7/29/2010

A agonia da espera

A agonia da espera

Saga, vida, morte
Letra, palavras, rastro
Amor
Afeto, dor.

Espera...

Esperar o fim
Outros começos?
No leito de morte dela
Por quanto tempo?

À espera da hora da morte...

Passagem, travessia
Dor
Silêncio, aceitação
Afetação.

Associações momentâneas
À espera do último instante
Noite à dentro.
Madrugada a esmo.

O coração desespera, acelera
Máquinas, tecnologias
À espera...

A esperar à morte da minha mãe.

Passado a noite
Ela esperava o dia e minha saída para deixar de suspirar
E deixar em lembrança sua marca na vida:
Alegria, amor, esperança.
24 e 25/07/2010

7/28/2010

E tudo mais jogo num verso, intitulado mal secreto. (Jards Macalé e Waly Salomão)

Minha ex-mulher e minha futura namorada estão conversando. O sonho é meu e dele não participo. Please see if she's wearing a coat so warm to keep her from the howlin' winds, este seria um primeiro fundo musical. Não pelo frio, desconhecido neste norte, mas pelo espírito. Só não sei quem leva e quem recebe a mensagem – tem um caminho mais fácil, mas quero evitar a ingratidão. I gave her my heart, but she wanted my soul. Já isto, sei bem o que significa. Minha ex-mulher e minha futura namorada estão conversando, felizmente elas não falam de mim. Existem tantas coisas urgentes no mundo. A cada minuto que passa há um rumor a menos, uma língua a menos, menos palavras para multiplicar as inúmeras formas da dor e da alegria. Ronald Macdonald, o maior Iconoclasta de todos os tempos, o Transgressor intransitivo, dinamita a torre de Babel e o Progresso é um Moloch Estatístico para quem toda vida é perda (de tempo). É um alívio estar ausente entre mulheres de amplos horizontes: um norte além dos marcos patrióticos da bandeira habitada por uma sombra devoradora de culturas, pela morte escondida no estardalhaço megalomaníaco dos acadêmicos paulistanos sobre os matos virgens dinamitados em nome da segurança nacional. Intérpretes do Brasil, colecionadores de vocábulos exóticos que zombam do índio condenado a usar ornamentos de pena de galinha e a pintar o corpo com pincel atômico. Onde elas estarão no coração do Brasil, onde o Brasil estará em seus corações, no sonho sem coração de um sujeito sem norte? Elas conversam, o sonho é delas, do meu sonho não participo.Lentamente, vou sumindo do meu sonho, como todo dramaturgo sou desnecessário quando o cenário está montado. Elas estão se entendendo, apesar da diferença de densidade entre o que passou, o real irremediável, e o que virá. O futuro é uma promessa, um sonho de que não participo. Peço à minha ex-mulher e minha futura namorada que não deixem o sonho ser assassinado pelo vento gelado, pela tempestade do real. Tudo o que ouço é um rumor, uma língua que não entendo. Elas parecem se entender, mas vão sumindo no horizonte enquanto eu desperto lentamente.

7/25/2010

bug

lá fora amores à última vista atravessam
a cidade e fica difícil se concentrar na conversa
porque 2 ou 3 os idiotas (você ainda está
na dúvida se incluir a si mesmo é mais
realista) na sua mesa exibem sorrisos
frenéticos, trapos
com etiquetas Richard's, olhares calculados e fé
nos seus salários do banco federal
de desenvolvimento e na migração
de capitais até mercados atraentes

eles insistem nos seus sorrisos de filme
B quando dizem que encontrar a mulher
ideal é difícil mas sua procura é uma delícia,
eles parecem acreditar que isto é
a felicidade, a sua cota de transcendência
nos mercados da vida, aqui é um bar
irlandês numa ladeira da Lapa e o mundo
todo exala toneladas de imagens
falsas sobre você neste exato momento

em que a trilha sonora liquidifica sangue,
glitter, as dez mais e um blues antigo
e rascante que se desloca para o fundo
mais escuro do corpoe quem, como
você, olha para a rua, quem como
você não acredita, quem
se pergunta porque este chão pisado
por Madame Satã, este chão entranhado
de sereno e mágoa, este alguém
desconfia que os amparos do sentido
andam rodando como um carrossel
em marcha à ré com engrenagens gastas

os inocentes de Manhatan não sabem
de Madame Satã, vão precisar consultar
o índex da academia em que uma sombra
dele pode morar, onde outras sombras se movem
no estilo touch screen, mas a caverna
ninguém sabe se existe – os dois
que sorriem existem e estão
a fim de levar pra cama o seu amor
à última vista, ela pode ser a mulher
da suas vidas, ela pode ser uma noite
extensa, uma noite longa e profunda
que atormentará seus dias, ela poderá
ser um slide fantasmático na ruína
de seus futuros ocos e amparados pelo banco
de desenvolvimento, poderá ser o delírio
da carne, ter pernas mágicas, boca
de prodígios, pele ardente, poderá ser
o esquecimento, ser a chave, o labirinto,
ela está ao seu lado e aparenta não
saber, aparenta não sentir como pulsa
o coração do sentido, como pulsa
o desejo por cima das pedras
do pavimento, como seu corpo quer
atirar-se sobre ela buscando o que está
além, amparado só pelos sentidos,
amparado e só

nem eles, nem ela, nem você
sabem onde vão levar todos os desvios
desta noite.

