6/23/2013

Tento entender a natureza paradoxal do vazio. Não por intelectualismo, mas por acreditar que o entendimento pode ser a última alegria que resta. Vazio voraz habitado por dentes, dentro e fora, acima do visível imaginável e no mais profundo de si. Escavando emoções, corroendo corpos, limando o tempo – dentes de matéria sólida ou luminosa, indiferentes à natureza do seu alimento.
No abrigo escuro do meu sangue, no coração hermético, um peixe sacia sua fome cravando seus dentes muito finos, enquanto eu respondo sempre igual: “tudo legal”.


***

Eu e Torquato caminhamos por uma rua, chão de areia, luzes amarelas, leve ladeira. Ouvimos o rumo do mar. Uma civilização extinta nos observa pelo telescópio. Pergunto se o excesso de vitalidade pode matar alguém. Quando não há o que ser acusado por nosso destino. Esses observadores são tão impassíveis quanto nós, quando olhamos as pedras no fundo de um rio de águas muito frias. Poderiam ser nossos antepassados. Ou suicidas paralisados no último segundo. É como o caminho de mão única de uma música composta por um morto que te conhece tão bem: porque o ouvinte vivo devolve a aparência de vida para a voz que se consome – que se consumou.
De vez em quando passo por essa rua. Quando eu morrer, toda essa fantasmagoria vai comigo para o túmulo

6/12/2013

Cidade sitiada por enchente

1.
Caninos reluzentes e anéis de ouro brotam
do lodo, do rosto oval do Absoluto,
homens sujos de terra com máquinas de nomear,
criaturas do Trocadilo de unhas bem cuidadas.

Terra de cova, de cadáver, de lamaçal amazônico, de apodrecido cerrado, poeira de garagem, fuligem de ministério, maquiagem brutal
do terror; seus oficiantes são sacerdotes que dão murros nas mesas em síndrome de visceral denegação.

A história sibila como o rotor da pimentinha, seu corpo desintegrado se equilibra na paranóia com que o serviço secreto estuda as formas mais inventivas de tampar os cus de Médici, Ustra e Fleury – o tirano deve ser íntegro e precisa cagar por um buraco mais higiênico, nos sete matizes do rosa.

Um filete de sangue corre pela valeta da rua dos testemunhos dos comedores de mimeógrafos, depois de intensa busca panfletos homicidas atribuídos àqueles que serão mortos são extraídos dos rins de peixes envenenados pelos resíduos das usinas ao passo que o médico auxiliar receita um buscopan.

A foto do mito morto e uma cadelinha para estuprar.


2.
A mente es-
quece o choque guardado
no corpo, para todos os efeitos:

o engenheiro em Birmigham
o jovem no porão
pensam sobre o enigma –

a corrente
da eletricidade, o brutal
curto-circuito da história –
ser contemporâneo
de um gorila.

Na calçada, um homem de cotovelos
estraçalhados
executa Bach para os passantes.


6/05/2013

Verde viscoso emerge do obscuro, algas nas paredes, seu corpo se dissolvia na espuma

do colchão, a luz que antes caía num espaço sem altura onde toda queda é impossível, condensava-se e capturada num mundo todo nervos, luz curvando-se em olhos de

pálpebras pétalas da noite que via o mundo e voltava a dormir, apagando-se.