4/29/2012


Uma presença incerta, algo como um calafrio, uma visita inesperada. Olho pro teto: um pequeno cubo luminoso, semelhante a uma cigarreira com figuras humanas de perfil: azul claro em meio à escuridão. Digo: “não tenho medo e nem odeio”. Do cubo começam a cair pequenos losangos coloridos. Quantas cores: azul, verde, vermelho, amarelo: cada losango se abre e dele saem novos e menores losangos de cores diferentes: lilás, cinza, laranja, branco. É tudo tão lento: os losangos parecem se mover como se fossem animais marinhos, polvos abrindo seus tentáculos e procriando vidas de seda. Antes de os losangos desaparecerem ao tocar meu rosto, novos e novos se abrem, sempre menores – e cada vez mais coloridos. Uma sensação de tranqüilidade: ou a presença se foi ou ela se dissolveu em meu rosto, que brilha suavemente na escuridão enquanto desapareço.

4/28/2012




o ritual preparatório da ginasta abramovic é muito intenso poucos suportam alguns voltaram esquálidos ganhadora da medalha de ouro do silêncio na última exposição pública internacional do MOMA ela ficou sentada calada sentada ereta eu olhava ela sentada sentada ela se prepara para a vida com dor.

e finalmente o doente terminal do hospital da esquina foi desligado dos aparelhos e com alta dose de morfina terminou sozinho sua morte.
O que passa por estas tubulações, de apartamento a apartamento, de edifício a edifício

canalizado por dentro de onde vem

o ódio, vem o medo. De minhas pernas vão brotando raízes e um sujeito se enredando em sua própria e alheia seiva envenenada caminhar é cada vez mais difícil.

Um justiceiro a cada esquina e você de refém

do espírito da época.

Há um estranho arco-íris brotando de sua boca, alguma coisa mais com a cara

de uma falha no sinal da televisão. Alguma coisa assim parecida com a sopa primordial de onde algum dia quem sabe brotará

a vida – se rolar um seqüestro um

relâmpago.




4/27/2012

Seu Cu



Eu nunca pude lembrar de você.
Nem no instante em que te via
As imagens encaixavam.
Não sabia o que dizer
Quando perguntavam se você era bonita.
Porque você mesma, completa, inteira,
Não havia.

Seu nariz violenta a dimensão
Dos olhos, pincelados a esmo no oliva do rosto.
Os quadris puxam duas pernas
Pelas tribais entre serpentes,
Aparentando grande esforço.
Teu torso tem tal textura ao toque,
As coxas têm outra -
Seu aço cirúrgico fura a carne
Sugerindo ligações galvânicas
Com traçados que os relâmpagos não repetem direito

E o coração
É alado, tatuado no peito.

O resultado, que se pode ver nas fotos
Cada vez é diferente, de repente
Toma a frente um elemento
E rearranja de imediato todo o resto.

E assim ia a coisa
Até que um dia
Depois de abraços e sorrisos
Seus multilábios disseram, molhados:

"Olha,
Esse é meu cu."

Impedindo, deixando,
Contraindo, relaxando,
Fez sentir aquele pequeno trecho
Cada reflexo a manter unidos os gemidos de seus mil pedaços.
Do veludo eriçado da nuca em crepúsculo atrás das costas aos espasmos da mão na buceta, dos saltos de fôlego aos movimentos difíceis das pernas em decúbito, seu cu dava notícia, transmitia em ondas as mais sutis variações. Os fluxos nervosos de todo o seu corpo começam e terminam nessas bordas, e com o desabrochar das dobras pude sentir lá no fundo, pulsando como um centro de estrela, todo o amor que lhe faltava.

E ainda falta.

Mas hoje eu sei do que lembrar
Quando penso em você
Comprando pão na padaria
Rindo do espanto de quem fica te olhando
Pulando na pista que nem louca
Aos berros no meu ouvido
Dizendo ser minha amiga

Seus olhos rascunham um soslaio
Sua boca é um talho de cutelo
Onde os raios metálicos constelam sem jeito
O coração exangue desbotando sobre o peito
Mal-entendidos, polêmicas, revertérios
Serpentes nas pernas à deriva

É tudo uma grande zona.

Mas seu lindo cu
Sua malva sensitiva
É meu ponto de fuga
Que põe sua alma em perspectiva.

4/26/2012

TFC

Eu acho que foi de propósito
Eu sei que ela sabe de fato

Passei meses debruçado
Sobre sua indiferença. Ela (1),

Que com seus vários problemas
Vive o paraíso da minha ignorância,

Olha pro lado
Como os garçons que chamo

(Se eu te chamar, venha)

Você não está preso no rodapé
De uma






















_______________________________
1 - Tradutora feminista canadense.

4/25/2012

DEDICADO A VOCÊ

Quando leio no meu mural
você dizendo
sau
da
des
aqui em casa Johnny Hartman
canta na maior precisão
algo que adocica a
dor todo talento assim dedicado às
coisas do coração e
nada fica igual naquela voz porque os
volteios cada nota se funde e
ecoa o sax de Coltrane
tudo parece agora dedicado a você.