7/23/2010

Dar o fora 2

Sem porta de saída
O si mesmo
Se armadilha, a não ser
A luz que explode nos olhos
Contra os túneis.

Nas paredes há mensagens
Solicitações de alistamento em lutas
Derrotadas
Declarações anônimas de amor
Todas iguais, de alguém pra ninguém

Converso comigo

Em frente a cartazes rasgados
Também existem assinaturas
Ilegíveis, vestígios, só
O que resta dos gestos.

O negócio é jogar tudo
No chão
Quando, ao subir a escada,
A escuridão do túnel for rompida
Por fora. Por aí.

Dar o fora, antes que as sombras
Pesem demais
E você desista.





7/21/2010

retorno ao inferno interminável

você desce ao inferno
de escada rolante e ele está cheio
de meninas louras falando línguas
estranhas, elas
têm bocas que você gostaria
de desejar com qualquer tipo
de sinceridade,
com aquela pureza que o desejo
esqueceu ao lado do cinzeiro
no motel de quinta da rodovia
quando saiu batido, você erra
pelos corredores do inferno e descobre
mais escadas, mais corredores e não sabe
se são vitrines ou quartos escuros
estas cavernas em que as meninas
exibem sua penugem de água
oxigenada e seus sorrisos
de propaganda enquanto você
se sente a sombra deambulando
na galeria de luzes
feéricas, artificiais e o real segue cifrado
em bits no sistema servidor
central, ligado
por cabos ao caixa, você
não tem nenhum trabalho pra descer
ao inferno, ele se abriu
como um útero quente, como um buraco
molhado e pulsando por onde
seu corpo escorrega, você
está fodido, mas ela não tinha
um girassol nas mãos, o girassol
estava escrito no ventre com pétalas
excessivamente amarelas enquanto no ombro
uma petúnia ameaçava
com um perfume doentio o resto
da sua vida e o mundo
girava perdido como um grafitti no meio
daquelas omoplatas.

7/20/2010

Dar o fora

Neste mito da caverna
Você é a caverna,

A máquina travada
Projetando na pedra fria
Luzes em movimento
Máquina fascinada
Por seus fantasmas
Pura eletricidade.

- Curto-circuitar-se
Na cegante luz
Da alegria que vem de fora.

Dar o fora.

Por aí.

7/18/2010

domingo, mesmo

ela anda assistindo o mesmo programa de domingo
que se repete vinte anos:
tomei uma coristina, mas não consegui sintetizar aquilo
que o tempo tem de ácido, nem descobrir
com o que sonham as meninas que só são inocentes
quando sonham, seria melhor
ser um bárbaro de botequim, um rebelde
no restaurante arrotando na frente
de senhoras escandalizadas, seria
bem mais confortável acreditar que a margem
é mais confortável , e mijar
na frente da platéia o ácido que o sangue arranca
do tempo, seria melhor
acreditar na minha falta de fé,
nos desertos pós-estruralistas
que a menina da academia tentou
me descrever numa carta antiga, a menina
da academia está ao mesmo tempo conformada
e desesperada e pagaria
seis das suas sete vidas por onze
minutos de sentido, esta menina
dormiria com Godzilla, venderia
o que lhe sobrou da alma depois
que se rendeu ao método e desaprendeu
a escrita com o corpo, depois que perdeu
o último bonde para o campo
minado e bate palmas
frenéticas para a acrobacia de um cara que ainda acredita
nas palavras, que ouviu a resposta
sem saber a pergunta, ela mente
pra mim e é por isso que somos
iguais, ela pagaria qualquer coisa, faria em público
aquilo que lhe incendeia o centro
sem centro do seu corpo, mas o mundo
não vai se abrir de novo
nunca mais.

