12/29/2010

Ano Novo? Oração pra amanhã e pra noite que se aproxima

Escrevendo como um louco pra tapar os buracos. Este vazio na boca

do estômago. Nascemos num mundo sem deus e a luz é abundante, mas insuficiente pra aquecer nossas almas congeladas de pavor. Oito-Olhos é apenas alguém que acredita no mundo e na vida, atravessa todos os túneis e considera a morte, a sua meu amor e a de todos outros, um fato consumado. Entrevejo anjos se dissolvendo nessa luz fraca pra aquecer nossos corações, mas forte pra destruir o tênue fio do desejo. Como o desejo é forte pra me fazer sentir que sou apenas um e um é pouco e o tempo não é curto é apenas fechado, uma sala de paredes que se fecham sobre você e você quer saltar fora do tempo. Como o desejo é fraco pra dar conta de tudo isso, o desejo nada pode contra essa luz opaca e frágil e ainda assim somos mais frágeis que ela e mais frágeis que o desejo. Quais são seus planos pra esta noite? Pra amanhã? Alguma viagem impossível, um reencontro: o tempo não se deixa enganar. Preenchendo o vazio

de sentido com palavras. E como as palavras são fracas, ainda mais fracas que nós, mais fracas que a nossa voz, onde elas deslizam e se dissolvem, à luz fraca do dia. E como você gostaria que as coisas falassem, não só as flores, que tudo falasse, ao menos seria menor a solidão. Mas nada fala, tudo é rumor. Tudo é desordem e as pessoas tentando se esconder disso dando ordens. Nós também não falamos, apenas tentamos tapar os buracos com palavras. Alguma ação que me faça esquecer que o universo é surdo que estamos sozinhos que a luz é forte pra meus olhos, mas fraca pro meu coração e que a luz também não diz nada. O presente é frágil, a vida é frágil, cada gota de alegria é frágil e no entanto a memória é ainda mais frágil e o medo é maior porque é a forma de lucidez que resta pra habitantes cegos de um mundo vazio

e como todas as noites rezo (pra quem?): só mais um dia, mais uma noite, mais um dia, mais uma noite, mais um dia de alegria é o que peço ao Acaso que nos persegue no claro intuito de criar mania de perseguição & delírios coletivos. Acreditar em palavras é a pior forma de loucura. Ainda assim rezo e entrego aos deuses, sejam quais forem, ao asfalto, às luzes, às armas de fogo, às mesas, ao entardecer vermelho da cidade meu pedido solene: só mais um dia, mais uma noite de alegria.

12/27/2010


Gravura de Escher

Dois olhos se mirando. Quem gravou essas finas pétalas negras, como um sol absorvendo a luz num suave céu de castanho noturno.

Dois olhos se mirando: entre eles não há espelho, o corpo é um anjo formado por anjos. A alma não é una coisa sólida, é miríade, íris, anjos migrando de um céu a outro e falando aos meus olhos em línguas outras, desconhecidas

minhas.

Quem gravou essas pétalas negras por dentro dos meus olhos. Minha memória, um momento de anjos falando em mim por línguas estranhas.

Corpo é anjo formado por anjos e cada anjo que perco e se encontra nestes outros olhos canta sua música silenciosa, abstrata e carnal. Os anjos cantam da vida, cantam de pétalas negras em céu noturno, silencioso e pulsante de quase palavras, miríades de nomes do amor. Íris:

amor, os seus nomes (de anjos) estão gravados em mim

à maneira negra.

Dois olhos se mirando, tateando-se. Táteis como o encontro de peles, suave calor que brota dos seus olhos, finas pétalas negras em céu castanho, anjos cantando sua língua de flores, impossíveis e reais, num céu noturno que desenha à maneira negra

meus signos. É estranha, convulsiva a língua dos anjos, gravada com finas pétalas à maneira negra nos seus olhos silenciosos cantando à maneira dos corpos que se encontram, não como espelhos, em impossível céu de anjos.

