7/31/2011

Poema tirado de comentários no youtube



Aí esse que morreu já dá pra ver o sangue escorrendo lá ela matou bem o bem mata bem os dois favelados pena que um correu um inútil a menos pra sociedade parabéns à polícia brasileira ela queimou pelas costas podia ter estourado a cabeça a bala entrou nas costas você quase ouve o pipoco até fico de pau duro pensando no barulho de osso de favelado preto se arrebentando mas a cabeça é muito pequena o certo é meter fogo na nuca que mulher mais corajosa quero me casar com essa dona primeiro ela chupa o cano do revolver depois nem precisa comentar né se todo policial fosse assim seria mais gostoso é cada vagabundo que merece se regenerar é no inferno ainda bem quase esburacou a costela de porco que tava ali ali ó no balcão podia ter pipocado a melancia que prejuízo a sociedade mas foi só o lado esquerdo da costa do vagabundo bandido tem mais é que morrer não interessa por onde a bala entra eu trabalho pra dar balas pros meus filhos porra só quem critica a Heroína é Zé ruela os dois favelados nem sabem onde carregar a arma são dois incompetentes que andam de chinelo foi uma ação de legítimo ataque ela só errou na tática devia ter metido a bala no cérebro do primeiro comido a massa cinzenta espalhada no chão metido bala no segundo e pegar o sangue ainda quente pra fazer uma panelada ao molho pardo pra servir no jornal nacional de qualquer jeito é um vagabundo a menos não tem que dar voz de prisão a voz do povo é a voz de deus e está provado que deus é canibal

7/29/2011

Falsos poemas do interlúdio

I

Entre dois
nadas
Sobrevive
a poesia


II

A moça do carro
sozinha e assustada
me vê atravessando a rua

Ela, mesmo assustada,
não me deixa passar.

Por que, mesmo que por medo,
não me fez uma falsa gentileza?

Fiquei pensando:
hoje em dia, ninguém faz gentilezas
nem para as pessoas que dizem amar,

Quanto mais
para o desconhecido sozinho da rua...

III

No vazio da espera
uma lágrima cai
sozinha
sem motivo.
Não molha nada.

Enquanto o nada não chega
leio Drummond no shopping,
por puro cansaço da existência.

IV

Enfim, casa arrumada,
poucos problemas,
um pouco de dinheiro sobrando
no bolso.
Profissão estável,
silêncio,
liberdade.

Enfim, infeliz.

V

Ontem disse que não conseguiria
te amar.
Meu coração está vazio
e não sinto o que queria sentir
por você.

Hoje,
nós dois,
sozinhos e tristes,
encontramo-nos,
cumprimentamo-nos como amigos,
olhamo-nos nos olhos
– foi quando vi tua tristeza –
e trocamos palavras vazias.
Tu foste logo embora.

Eu,
sozinho,
entro na livraria.

VI

Até quando dura um nada?

VII

Vi o teu retrato por aí
mas não senti nada.
Não sei quem és
o que sentes
se me amarias.

Da minha parte,
apenas a espera.
Olhando um retrato
de quem talvez
um dia me conheça.

A vida num dia

Entro no elevador. Um garoto, por volta de 12 anos, cego de um olho, entra com seu pai: um vaqueiro. Fico olhando o mostrador, como fazem todos os que se incomodam com esse tempo curto mas lento de nada fazer e intimidade forçada em elevadores. De repente, o vaqueiro me segura pelo braço. Nada posso fazer, sou um fraco urbanóide. Ele fica me dizendo, por que você mexeu com meu filho? Foi ele, não foi filho? Foi sim. Eu? Eu mesmo? Tem certeza? Vocês não estão me confundindo com alguém? Escuta aqui, você está sentindo o que está na tua barriga, olha pra baixo. Olho e vejo e assim que vejo começo a sentir a pontada de uma faca. Vai você meu filho, vai você. Fico olhando perplexo, sem ter o que dizer.
Na luz do dia, ela me diz que eu devo ter sido um fazendeiro filho da puta numa vida passada e no sonho fui cobrado por isso. Eu não, não acredito em vida passada, não desse jeito: um eu que vai se desdobrando, rebatendo, entre situações, como uma bola quicando pelo mundo. Mas, por outro lado, tudo o que acontece tem causas infindáveis e intricadas de um modo quase ininteligível, para além da imaginação e do controle do euzinho aqui. Poderia ser o seguinte: meus antepassados do nordeste, suas fazendas, suas histórias. Sempre ouvi que eles cometeram as piores violências. A donzela enterrada viva com o escravo com quem tinha trepado. De tudo isso há memória em meus pequenos atos de arrogância. No sonho fui cobrado por isso. O menino deve ter cismado com uma de minhas primas, hoje misturadas à poeira, e teve o olho direito vazado, só como lição.
Começo de noite. Desço o túnel: íngreme espiral. Monotonia de espaço curvo, fracamente iluminando, com chão, teto e paredes cobertas pelo mesmo carpete marrom. Ando colado à parede: a curva é fechada, como se andássemos em círculo ao redor de uma simples coluna cervical, vertigem leve num estranho labirinto. Ao fundo, a cratera iluminada, onde ela me fala de amor trocando olhares com outro. E fala sem dizer nada, apenas girando o corpo, os braços quase transparentes sob a luz intensa brancoverde. Ela e o outro se olham fixamente, eu me vejo sendo amado por meio de um artifício que me faz ser ninguém. Entre os deuses ctônicos, a vida pega fogo: ela se desdobra como se de seu corpo brotassem pétalas-labaredas que só se acendem quando se chocam com minha mentecoração. Eu estou ausente, no escuro: novelo de nervos expostos. No fim de tudo, ela me procura.
Dormimos abraçados. No vazio.