7/16/2010

Alegria existe - está de passagem num albergue por aí. Aos poucos seu sangue denso e escuro vira verde água-marinha. Os dias leves, como bolhas, saem palavras das bocas de duas lindas garotas de óculos laranjas e antenas, dois anjos ou dois aliens. E mesmo quando você encontra a moça russa e espera um daqueles extremos literários dostoievskianos e se depara apenas com uma neurótica muito assustada com o Rio, você sorri para os seus olhos azuis que sorriem de volta.
Dias de alegria num aquário, pela leveza, pela água que está a caminho de se rarefazer, tornar-se ar. A gravidade das coisas inexiste enquanto você sobe os degraus íngremes do casarão, ou enquanto você se deita em frente ao mar cor de verde caipirosca. Seu destino, impreciso, está conectado com o dos animais estranhos que vivem no fundo do mar. De fato, você se tornou um deles. Esta é a alegria do mergulho ao ar livre.

7/14/2010

Do caminhar à encruzilhada

Do caminhar à encruzilhada

Adoecer, ser, sendo...
Frente à frente ao inferno, ao paraíso e ao purgatório ao mesmo tempo.
Frente à frente ao nosso inferno:
Nossos demônios se sentem mais livres nessas horas.

Belzebu ri, Deus ri, os arcanjos riem: os vizinhos fingem que choram.
Nenhuma imortalidade, nenhuma alma, nem chão.
Somos reduzidos ao que realmente somos. E o que somos?

Frente à morte as coisas talvez simples, pequenos gestos.
Por exemplo, uma massagem no cotovelo.
O som da voz se vai...

O toque reduz a dor dos dois lados.
O toque torna a coisa mais coisa.
O toque reduz o devaneio.
O toque alimenta dois moribundos.

Frente à morte o combate?
A coragem, o carinho, a paz do bem morrer: onde está a boa morte?
As artes de morrer ressuscitadas.
Não temê-la: estar diante, como um samurai.
Olhar a partir dos olhos já sem vida.

Vê-la, sentir, experimentar o som da música.
Sentir a falibilidade, perceber a frágil condição.
Escutar o harmônio, mas também a furadeira.

Diante da morte: a realidade se mostra mais nua.
Um peitinho talvez...
Deixar a tristeza sair e só!
Temor e medo de morrer no meio do caminho. Ou longe do fim pensado.
Impotência do agir, do fazer. Só o sentimento pode, apesar de.

Agora e na hora da nossa morte
Deixai a poesia e a música sair e entrar pelos poros:
Sopros de vida, quietude e amor.

Amor eis a palavra e gesto que finalmente sai...
Entrai também pelos poros.
Agora e na hora da nossa morte.

Minha alma neste instante se transmuta em um espírito cristão.

Senhor, tende piedade de nós.
Morte, tende piedade de nós.
Vida, tende piedade de nós.
Agora e na hora da nossa morte!
Na verdade, tudo parece ser mesmo impermanente!

7/13/2010

Distinguir

1.

O que você não ouve, mas escuta (a música grudada na cabeça, a conversa com o Ausente, conversa com alguém consigo mesmo, como no sonho).

O que você ouve, mas não escuta (o blablabla, o alarme, a canção do vendedor de gás).

O que você ouve e escuta (quando se é “todo ouvidos”, raramente)

O que você nem ouve nem escuta (a respiração lenta, o ar rarefazendo as conversas, até que elas passam)


2.

O rarefeito e o raro: ainda que com os olhos marejados. As lágrimas podem ser mais sutis do que o ar. A leveza de viver num mundo-aquário. (Como a água é mais instável, as lágrimas também podem ser brutas).

7/12/2010

O Ponto do Silêncio

O Ponto do Silêncio

Para meu amigo Estrada

Lembro-me da conversa sobre a pontuação... Ponto.
Tenho que trabalhar, mas a poesia clama: desce e sobe...
Minha mãe acamada pede uma massagem.
Uma massagem na dor da doença.
Quem está doente?

Phatos, atos, ação, pontuação.
Phatos, afeição, afetação: afeto.
Um dia fui feto desta que agora luta e pede um afeto.
Ato. Ponto. Pontuação: ação e finitude.
O que vem depois do ponto?

Ela precisa de contato para que eu sinta
Meu coração.
Pontuação, ritmo para sentir o misterioso
Silêncio.

Pergunto e exclamo, mas o silêncio (confortante e angustiante) passa rápido...
O que fica? Talvez a interrogação invertida.
O som do sono, a voz dos sonhos?

A música transborda
O som penetra a presença
O som penetra o olhar com dor
Sinto o ponto.
A linha, a curvatura das palavras, o ritmo de algo misterioso:
A calma, a pausa. Meditação.
O que continua? As reticências.

A luta pela vida e a aceitação da morte.
A triste contemplação da dor.
A força contra a acídia de onde vem?
Da amizade e do amor.

Rodopio dervixe: dança, desaceleração.
Por instante sinto a pontuação.
A vida e sua suspensão: estar entre parêntese
É aceitar estar entre
e para além do mar da subjetividade subjetiva.
Talvez o gostoso seja um dia penetrar, inscrever uma marca no
Misterioso ponto de todos os pontos:
Nada melhor que um mergulho no infinito das palavras que ainda não existem!