Quando leio no meu mural
você dizendo saudades o
 tom macio daquelas vogais parece
uma menina de patins
deslizando macias as
rodas virando suave para parar e
voltar mais uma vez o
amor crescendo pelos ares e
portas faz tudo movimentar a
canção parece que sente
aqui em casa sinto o
vento agora no Rio
alto verão e muito calor.

4/23/2012

desvio para o vermelho, 2

(Desvio para o vermelho, de Cildo Meirelles)



Alice voltou do sonho mais completamente
só do que antes Ela veio atravessando o vazio
entre dois desertos e sem achar ninguém que lhe dissesse
bem-vinda O mundo estava resumido a poucas palavras
e o sonho não era mais um lugar pra onde
se voltasse Ninguém para comunicar as decifrações
elaboradas a punho, perdendo sangue, nem o amor
de sua vida, deitado ao seu lado, num universo
paralelo Ainda lhe dói o estrago da grande explosão
mesmo que o seu ruído agora se confunda ao mínimo
arrulhar dos pombos e seu brilho não passe de um desvio
no espectro, imperceptível sem equipamentos pesados,
como cabe a qualquer passado Neste dia Alice cruzou as pontes
incineradas do sonho e passou a contar os anos aos pares até
montar peça por peça o espólio do incêndio, o seu museu
portátil, sua história natural
Vestir este leve dourado
Cintilante
Como um véu

Sobre os olhos.

A luz que atravessa
As nuvens
Prestes a irromper em chuva.

Desejo cegar
Os meus olhos
Nessas asas translúcidas
Do poente

Não quero mais ver
Ouvir
Essas mandíbulas de formiga
Mastigando rancor
À sombra da estátua de uma andorinha
Obesa.

Quero me enxugar
Do lodo cuspido por tais
Almas. Que fiquem
Em seus corredores
Remoendo, dizendo
Sins e nãos
Com as mãos.

Que sequem as lágrimas
Com a terra impura
De seu terreno
Baldio.

Meus olhos serão minhas lentes –
Não vou me salvar

Mas não ouvirei seus lamentos
E aplausos
Ranhetas
À sombra da tarde, do ocaso
Da vida.

4/19/2012

Movi-Nove

Ó grande número
Escrito no muro
Tonto te embrenhas na área útil
Tantos convergem num tijolo único
E o carinho das margens intrépidas
Puxa ao centro sua paisagem
Escora o esquife pra grande viagem
E espalha a lembrança
Pra além do seu destino

Número que eu conto que encontro com amor
Tenho fome mais velha de te contar
E nesse sonho sou herói
Encarei até a lua
Na espera de uma soma
Tumba onde pareceu
Que pereceu o seu contrato
Morto de fome como um rato
Ainda adoro vesti-lo sem conta:
O embonecado.

4/18/2012

desvio para o vermelho



(my red homeland - anish kapoor)





Alice não tem mais tempo Senta no chão
e chora Suas lentes estão gastas desde que o Outono
desfez-se como um pesar sobre a natureza Ela
não tem mais tempo e mesmo assim gostaria
de ouvir o rugido que vem das estrelas ou
do espaço entre elas ou não se sabe de que
nenhures vem este rumor que se confunde com a cidade
trincando suas engrenagens enquanto
as galáxias se afastam com ela no centro
sem endereço fixo vendo as estrelas indo embora
como efeitos locais de tanta espera e inventando
teorias pinçadas do se que observa nos escombros
de ser quem é Alice não tem mais tempo Ela
permanece olhando o passado em estilhaços
que são espelhos que fogem com as galáxias
pra dentro de si mesmos apagando pistas Ela
senta no chão e chora cada descoberta como
o acidente de estar no centro e só enquanto
as luzes se afastam antes que se pudesse definir
de onde vem a sua urgência Ela não tem mais tempo
e os pombos não podem mais voar Não podem mais
levar nenhuma carta

4/15/2012



Quem disse
que é preciso atenção?

A Elza soa para
ninguém,
e eu, balbucio para poucos:
vivo nos cantos,
nas paredes,
Gregor Samsa afeminado
clamando pelo pai.

E ele:
nada.
(Ele nadava cinco piscinas
e me mandava ficar calada)

Sou voz

- escondida -

na porta do armário,
presa pelo meio,
mordida pela metade,
gosma branca,
cicatriz.