12/22/2010

Retornar (Homenagem a Alberto Caeiro)

Retorno porque nunca comecei nada. Retorno porque não terminarei nada. Se não vejo a terra na linha do horizonte, não quer dizer que ela acaba ali. Se o céu se encontra nesta tênue linha com a terra, não sei dizer se os dois morrem ali. Nunca vi. Retorno porque ninguém começou nada por mim. Ser solitário é depender unicamente de si e da realidade. Nunca vi o início nem o fim dela. A realidade está todo dia quando acordo, até quando me deito nela. Não conheço início, fim. Retorno porque existo. E existir é estar livre como o vento, que bate quando o outono chega. Como a água, que busco todos os dias para acalmar minha sede. Como o sol, que me aquece nos dias mais frios da minha vasta solidão. Não escrevo porque preciso. Mas todo poema que escrevo é um retorno a cada coisa que fiz durante a vida. Retorno a retornar, pois nunca deixei de retornar o meu retorno.

Plano narrativo para uma colagem

Cabeça tronco membro
Cabeça tronco caule
Frutos – olhos
Oito-Olhos
Cabeça teia olhos
Rede:

Oito-Olhos é ninguém
É ritmo
Passagem entre cabeças
Tronco e teia
Visível nos seus efeitos:

O medo de ser
Risível
Quanta gente interessante no mundo
Porque logo eu
Euzinho aqui
Euzinho
Por que você me ama,
Oito-olhos me flagra
Em delito da banalidade
O medo
Que diferença faz
A minha morte
Por vezes o silêncio
Te envolve como um animal
De tocaia

Oito-Olhos:
A semprevigilante câmera de sal
E a banalidade da vida pode doer tanto
E a poesia é meu único meio de tornar o inferno
Objetivo, distante como um dado da realidade
E a poesia é minha oração à procura do coração das coisas
Os corações das coisas que são anjos
Que talvez despertem se eu encontrar o caminho certo
(Seu coração é um anjo batendo no meu peito)
E a poesia é a mais descartável das artes
Oito-Olhos não se cansa de me lembrar,
Inferno é surdez absoluta do poder
Mais tagarelice ilimitada de anjos perdidos e solitários.


Cabeça tronco membros
Palavras
Telepatia: o soberano
Desdobra discursos que são caras
Que são máscaras interligadas
Por arames, teias
O banal poder de matar
A pequena morte
Destinada a cada um.

Um corpo leva a outro e este a outro e este a outro e este a outro
Oito-Olhos não é o todo
E cada um, é a rede,
O dá no mesmo:

Antevejo um monstro de oito cabeças
Os olhos de Kafka a boca de Boris Casoy
Gritando como no quadro de Munch
Um braço fino e longo como de aranha
Ligando esse corpo à cabeça de Freud
Que é um vaso onde está plantado o corpo de uma celebridade
Qualquer
Com a cabeça de um grande líder
Qualquer
E a cabeça é um caule de onde brotam
Como flores e olhos
Mais ramos, caminhos

Pra uma terrível, banal e ridícula
Inflorescência do poder.

12/19/2010

Mundo cão

Circunlóquio
Bela palavra, pernóstica
Para um mundocão.

Assédio moral
De passados mal resolvidos.
Língua
Cheia de carrapatos.

Estupro mental
Em nome da coletividade,
Camaradagem
Na sordidez.

Sórdida, bela palavra
Pra um mundocão.

Vida surtada
Adultério por conta
Do carro tanque de guerra.

Classe média
Rótulo adulterado
Adultério, bela palavra
Pra um mundocão.

Felicidade de porta trancada.
Parafusos de janela
Guardados no vaso de flor,

Nomes de flor
Flores famintas, rodas dentadas
No chão

Desmesura

Bela palavra pra um mundocão.

12/15/2010

Ninguém pode me acusar

pus lá no vertigemdevestigios o começo de um argumento que andei montando, pensando ou num filme curta-metragem ou num conto. A história é a de um psicólogo em crise existencial porque se apaixonou por uma psicótica, é amigo de um maluco e acha seus colegas de profissão uns otários e fdps.

Conspiração


Despertar de pesadelo
Sair pra dentro
De pesadelo, teia
De aranha, novelo na boca
Do estômago.