Tenho que parar: ela pede mais uma massagem.

7/06/2010

O quarto é um inteiro girassol
Movendo-se na penumbra, luz amarela
Na parede, pétalas.

No chão acima do meu teto
Uma criança faz soar o hokku
Jogando bolas de gude.

Por um momento, recordo o menino
Sozinho no quarto, concentrado
Como se nada
Estivesse em jogo, a não ser um lance
Preciso.


Isso também passa. A luz
Se acende e o girassol
Se apaga.

7/04/2010

Um amor em Ipês

Um amor em Ipês?

Para a minha figueira

Tenho que parar o carro (não estou embriagado)
Desacelerar em um segundo
Parar e ouvir o som
O som dos Ipês

Confundi o tempo dos Ipês
Os vi como paineiras
Não percebi em seu(s) silêncio(s) que evoca(m) a vida
A beleza pura-híbrida dos Ipês

A cidade em comunhão com o céu
Azulado e anulado pelo anil celeste-brigadeiro
O brilho do sol toca
Cada flor dos Ipês perdidos pelas ruas: Ipês talvez sejam as ruínas do flâneur

Condenados a uma duração quase-vazia
Preenchidas apenas por seu breve desabrochar
Momentos de cor, qualquer cor ultrapassa minhas possibilidade de contemplar
Me lembro dos tucanos do Ora-pro-nobis

Agora são os Ipês das Minas
Ao lado de um tesouro recém descoberto: encoberto estava...
Tesouro: guardado, partido, legado.

Presentes da natureza
Alegrias que iluminam os dias de inverno: quase-raios dos dias
Alegrias que justificam a permanência da via e do viver

Se não fosse o amor e os Ipês da natureza
Só veria tragédia e ruínas:
Esperança, espera, esperma das nascentes
Nos fazem sonhar em plenitude fraterna

Os Ipês aliados ao amor que desabrocha
Devolvem a vida a ingenuidade infantil:
Vontade de simplesmente acreditar, de ter esperança
Ao pelo menos, brincar com as palavras sem esperar
Algum efeito e forma
Apenas uma tentativa de comunhão com as flores que já caem

A doença materna ganha, assim, poesia e poiesis
Lembro-me
Ainda bem que o tempo não é ainda das paineiras
Os frutos e botões das paineiras ainda são como figos
Ainda desabrocharam
O tempo das paineiras ainda não é
Em breve o tempo das paineiras chegará
E até lá é tempo de amar, pois é também tempo dos Ipês

É tempo de pescar as pérolas dos Ipês
E as outras poucas que existem por aí
É tempo de (pre)enchimento das fissuras
Dos nossos vazios floridos
Pena que seja sempre incompleto e instável:
As belas fores caem e há que se ver a beleza do vazio e da rua florida:
desafios incertos e tortuosos como os galhos a esperar o próximo inverno

2010

O tempo dos Ipês (Reedição)
Para Igraine

Em pleno ritual sagrado
as palavras seguintes baixaram
como uma pomba-gira.
Hoje de supetão minha filha perguntou:
"o que é o tempo"?
ela disse que para ela o tempo era o relógio
mesmo antes do relógio mecânico já existia o de
sol ela me disse.
O tempo é o relógio? (acho que ela queria me perguntar também)
Tentei explicar que sim e não. Fiquei sem saber o que fazer
foi aí que disse: o tempo são as flores do Ipê amarelo.
O tempo é relativo: qual é o tempo das flores do Ipê amarelo?
Acho que ela pensou: as horas do relógio do Ipê amarelo duram um ano
para florir,
os minutos uns meses florindo e os segundos são as flores caindo.
Fiquei com a imagem e a pergunta:
qual é o tempo dos Ipês?
qual é o tempo das suas flores?
belas flores
que florem o céu e a terra
Não há palavras e explicações!
queria ensiná-la a sentir os tempos
queria sentir os tempos
Pelo menos aprendi a desconfiar
e desconfio que o tempo caleidoscópico
dos Ipês é:
amarelo, branco, roxo e madeira.
2009
Você caminha entre girassóis.

Se tudo é novo sempre
Inversamente
Tudo é sempre despedida.

Você não caminha entre girassóis,
Você está parado
Sentado, olhando a parede:

A luz movente de uma vela
A impressão de girassóis, dançando
Aproximando-se, desaparecendo
Na parede.

Você não colherá os girassóis.
Eles não são nítidos

Nem você é nítido

É a sua própria sombra
Projetada na parede
Que cria a impressão de pétalas amarelas.

Você caminha entre girassóis
Eles foram regados com lágrimas:
A mais pura e nítida água.

Girassóis renascem,
Entre sombras e sempre novo
Adeus:

Ainda assim,

Girassóis.