7/26/2011

Sonhos - II

aguardava que medissem minha pressão.

*

as caixas do sistema de som da clínica transmitiam a seguinte mensagem: doutor marcelo, emergência, doutor marcelo, sua esposa aprenderá contorcionismo para poder chupar o grelo.

*

quis avisá-lo que os pássaros também pinçam as penas quando se viram para o lado em que a rainha morte dorme.

*

(box casal, queen size, de mármore.)

*

uma enfermeira fazia vitrine-viva à porta do consultório. meu nome inteiro, lembrei depois, reverberava naquela boca acrílica. havia chegado a hora: sentei-me no banco ao fundo da sala.

*

a braçadeira transformou-se em questão de segundos num corpete para moças anoréxicas. era o meu sangue, o meu pulsar intermitente, que a mulher fechara a vácuo. a velcro.

*

seus dedos longos masturbavam freneticamente a bomba de ar. tive medo de falir, sim, de morrer

*

por excesso de hemopornografia.


(Também publicado no blogue da autora.)

7/23/2011

São tantos os motivos pro amor não dar certo. A começar pela absoluta imprecisão sobre o que significa dar certo (a medida do sucesso é tão burocrática (e a burocracia interdita

o amor)). Vejo as ruas desta cidade perigosa, a noite caindo como um estranho dourado sobre o céu azul, um pastor evangélico e uma ex-atriz vociferando contra

o amor e como eles merecem o aplauso do cara solitário que leva sua caixa de cerveja pro apartamento onde vai passar o feriado de corpus christi tocando

punheta sobre o amor, indefeso amor. O cheiro de tiner que sentimos ao ler o jornal e como se dizia antigamente os caras só querem meter

a faca e como o amor é celebrado, as frias flores tristes na vitrine e o que significa ser feliz, usar a buceta da mulher amada pra estourar

pipocas enquanto a cerca elétrica mata pássaros e meninos e um anjo

caído queima um bilhete premiado no canal de esportes. E nem tudo é questão do lado de fora, ainda trazemos o veneno, veja como quando você respira se engasga todo com os sapos que vomitam em sua garganta e mesmo que não queira ou acredite deve prestar contas porque se a felicidade é exigida junto com o amor a Alegria e o amor são interditos e não há nada de mais ridículo do que um professor apaixonado se perguntando onde ela está onde ela está com esse monte de citações encobrindo o seu corpo sagrado

amor.

7/17/2011

Do meu caderno de experimentações - 1

SEM TÍTULO

1

rótulas, gaiolas.
ejaculação de voos pelo cálcio, ave-osteoporose.

2

corpo é cerca cio adentro.

em cada felpa, em cada farpa,
um anjo errado irriga a sua cidade vascular.

3

como é alto o som na ponta escura
desta corda, incubadora-kamikaze,

4

como é fino
este cordão umbilical para virar cabo-de-guerra.

5

(todo amante
atira o filho da sacada que há nos fundos, no final,

do coração.

todo sol atrás é um ninho de fuligem e de fumo.)

6

corpo é um terço
muito curto, uma oração que aperta cristo,

7

(rótulas, gaiolas),

parapeito em que chacais
se inclinam para entrar na vida de cabeça.

8

caem os órgãos aos pedaços.
comunhão de porra, muco e baba.

9

morte vem lubrificada: fácil passar.


(Também publicado na Revista Germina.)

7/15/2011

Já que estamos falando de sonho...