Tantas luzes, areia
Queimando os olhos
Lobos, Oito-Olhos
Pela janela –
Ferindo
E conferindo.

Teias tecidas na língua
Veneno de língua
Armadilhas
Palavras alheias
Mordem suas pernas
Dentro do apartamento
Sob as cobertas
Caninos longos e afiados
Por dentro da sua cabeça
E nem assim:

Uma coisa é certa –
Há uma conspiração em curso.

12/13/2010

A decadência da classe média não me pega de surpresa



Passei parte da minha infancia,os finais de semana,num clube lá. Tinha autofalantes espalhados plugados numa rádio aí,brega pra caraio,hoje procurando coisa pra ouvir me deparei com essa musica e lembrei na hora do clube.Campari com limão no copo.Histórias de adultério na sauna.Moleques espiando mulheres peladas no banheiro.Vagas privativas pra milicos de alta patente. Cheiro de bronzeador misturado com batata frita. Xanadu, o Barco do Amor. A piscina exclusiva pra jovens sarados e gostosas. Pequenos delinquentes mijando nos sofás do salão de festas, jogando lama nos carros. Uma vez um amigo do meu pai disse na mesa: concluí que sou feio mas sou bom de cama. São histórias intermináveis. A decadência da classe média não me pegou de surpresa. Sempre tinha um papo sobre quem era amante de quem, uma mistura de inveja, admiração e desprezo pelos cafajestes. A coroa, uns 50 60 anos que ia tomar banho de sol de fio dental. Um clima meio nelson rodrigues marcelo mirisola misturado com apocalipse sem Juízo Final, só o fim dos tempos continuando mesmo, passando por cima dos desavisados. "da próxima vez que o mundo acabar, vai ser na base do fogo", me lembro dessa conversa. E tudo isso não seria nada sem o fundo musical.
Algumas vezes alguém cagava na piscina, só de sacanagem mesmo.

12/08/2010

O que você tem a ver?

A luz, pequenas clareiras nos cílios do seu olho direito, contorna o seu braço. Você está de frente pra sua sombra, inerte. Acaso uma agulha ferisse suas mãos, a sombra não sentiria a mesma dor: sentido dizer que a sombra é sua? O que resta de você é sombra, impressões alheias em divagações de terceiros. O que você tem a ver com isso?
Você não consegue respirar sem palavras?

12/04/2010

Repercussões do tempo

Da natureza do tempo
Do início ao fim
Não ser
Natureza.

Hora tempo é viscoso
Fluido vagar
Num aquário ácido
E espesso
O mundo é musgo
Luz molhada
Grudada nas mãos, óleo
Dissecando as horas e o tempo
Não passa, mergulha
Pássaro lento
E faminto no lodo.

Hora tempo é caminhar
Nos túneis de Brasília
Sanguessugas nas veias –
Anemia parteira de fantasmas,
Tempo de desistir.

Hora tempo é campo aberto
Ser observado
Ave de rapina
Sangue nos olhos, arame farpado
Ligando a desgraçada marionete
E a morte.
Você doa sangue
Ao sol e a luz pesada
Do fim dos tempos que não cessa.

Hora o tempo prolifera
Palavras ocas de almas secas
Gravetos estalando sob o sol
E você pede que o tempo se cale,
Mas lá
O tempo não é, seria preciso
Um exorcista de relógios –
Os ponteiros são espinhos.

(Ou que o desejo envolvesse
O tempo
Num renovado
Abraço viscoso)

