11/30/2008

Fantasia fantasmagórica

você é um fantasma
e uma fantasia
em minha vida.

sonho e pesadelo,
você dorme e ressuscita.
desperta e me assusta: ressuscita o passado,
o sentimento guardado e adormecido.

como um tufão, furacão, terremoto
eu tremo
me perco em minha perdição

você surge inesperada esperando
a minha espera
espera dormida, sonhada e silenciosa.

você surge me assusta
me move, mergulho

você tem ritmo
vai e vem

eu e meu coração a deriva

11/29/2008

Algumas brincadeiras com palavras (ou um adolescente aprendendo a escrever)

1º. Ato

O tempo dos Ipês

Em pleno ritual sagrado
as palavras seguintes baixaram
como uma pomba-gira.

Hoje de supetão minha filha perguntou:
"o que é o tempo"?
ela disse que para ela o tempo era o relógio
mesmo antes do relógio mecânico já existia o de
sol ela me disse.
O tempo é o relógio? (acho que ela queria me perguntar também)

Tentei explicar que sim e não. Fiquei sem saber o que fazer
foi aí que disse: o tempo são as flores do Ipê amarelo.
O tempo é relativo: qual é o tempo das flores do Ipê amarelo?
Acho que ela pensou: as horas do relógio do Ipê amarelo duram um ano
para florir,
os minutos uns meses florindo e os segundos são as flores caindo.

Fiquei com a imagem e a pergunta:
qual é o tempo dos Ipês?
qual é o tempo das suas flores?
belas flores
que florem o céu e a terra

Não há palavras e explicações!
queria ensiná-la a sentir os tempos
queria sentir os tempos

Pelo menos aprendi a desconfiar
e desconfio que o tempo caleidoscópico
dos Ipês é:
amarelo, branco, roxo e madeira.

2º. Ato

Me pedes que fale

Fale de sonhos

Vale a pena ter esperança em sonhar sobre ruínas?

Sem dúvida, o que são dos sonhos sem ruínas

E das runas sem ruínas.

Esperar a esperança, "desesperar jamais".

On toujours sait bien et n'est sais rien.

J'ai sais pas.

On moins il faut essayer d'être vivant.

C'est toujours : tous jours

Jolie la poésie en français mélange ( ?) avec le portugais ?

Ô pessoa e Pessoa ! essa alma minha partida, quer partir

Quer retornar a aparência. O devir me chama pela chama presente ausente

De um ser sendo ou nada.

A angústia do viver me contagia de forma a não saber o que sonhar.

Sonho os sonhos. Talvez meus sonhos sejam esperanças de pesadelos melhores?

Estou fora da morbidez. Estou dentro da espera, expectativa.

O problema é que não sei o que sou, nem vou saber.

O problema é que não sei o que quero.

Às vezes acho que não poderei ser feliz com expectativas pequeno burguês (também minhas) de uma família feliz.

Talvez a esperança resida, como você disse (dizendo das minhas indecisões, da minha incompletude completa),

Nos gatos.

Gatunamente para dentro e para fora. Vivendo o devir temporal da existência, felinamente com um simples e irônico

Só riso.

Só rindo mesmo!

Essas palavras a esmos são o que sou agora, hoje. Um homem

Um projeto de homem perdido com as palavras, a fim de ser

Apenas um pequeno burguês.

Em busca da felicidade da família.

Mas, sobretudo em busca do amor. Da completude incompleta eternamente do amor.

Amor: onde encontrá-lo? Em mim? Em ti? No universo?

Não sei, mas sairei pelas ruas agora em busca da resposta dos gatos.

Miau!

Desejaria ser

Mais irresponsável? Mais centrado? Mais eu? Cuida-te de ti: ô pobre mortal!

A mesma poesia que corre

Falta

Eterna falta!

3º. Ato

tem jeito que quer
acreditar
creditar
no amor

amor eu te perguntaria: vc é uma deusa traiçoeira?
vc é algo que se possa acreditar?
o que distingue vc da paixão?
por alguns amam e outros só tentam?
é preciso deixar nascer?

me dizem que é karma dessa vida e de outras
não tenho tino para o amor (a paixão me domina?)

quem queria acreditar no amor?
me falaram que queriam acreditar em ti: é possível?
é preciso ser crente?

não sabemos quase nada de ti amor,
mas sabemos que quando vc aparece
é a coisa mais linda que se viu passar

mas vc só passa? ou é possível permanecer?
parece que há alguns segredos que só alguns sabem
será que se eu for a terapia poderei começar a amar?

me diz aí amor pois tem uma amiga
que diz que quer
acreditar em ti

eu pelo menos to precisando saldar minha dívida contigo
para só então começar a usufruir de algum crédito
ho vida justa injusta me pq quero tanto descobrir
os segredos amor

se que é que há
haverás?