E você?

ideia fixa




Não sei porque este vício de arrumar, não
as coisas, que estas nunca se prestam ao
desejo de ordem, previsão total,
sentido, mas às palavras que nos dão

notícias delas, sempre vagas , no espaço
de catorze versos, dois quartetos, dois
tercetos, feito uma engrenagem que mói
tudo o que processa em métrica e em compasso

antes determinados, numa ficção
que a gente chama ‘escolha’, ‘vontade’, ‘arbítrio’,
e logo se desdobra em outra, esta aqui,

da forma fixa sobre o mundo, ilusão
que inflama em quem escreve um sonho, o delírio
de ter nas mãos o destino, o seu devir.

4/14/2012

O medo de ficar só é que so

mente ninguém nunca fica só, tantas estrelas – má sina – ocultas detrás

do sol.

quando vocês falam, me calo – me calo as vozes que falam comigo, calando
fundo – quem são vocês, que demônios cultivei

em mim, ou cultivaram mãos alheias, vozes estranhas, quando estou
na balbúrdia do dia elas se calam, quando vocês falam

papo água, tagarelice, tudo é melhor que este silêncio povoado

de vozes – estrelas de má sina, absinto, quando me fecho em meu silêncio – quando acordo

como são acordados os insones – quero dormir ao lado de vocês, sonhar como se eu fosse um estranho a mim mesmo, ausente

mandem notícias

estas vozes me corroem por dentro, estrelas de lodo sobre meu isolamento, vozes grudadas na parede, vozes de mortos

amados pelas ruas, presença sinistra à minha sombra, estrela de má sina, desgraça de não ser um

só.

4/11/2012

désir







mover as mãos delicadas
japanese
Butterfly

olhar par des yeux
bleus
de Bovary

gingar o corpo
afrobrasileira
mente

brincar
tupi
guarani

devir
um brinquedo
colorido

e seu menino

vibrar
corda de violino esticada
véu desmanchado em cachoeira alta
que se espalha em minúsculas gotas
até misturar-se às folhas, flores, animais

não-ser

esquecer.



?




Se Deus é justo
- ou se a Justiça existe -
porque as crianças sofrem?

É isso o que nos perguntam
os gritos infantis da madrugada.
É isso o que nos chega aos olhos
quando o sangue
- pisado -
salta das pequenas faces
que dançam ao nosso lado.
É isso o que nos assombra os ossos
quando sentimos seus pequenos vultos
- esfomeados -
nas janelas e nas calçadas.

É essa a pergunta sem resposta. 

Ficando racional

Você fica racional, não
De uma hora pra outra, é preciso
Deixar o lodo se espalhar nas paredes
Do crânio

Escavar –

Cada semente alucinada é como se fosse
Uma idéia

Ele e ela são duas caixas de fósforo
Trocando olhares – você os interrompe
Chacoalha – confere – as caixas
Estão quase vazias:

Isso é o que chamamos de método.

4/07/2012

A sanfona fumegante. Um testemunho.

Não acredito, de novo parabéns pra você vindo dos vizinhos. São mulheres cantando: vozes de coro de igreja encefálica, de lavadoras de roupa asfáltico-esquelética, de gralhas roxas. Eu fecho os olhos e é como se a luz continuasse por dentro das pálpebras. Elas têm sangue, as pálpebras, e no entanto nunca vi um vampiro que as mordesse. Não faço questão de dizer que sou feliz, como as velhas do apartamento vizinho. Seriam bruxas? Suas vozes dançam na névoa que eu mesmo criei pra me esquecer que isso tudo é real. Elas gostam de canções românticas e uma delas, em especial, parece acreditar que canta bem. As outras aplaudem. Quero mergulhar no blues. Não sei o que o sol vem fazer em Brasília, num sábado à tarde. Eu também gosto de canções românticas, mas outras. Do tipo que ninguém ouve. Eu queria casar bem cedo, Manuela – o som picotado porque o cd é pirata e a gravação é vagabunda.

Minha coluna vertebral sopra alguma coisa no meu crânio, meu cérebro é um balão, um anjo acaba de se achegar e tragar a fumaça que sai de minha orelha. As vozes das velhas cantando parabéns para você é um revestimento melancólico para o meu balão que voa por Brasília – literalmente, já que moro no terceiro andar. Isso é o que me faz pensar na palavra enfurecido. A fúria é alguma coisa queimando na cabeça, produzindo fumaça. Começo a me irritar com o som que não funciona, sopro fumaça pela orelha, os anjos devem usar isso pra poder cantar em algum lugar que não aqui e então, se não posso dizer que estou exatamente calmo, estou leve como quem voasse pro ar rarefeito onde a calma repousa.

Me chamem de e.t, sem noção, lugar-comum, gasparzinho o fantasma camarada.

4/01/2012

entre os demais





todo o tempo esperando
esperando através dos dez mil dias que você passou
sozinho esperando
um deus atravessar o quarto iluminando o verso
perfeito esperando mesmo
sabendo que ele não vem completamente
só esperando com algo belo
nas mãos dentro das 4 linhas e sem saber
o que fazer quando o adversário estiver parado
esperando você no meio
do ringue