11/29/2010

e tudo mais jogo num verso



Como vai (de repente vi um fundo de lodo debaixo da superfície dos seus olhos) vou indo (luz lâmina fria) você vai bem (o tempo corroeu a palavra eternidade) eu vou bem (não sei o que por no lugar desta máscara) te conheço de algum lugar (a única beleza espontânea desse dia foi a que aumentou sua solidão) nem te falo (o silenciamento vira uma sanguessuga em sua língua) uma regra bem azeitada ameniza a distância (anemiza a proximidade) espontaneidade é um conceito construído historicamente (não sei ser espontâneo) qualquer dia desses (o calendário é uma zona cinzenta) a massa cerebral é cinzenta (o azul cinzento de um dia a menos) a cor cinza indica independência (o desejo caiu em cima de mim como cinzas de um cigarro vagabundo) como eu ia dizendo (luvas de pelica, o cinza do dia me deu um tapa na cara) o romantismo dramatiza tudo (sente o drama) pois é (onde está aquele moleque burro que acreditava na novela das oito) sem saída (não há confusão que distraia a fina costura de um drama risível e irreversível) destino é uma palavra entre outras (um mar se abriu em algum lugar indefinido, sou verde por dentro) enfim (toda máscara tem uma cicatriz de ferida real por onde a alma sangra) nenhum sonho resiste ao rigor da filosofia analítica (ao furor) a base de toda pesquisa histórica é a sensatez (o cético come espelhos no café da manhã) qual é a sua corrente (agora entendi o sentido do verso vou sair sem abrir a porta) uma conversa civilizada sobre o conceito de vingança (foi como se as rodas dentadas das pálpebras de Oito-Olhos) pois não (queria ser a sombra da marionete de um avatar de um robô sanguíneo) pensemos na história da palavra reação (estar em n lugares ao mesmo tempo) outra vida é possível (outra vida é possível).

11/26/2010

40 Dias (por ocasião da Guerra Total em Estilhaços)

1. O escudo de Aquiles,
PanAmérica XXI



bustrofédon
escrevendo pra apagar
os rastros
alastrando rasuras
sobre um escudo
(ao centro o Oito-Olhos,
depois eremitas e seus palimpsestos,
coqueiros bidimensionais,
e um lago de águas paradas,
no círculo seguinte alto-falantes
e cidadãos deitados em divãs psicanalíticos.
no último círculo satélites
antenas parabólicas
e o sol em cores primárias
sustentado por mãos invisíveis
de unhas vermelhas reluzentes)

escrevendo à navalha no escudo
no escud
no scud
no scuro
no escuro






2. Vá de retrato


O que temos?

nós que, não sobrevivemos,
mas vivemos do dilúvio.

no espelho verde-irônico, contra o sol vermelho,
a arca descomunal e seu capitão:

cabra-velha parida não sei onde
cara de anjo pinto de marmanjo
a mula que cagava dinheiro

na mão direita uma pomba,
na mão esquerda um corvo e a letra B

e os 7 pares de bactérias homicidas.

deus, alá, satã ou jeová
quem criou a desmesura deste leviatã?





3. Guerra Total em Estilhaços



Nada escapa ao que jamais mergulha,
à maresia,
à invasão de Mar & Cia
no litoral.

a semprevigilante
câmera de oito-olhos de sal
carcome o que cerca,
a boca insone
mastiga tudo o que se cria
em matéria de coisa durável

desde que o mundo é mundo
do cetro contabilista de Posêidon
ao panóptico do mar
o tempo maresia,

maresia o ferro de passar roupa
e a sede em tua boca
os cetros de metal
e as lentes de leviatã
as cercas de arame farpado
e os bólidos de Baal
a descomunal arca de aço
e os 7 casais de sereias holográficas.

nos braços de novos poetas românticos
a ferrugem aparece como tatuagem
em traços que lembram corvos ou pombas,
eflúvios oceânicos em seus olhos de sal.

os comedores de bandeiras
são ainda mais letais
com as ambivalentes dentaduras
da maresia em desmesura.




4. Sem ramos de oliveira

a inavasão de Mar & Cia no litoral,
prolonga-se além dos esperados
150 dias
os pássaros não têm mais onde pousar:

indefinidamente,
seremos feras submarinas.

11/23/2010

Alguma coisa a ver com algum poema de Marvin Bell

Não sei quase nada sobre esse
poeta,li o poema numa antologia.Não encontrei o original,fiz a tradução
tem um bom tempo.Agora mudei muita coisa na tradução que fiz anos atrás
de um poema que não me lembro.Não é tradução,nem aproximação. Eu chamava de
transfusão. Transfusão de seiva.