1.
Quando sonhamos choramos por dentro
Espasmos de alma
Ou de corpo, é incerto.
As lágrimas não são mais
Leves – apesar de acordarmos
Com o rosto enxuto e os olhos
Em poucos segundos livres
Das larvas que comiam as pálpebras
Por dentro e claros para um dia
Turvo.
2.
Quem leva essas larvas
Pra dentro de si
É outro – elas te perseguem
Sementes plantadas em tua carne
Por algum lavrador: incógnito,
Elas roem a alma com palavras
Inventadas pelo absoluto
Alheio: quem seria o autor
Se todas elas são você
Em seus sonhos, nem delas
Nem teus – não são de sua lavra
Essas larvas que carcomem
Os olhos
Por dentro.

7/13/2011

Sonhos - I

(Marceli Andresa Becker)

afundava a colher no musse de maracujá — numa das rachaduras finíssimas que o creme inventa depois que gela — quando me lembrei do sonho da noite passada.

*

teria de inserir um pen-drive no pé. havia um corte específico à espera na região mais delicada da sola. era uma fresta, uma janela vasculante, enferrujada, de onde se conseguia enxergar o açude rubro em que me ensopo diariamente.

*

(a poucos metros de profundidade o tétano tomava conta de um peixe. quanto mais próxima a morte lhe parecia, caveira cáustica, mais a sua boca se abria, se abria, para cantar.)

*

fixei contra o peso do corpo aquela imensa verruga plástica. pendurada, assim, virava brinco em formato de tala (pense nas que são usadas para imobilizar braços).

a tarraxa era o meu osso.


(Também publicado no blogue da autora.)

7/10/2011

Conversa Fiada com o Capeta (vulgo Dr Penico Branco)

Com minha gravata preta de papelão, toda estampada com desenhos de copos mais a palavra cocktails em cores amareloverdes vivas e brilhantes, amarrada no pescoço por uma corda de nylon, abro as portas do Porão Inolvidável e... quem me espera de braços abertos? O Dr. Penico Branco e seu tridente.
- Welcome Mr Ego. Você por aqui?


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Tem uma roda dentada soltando faísca no corredor de entrada do meu ap já to vendo a hora que a parede vai ser arrbentada e no meio da poeira uma mistura de Demônio e Doutor Penico Branco vai aparecer e me dizer: Eu estou aqui! E isso não é metáfora e nem alegoria é literal, tá rolando mesmo. A alma desse demonio e doutor penico branco é assim mesmo: uma roda dentada que fica girando em soltando faísca dentro da sua pança e por isso ele tem tanta raiva não importa de quem é de quem estiver na sua frente e isso também é verdade eu vi ontem de madrugada naquele documentário chamado O Exorcista.


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Você está possuído pelo demônio quando se coloca na obrigação de replicar a ele, escolher um dos lados do dilema que o cramunhão te impõe. Não pro acaso: o demônio é dualista, diabolos: dois. Não por acaso, um de seus codinomes é MuitasVozes. Se você responde a uma simples pergunta demoníaca, você está no sal. Se você se justifica para o capeta, pior ainda. Um rolo compressor vai transformar sua alma em fita cassete onde estão gravados os Sete Nomes do Inferno. É como se diz por aí, com o demo não se argumenta, não se retruca, ele não vai mudar de idéia e se desdiabolizar, deixa ele pensar que está certo, meu caro!


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Um fio de esperança: estilo mensagem demoníaca de Star Wars: no fundo há bondade nele. Esse é fio que o demo vai usar pra enrolar em teu pescoço e te esganar e como suas palavras vão sair sufocadas da sua boca! elE vai deixar entender que elE pode ser salvo, que elE tem suas virtudes, no fundo, lá bem fundo. É: no fundo. No fundo dos Infernos meu amigo!

7/04/2011

Ler é hipnotizar-se

Gosto de ler dizendo em voz baixa as palavras dos livros que amo. É como se alguém conversasse comigo ao mesmo tempo dizendo: não é com você. A suave presença silenciosa dela dormindo enquanto ando pela casa. Tudo o que resta da sabedoria, ou porque toda sabedoria é resto. Hoje antes de abrir o livro vi um pedaço do céu vermelho pela janela. Quando nos falamos, sua voz estava triste ou cansada, não sei bem. Mais cedo eu li um bilhete de alguém me cobrando sobre qual é minha mensagem. Isso eu li em silêncio. Não sou um ventríloquo de doutrinador. Agora leio essas palavras de um livro amado, cicatrizes em fundo brancoluminoso, enquanto penso em outras coisas. Sei que continuo lendo porque meus lábios se movem no ritmo das palavras enquanto divago, alguém deve estar recebendo-as por mim.


*

Escrevo loucamente para calar as conversinhas de mim comigo mesmo, alguém não sei quem fala comigo quando me desdobro interlocutores. As palavras, jogadas na tela ou no papel, são cicatrizes de um silêncio almejado.