é de papelão. Sei também que todas as paulistanas que me esperam no Tietê são de fato engrenagens vazias. Escondido atrás das paredes, um bando de garotas blasé de carne e osso, cabelos vermelhos e coroas de arame estilo miss Brasil controla os interruptores de luz. Tudo preparado como uma armadilha para a ilusão da minha chegada triunfal (mais à frente o que vem é o banho de sangue e os modismos barrocos, sei disso porque já me cansei de ler os poemas do Mário de Andrade e vi todos os filmes sobre Gotham City). Foi neste mesmo jogo de espelhos que Cornélio Pires se fez de caipira, sou um cara precavido. Mas se alguma destas paulistanas, não as de mentira, mas as reais que moram dentro das paredes da estação Tietê, pelo menos me desse um sinal de vida! Eu enfrentaria os guardas municipais e os vendedores de discos piratas de Elton John, só para transar com minha paulistana de fato e de direito nas águas do Tietê e eu teria na boca um gosto entre o amargo e o salgado, definitivo, visceral. Mas por enquanto entro no metrô, observo os morcegos de isopor, os vampiros luminosos de terno e gravata, e na saída penso em comprar uma maçã do amor numa daquelas máquinas de livros e refrigerantes.

3 comentários:

Eliana Pougy disse...

Olha o estereótipo... hehe.

Daniel F disse...

Oi Eliana, você tem razão. Escolhi o Tietê porque é a estação perto da rodoviária e foi meu primeiro impacto com São Paulo. Tentei retomar minha primeira reação, de caipira que vê São Paulo pela primeira vez. Só podia mesmo ser estereotipado. Mas acho que o texto brinca com essa situação.

Beijo,

Daniel.

Aldemar Norek disse...

gosto muito destes seus filmes, Daniel, com todas as entrelinhas que eles têm, todas as direções (sentidos) que eles sugerem.
abração.