Meu sentido é fazer uma árvore
A mais comum.
Amigos, ainda estou nessa.

Sugeriram
Que eu tatuasse meu corpo inteiro
E me tornasse, assim, a árvore. Braços abertos.

Mas não seria eu. Nem existiria
Como agora
A leveza que guia meu desejo

Na forma antevista do desejo.
Afinal, que papo é esse?
Nada se sabe quando se sabe.

O sentido de uma árvore, eu já disse:
Ser o mesmo produto do absurdo
Que de tão óbvia se faça natural e ignorada.

11/21/2010

Luz noturna
Outro coração
Bate no seu peito

Um visitante
Inesperado
Bate à sua porta

Bate à porta
Da alma
Um coração inesperado

O seu inesperado
Coração
Bate à porta
Da sua alma

Lentamente
A luz diurna
Desperta para a ficção
Da vida

Você prepara o seu café
E estranha
É mesmo o seu coração
Que bate em meu peito?

Você olha a densidade
Das nuvens
É uma sensação estranha
Os milagres
E o inferno
São igualmente imerecidos

E ainda assim
Você tem medo
De estragar o fim da história.
Você vai se machucar
Não vai que vai
Se machucar, não vai
Machucar, vai machucar
Alguém vai se machucar
Alguém vai machucar alguém
Não vai que você vai
Se machucar
Alguém não vai
Vai que não vai
Machucar ao se machucar
Alguém vai machucar
Alguém ao se machucar e vai

Vai fundo
Vai mais fundo na ferida
Mergulha de cabeça
Que não vai, você vai ferir
Vai se ferir ao ferir
Alguém vai machucar
Quem machuca se machuca
Ninguém quer ferir
Ninguém
Vai fundo, mergulha
Entre o salto e a queda
Água surgirá
Milagrosamente
Na vala de concreto
Vai lá, a vida é uma só
Você é só
Milagrosamente
Uma pessoa mesmo a dois,
Alguém vai quebrar
A cara, alguém vai quebrar
As pernas, alguém vai quebrar
As correntes que prendem
O medo, a tristeza
Alguém vai

Chora margarida, margarida chora
Uma pedra deu na outra
Seu coração deu no meu
Margarida eu vou chorar

Não vai que alguém
Vai ferir alguém vai
Florir ninguém vai florir
Sem ferir
Não se flore sem ferir
A terra úmida
Vai lá, vai fundo
As feridas, pétalas
Vão florir
Da terra machucada
Dos olhos úmidos.

Não se modela um vaso
Sem machucar o barro
E o vaso quebrado
Tem mais vida
Que o intacto
O intacto sem ferida
Não aflora
A alma aflora
Pelos poros
Pelas feridas, a alma
Intacta é uma luz
Voltada sobre si mesma
O vaso intacto
Não tem uso
O íntegro
O invicto
É o semvida
A alma transpira
Pelas feridas
Abertas na pele
Ninguém te semeia
Sem te ferir
Sem se ferir não se semeia
Sangue nos dedos
Ninguém semeia
Sem ferir

Vai fundo que alguém
Vai sujar as palavras
Com sangue
E palavras sem sangue
São pálidas
São vasos intactos
São almas obscuras
Voltadas sobre si mesmas
Areia
Árida e infértil
Vai fundo que alguém
Vai se machucar
E só assim
A alma aflora.

11/16/2010

Sem título

À procura do coração das coisas
A procura incerta do coração das coisas
Quando o sujeito mergulhado no lodo quente
Quer pulsar, lento
Uma ferida se aprofunda a cada batida
E o universo é um emaranhado de corações
Em disritmia
À procura do coração das coisas
Mas elas não se confundem
Com a lentidão do sujeito mergulhado no lodo quente
Seu coração pulsa como flores negras
Iluminadas por dentro e opacas pelo silêncio.
O universo, em disritmia:
Quantos corações pulsam, indiferentes
Ao sujeito que diz procurar o coração das coisas
Quando o que ele procura é o seu ritmo
O ritmo lento de quem teme uma ferida mais profunda.