4º. Ato

> ENCONTRO COM O INSTANTE
> 
> tem certos dias que se encontra
> tem certos dias que se desencontra
> e, ainda, tem certos dias que se reencontra.
> 
> o melhor, quase sempre, é quando se encontra
> desencontra
> e reencontra
> de um só vez (dans seule coupe e couple!).
> 
> o sol que nascia com minha chegada ( à la maison)
> indicia que sim.
> indícios são os detalhes que tornam a beleza da vida tão
> bela como as muitas e relativas renascenças.
> 
> porém, só tempo
> universal, absoluto, humano e relativo
> dirá algo sobre o devir.
> 
> por enquanto:
> foi bom esse encontro
> quase-marcado.
> 
> o instante, essa partícula de tempo,
> é que faz que os encontros sejam simplesmente.
> eles (instantes e encontros)
> não são eternos como as especulativas bolsas femininas
> são apenas o vento a solfejar um perfume.

5º. Ato

O retorno da grande narrativa, ou as 3 ordens da cultura e da política

XIX Utilitarismo[1]



XX Utilitarianismo[2]



XXI Futilitarismo[3]













[1] Marx, Manifesto Comunista: “Rasgou o sentimentalsimo feudal com a tesoura do cálculo egoísta. Agitação permanente nas pirâmides do Egito, artlharia pesada a preços módicos, construção inacabada da Utopanopticopia”
[2] Alceu amoroso lima. “O suicídio da burguesia”: “Olhares furtivos e acrobáticos flertando com a morte, durante e depois da missa. Cirurgiões usando serrotes e anestésicos”
[3] Washington Olivetto, Google. “Mais difícil do que ter uma grande idéia é reconhecer uma grande idéia. Especialmente se for dos outros!” (rsrsrs...)

11/21/2008

Santidade a preços imperdíveis. Confira!

Melhor não ter nascido seria
Melhor ser esquecido, historiadores
Do futuro vomitarão este miasma
Pra cima dos inocentes?

O encanamento enferrujado sob
As avenidas rasgadas como planícies
No meio de um vale desértico
Se misturou como um enxerto
Em suas veias, querida.

Quantas derrotas até chegar aqui,
Você vive nos parâmetros
Dessa metodologia, ancorada.

Mas, se você guarda as ofensas
Como um tesouro? Como você gosta de dizer
Elas te permitem fazer um gancho
Com o mundo & se quando você
Abre a boca se nota que a saliva
Foi substituída pela lama que restou
Da devastação do cerrado, querida,
Em suas lentas, pegajosas palavras?

Eu sei, não é você
Nem sou eu, a culpa é do tempo,
Fazemos bem em ser esquecidos
Enterrados em pleno deserto, ao invés
De cemitérios.
Nunca foi tão fácil ser confundido
Com anjos, você suspira, parece ter se esquecido
Que você mesma cuspiu lama
Nas asas encardidas de uma coisa parecida.

11/17/2008

O retorno de Maria Bentham

Você não leu Jeremy Bentham? Leu sim. Se você passou por uma escola, hospício,
hospital, quartel ou presídio, acredite: você já leu Bentham. Mais ainda, se você acredita que felicidade tem a ver com a máquina de calcular prazeres e dores que você carrega no bolso e se espera a felicidade à sombra do Legislador, você é Jeremy Bentham. No caso tropical, com uma pitada de sentimentalismo, você migrou para outra identidade, a de Maria Bentham. Apresento aqui a tradução do poeminha mnemotécnico que, segundo Bentham, todo bom governante deveria saber de cor. Pense no sentido amplo de governo, uma pessoa sem governo, um carro desgovernado, ou para seu governo você já leu isso e aquilo.


O poeminha:

“Intense, long, certain, speedy, fruitful, pure –
Such marks in pleasures and pains endure.
Such pleasures seek, if private be thy end;
If it be public, wide let them extend.
Such pains avoid, wichever be thy view
If pains must come, let them extend to few.”




A tradução:

Intenso, duradouro, certeiro, fecundo
Que venha logo o prazer, e puro.
A dor, assim, exconjuro!
Pra seu governo a punheta
Não deve passar de dez minutos
Se não, na certa é sarjeta.
No tempo ótimo, a punheta
Combate o câncer de próstata
E limpa do cabelo a seborréia.
Punheta não causa gonorréia
E acalma os nervos do apóstata

Punheta cura a fúria do capeta.

(Incuráveis, ao bêbado
E aos fornicadores
Que misturam os prazeres com as dores
De nada vale o bom panótico).