Se ele soubesse
Que cada coração é uma paisagem
Que cada coração é um anjo à procura do seu
Coração ferido, de anjo. Se ele soubesse
Ouvir o ritmo dos corações dele
Esquecidos e esquecido de si,
Se ele reaprendesse a ouvir a música das coisas
Sem linha melódica, apenas pulsações
Indiferentes a ele, é verdade, mas repletas
De anjos, se ele soubesse.

E ele sabe, é com você que estou falando,
Esteja você onde estiver, neste momento
Em que pulso essas palavras na tela
No ritmo do meu coração por um instante redimido,
Não saiba que ele sabe,
Não saiba que ele tenta captar, no coração das coisas,
Um ritmo parecido com o seu,
Não saiba: meu coração pulsa com o seu
Em outras paisagens, em silêncio e ausência.

Ele sabe que o meu desejo
Está fora de mim. Se ele soubesse –
E ele sabe – que é esta a alegria
De não escutar, mas saber que pulsam
Os corações das coisas.

11/14/2010

Poema sufi para nanquim e colagem

Sempre contornos
E um espaço que pulsa
(Alma –
Deve ser o nome disso

Sempre contornos
Traços, não linhas
Um desenho feito a caule
Sobre o corpo
Vegetal, transparente e denso
(Alma –
Deve ser o nome disso

Essas flores agem como se fossem
Feras
E não dá pra saber se as pétalas vermelhas
São um coração exposto
Se esse corpo só contorno
E alma está brotando
Com as flores, se ele pulsa
E as pétalas vermelhas abrem e fecham
Como um coração exposto
Ou se ele se dissolve na terra úmida
Como uma ruína tomada pela vida
Vegetal, a vida cega, lenta
Que procura uma nova forma de transparência.

As flores são amigáveis
Mesmo a custo de sangue?
O que fazer
Com tanta delicadeza?

(Anjo –
Deve ser o nome disso

11/12/2010

Prosaico e confessional, mas me deu na telha

Não posso mais errar
É incrível, mas neste ano de erros
Não posso mais errar,
Errante, eu conversava com um amigo
Sobre o céu
O céu que me enche de beleza e tristeza
Afinal aquela luz de branca a dourada
Entre nuvens de azul pálido a pálido violeta
Iluminava o letreiro do supermercado
Eu comprava limões e pensava em você
É o cúmulo da banalidade, errando
Entre as prateleiras e se usamos
A palavra beleza pra este céu em expansão
Isso deve ter algo em comum
Com seu sorriso que ia e vinha
Pálido na minha mente, enquanto eu errava
Distraído entre as prateleiras.
Não posso mais errar, moça
E ultimamente preciso estar derrubado de sono
Pra conseguir dormir
E quando acordo ainda estou meio sonhando
E sinto que posso exagerar tudo
A máquina que deu tilt tende a se repetir
Se repetir se repetir e não posso errar
E se você tivesse me procurado
Por outro motivo, é tanta gente que me procura
O meu vizinho é um velho, acho que tem Alzheimer,
Às vezes ele me encontra no elevador
E conversa como seu eu fosse alguém de sua família
Ele me diz que sempre tenta fazer as coisas certas mas erra
E erra e erra e eu digo: o mundo é assim
A gente faz uma coisa num cenário mas o cenário muda
O que importa é fazer a coisa certa, entendeu meu avô?
Não se deve mentir pra crianças
E pra velhos com Alzheimer? Minto e faço o jogo dele
Sou seu neto e dou conselhos
E saio do elevador e erro, volto a errar.
É estranho esse afeto que conseguimos por acaso
Por um erro, o velho se engana e me ama
Como se eu fosse um dos seus, e um dos mais queridos
Com quem ele se abre.
É com você mesmo que estou falando,
Você sabe, né?
Às vezes parece que você queria ser transparente
E densa, leve e triste como quem anda
Com o coração exposto e eu me pergunto
O que fazer com tanta delicadeza?
Não posso errar, não neste ano.
E se você tiver me procurado porque está perdida
Sem saber o que fazer
E por alguma razão maluca muita gente acha
Que eu tenho as respostas
Outro dia, um aluno me parou no corredor
E me disse que queria conversar
Porque se separou, outro dia
Um amigo telefonou pra mim
Porque ia se separar, outro dia minha amiga
Me chamou, porque tinha se separado
Ela queria que eu conversasse sobre a questão
- será que estamos condenados a ficar sozinhos?
Acho possível, pelo menos minha solidão agora
Pesa como uma condenação
Eu não posso te mostrar esse poema
Prosaico e confessional, então fico errando
Nas entrelinhas. Você não sabe
Que é com você, e nem vai ler
Provavelmente.
Agora, minha ex-mulher que finalmente virou minha amiga
Também pede que eu converse com ela
Ela está em crise, eu disse pra ela investir em alguma forma de arte
Fotografia, acho que todos deviam fazer arte,
E dou pra ela um livro, Sidharta do Herman Hesse
E fora de moda mas eu intuí que ia ser legal pra ela.
E ela me mandou um email dizendo
Que sou uma pessoa ótima e mereço ser feliz
Antes de nos separarmos ela me disse que meu sangue não presta
E que não seria possível a felicidade ao meu lado.
E se for verdade, moça?
Só consigo dormir quando estou extremamente cansado
E os dias têm sido lentos
Como um pesadelo.
Outra pessoa me procurou em crise
Ajudei com meus conselhos e poemas
Todo um ciclo de poemas sobre o girassol
Talvez na cabeça das pessoas alguém que transmite tanta calma
É o que Vavy me disse, não é questão do conteúdo do que digo
Mas eu acalmo as pessoas, por isso elas me procuram
E quem torna sereno deve ser sereno também,
Mas a dedução é errada, só consigo dormir
Quando estou profundamente cansado
E a beleza do céu me encanta e decepciona porque vira moldura
Pra letreiro de supermercado.
Não posso mais errar, neste ano não posso
Já chequei ao meu limite há uns meses atrás
Posso dizer que conheci o inferno
E ainda o carrego comigo como uma névoa cobrindo
O dia, cobrindo o seu sorriso
Fiquei olhando de perfil, você linda
E se o que você quer for mais um tipo de ajuda
Você precisa se acalmar, parece meio triste e sem saber
Aonde ir. E, convenhamos, no meio destes porcos
A coisa fica difícil.
E se o seu afeto for como o do velho
Que me elege seu neto no elevador porque precisa que o neto
Seja a primeira pessoa que ele encontre,
Se o seu afeto for dessas pessoas que esperam algo
Um amigo me disse: “você sempre tem as palavras certas”.
Isso é pros outros, pra meu uso pessoal
Erro entre as palavras e por exemplo não sei mais
Se na verdade sou eu que gostaria de ser transparente
Mas ando com o coração exposto e disse isso sobre você,
O que faz de mim um sujeito estranho
Meu coração anarquista, um sujeito esquisito,
Um cara estranho (você usou essas palavras
Três vezes na sua mensagem) e não posso errar
Não posso errar com você e não posso errar e ponto.
E se o que você quiser for um pouco de calma e orientação
E sem querer você moveu a alma de um cara solitário
Que mal distingue as coisas porque não dorme direito
O afeto do velho, os pedidos de conselhos de amigo
A constatação da minha ex, dessas coisas não me queixo
Seria mesquinho. Mas é que quando eu estava no mercado
No ato banal de comprar limões pensei em você
No seu sorriso e no porquê este ano não acaba logo.
Nada vai acontecer e parece que
De qualquer maneira
Continuo errando.