11/16/2008

Novo Pequeno Dicionário das Aproximações

Óculos (s.m.)
Artefato destinado a corrigir a visão. É, portanto, uma poderosa metáfora sobre a apreensão do real. Se você faz uso de lentes para perto e necessita olhar para longe, vê um horizonte distorcido, nebuloso. Se está portando lentes para longe e deseja ler, as letras resultam incompreensíveis (para aqueles que já apresentam este importante sinal de decrepitude chamado presbiopia). Se, para evitar esta situação dialética, você opta por lentes multifocais, tem que abdicar de olhar para os lados: qualquer coisa fora de um estreito corredor ao centro das lentes se lhe afigurará como um estranho baile de espectros, e aí tem que conformar a realidade a esta visada estreita, eliminando uma enorme parcela de informações que, muitas vezes, fazem a diferença. Depois de considerar cuidadosamente estas três opções, você percebe que está sempre enganado. Deve ser por isso que muitas pessoas terminam por sucumbir a formas variadas de anestesia, do ópio à programação televisiva, passando pelo álcool, pelo consumismo, pelo sexo ou pela literatura - como Flaubert, quando dizia que o único meio de suportar a existência é aturdir-se na literatura como numa orgia perpétua. Alguns tentam polarizar os efeitos de determinados anestésicos, associando-os dois a dois, ou mais. Todo o referido acima vale também para as lentes de contato, com o desconforto adicional de ter que enfiar o dedo no olho.

11/11/2008

O curso-fantasma

Um fantasma ensinando conceitos
Vazios a outros fantasmas,
Na boca do estômago de um grande fantasma, ou seja

O grande fantasma habitado
Por fantasmas contabilistas, fantasmas coletores de palavras
Mortas na respiração de um deus quase morto,
O grande animal envenenado
Com carne e vidro moído, ou seja

Vidro moído, a matéria-prima transparente
Na fabricação dos fantasmas, a multidão
Delirante dos fantasmas, a hemorragia divina,
As pessoas de vidro,
Os conceitos vazios, as palavras
Mortas na ponta da língua do fantasma
Orador e suas palavras de vidro moído, ou seja

Tudo isso
Colado no suor das pequenas metrópoles delirantes
Fantasmas, pesadelos de fantasmas herdeiros
De um fantasma que enterra fantasmas.

11/05/2008

nº 92




Fatos, só eles
são sagrados – “por isto aspiro
ao profano
”, ele disse, negociando
outra vez no intervalo
entre o espírito e a carne, nas margens
do corpo, ali
onde o desejo pulsa desesperado por fazer
sentido , lugar
abandonado tanto
tempo atrás, num dia
que envelheceu junto ao seu registro, história,
lembrança, memória de dor
degenerando células em alguma parte
do seu corpo, enlouquecendo
outra vez algumas doses acima, bem acima
do real.

A memória tem seu preço

A memória não mora
Na cabeça, é na boca
Do estômago
Que se come a memória.

Pergunte ao gato
Que persegue um besouro
A lógica da alegria –
Ele sabe o motivo.
Mas logo esquece o que sabe
E esquece que esquece
E vive fora do tempo
Das suas perguntas e não entende
Porque você lambe o osso
Das lembranças, como uma besta
Faminta.

É no vômito
Criado pela bílis dos mercenários
Injetado como soro intravenoso
Em seu fígado
Que se respira a memória, e tem mais

Você nunca vai se esquecer disso:

Por um precinho camarada os mercenários jogarão o gato morto num aterro qualquer de Cuberlândia, em troca você leva um buraco pesado como chumbo entubado em seu esôfago

como recordação.

11/03/2008

Um cão agoniza na rua, em frente à janela da sala coletiva da unversidade onde uso o computador. Até me esqueço da tagarelice em pequenos chiados que me cercam aqui, em meio a esta estética decadente de computadores velhos como vestígios arqueológicos precoces, usados por muitas mãos. Porque o cão tem os olhos amarelos, a língua esbranquiçada e a respiração funda de quem morre lentamente. Dolorosamente. Sua pele lacerada deve estar cheia de carrapatos, eles têm o dorso tatuado com listras negras que formam pequenos roteiros geográficos, pontilhados de flores amarelas. A pele do cão está grudada no asfalto. Sei que nas poucas vezes em que ele tentou se movimentar, o asfalto arrancou um bom pedaço de couro, e mais uma ferida se abriu na pele do cão. Eu sinto a dor deste cão porque seus nervos se misturaram aos nervos do asfalto e o asfalto está ligado a mim por meio dos raios de calor constantemente jogados na minha cabeça. Eu sinto a dor deste cão e por alguns momentos sinto que sou este cão. Da mesma forma que o asfalto, o sol também brinca de arrancar a dor da minha pele. Também vivo lentamente, ou morro lentamente o que dá no mesmo.

11/01/2008

nº 91


Lugar nenhum. “Se as palavras tocassem
o real (servido sempre
em postas
”, ele disse, “às vezes
quente como os hormônios turbilhonando
pelas veias) só me achariam
nas entrelinhas, fora
de tudo, ou
nem aí, deslocado
qualquer sentido que se deposita
sobre as coisas
”. Foi quando,
abraçado aos fatos, você formulava
outra religião com os estilhaços que lhe vinham
olhos adentro, cravados um a um
na carne da alma, carne
de um nome, palavra, se isso for
a alma – desprezando
as distorções da imaginação até devastar
todas as cenas, até
não sobrar outra escolha a não ser o deserto
para erigir o templo, num
prolongado silêncio entre
as miragens.
(das "Notas Marginais")