11/11/2010

Todas as minhas ex-namoradas viraram burguesas consumistas

Chapéu de Jockey Club em pleno Ministério de Mitigação da Miséria Nacional. Óculos de astronauta com aros de arame farpado. Carro zero quilômetro, jardim estilo século XVIII e conversas sobre Faustão e Pânico na TV. Ivete Sangalo não envergonha a pessoa feliz. Quando o ácido da bateria do carro transforma seus braços em dínamos e brotam no asfalto buracos que lembram uma língua cheia de carrapatos. Ruazinha no mormaço do condomínio fechado – e de uma destas casas, também fechadas, a chave por dentro. Coração esgotado, sanguessuga grudada nas pétalas de uma gérbera, um girassol vermelho, o esquecimento merecido e uma busca quixotesca por Anarina. O sonho ridículo de um homem só

11/09/2010

circuito

fotografando as impressões que o mundo
deixa carimbadas no ar
quando passa, as imagens
agora giram junto com o mundo e parecem
uma forma de armar o sentido,
um quebra-cabeças delirante
de nem tantas peças e resultados
infinitos, todos falsos, daí
porque você tenta se agarrar ao ar
quando o chão desaparece, não
são toneladas de lata, vidro,
plástico e hidrocarbonetos alçados
aos céus que vão
disfarçar o real, mas o real,
agora, onde
está entre os destroços?
Perfeitamente.

Máquina de moer alma.
Sanguessuga grudada no coração.

Sem dúvida:

11/05/2010

Entrar e sair de uma vida (em questão de manhã)

Ficar escrevendo pra que
Pra se livrar disso pra que
Não sei quem
Vai ler quem e quem vai ler quem
E quem vai escrever e quem
Inscreveu isso em mim que aqui
Escrevo pra me livrar, pra que
Inspirar – expirar, inscrever
Escrever,
Afinal de contas pra que
Pra você
Que não é, como quem
Desvia o olhar
Pra você que é
Só um lembrete
“eu gosto muito do sol
E não posso olhar”

Pra que pra ver
Se desviando os olhos
Na linha negra das letras
Me esqueço do sol
O sol a pino, o sorriso
O sol a pino, a beleza
Nem assim tão espontânea
Se me desvio se não
Me perco, pra ver se
Não me perco se não
Me perco, será

Bobagem
Escrever pra que
Se de todo jeito pra se encontrar
Que não é, bobagem
Pra não pirar
Também não, pra que
Pra você
Que não lê, pra quem
Pra que se melhor seria
Qualquer coisa, outra ocupação
A escrever sobre o porque
De escrever pra passar
O tempo, pra olhar a dor
De longe
Como se pode olhar um sol
Em fim de tarde
Como um sorriso
Arde menos na memória
Pra que escrever, rimar
Pra que, dá no mesmo.

11/04/2010

Instituto Millenium Group (verbete, segundo a metodolgia do cortar e colar na surpefície do mundo-google)

Instituto Millenium Group (Verbete)


Missão do Seriado: Promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade as a spin-off to his previous show.
Código de valores: compreendido como império da lei, a law enforcement consultant with the ability to see inside the mind of criminals, working for a mysterious organization known as the Millennium Group; garantia da estabilidade e clareza das regras, though he adamantly proclaims he is not psychic; whose power and sinister agenda were increasingly explored throughout punição dos infratores; the first season dealt primarily with redução do populismo e assistencialismo; with only occasional references to the Group's true purpose; the second season introduced more overtly supernatural occurrences into the show's mythology, a despersonalização da atuação do Estado; into conflict with forces that appeared to be apocalyptic or even demonic in nature para evitar conflitos de interesse.
Meritocracia: Millennium is an American science fiction crime drama television series do gozo dos frutos do trabalho.
Quem Somos: The Millennium Group is a fictional secret society sem fins lucrativos, sem vinculação político-partidária, que promove valores fundamentais featured in the television series. As atividades do Instituto Millenium Group visam atingir a base da pirâmide and grew out of a Christian sect which was eventually co-opted by elements within the FBI. In common with many organizations featured in conspiracy fiction, the Group claims to be colaborando para formar a opinião publica com base em valores claros e nas melhores políticas públicas adotadas pelo mundo. They are trying to find the appropriate branch of the future to take the branch which will shift control from these inhuman elements and into their own hands para assegurar que o governo se concentre e se torne maximamente eficiente em suas funções básicas. These objectives have forced them to ignore conventional ethics sobre o lucro operacional.
Equipe Executiva: The Old Man. The Old Man has a number of tasks which include (but are not limited to) Lideranca Global, Professor, Banqueiro,Barão Midiático e Empreiteiro. The Inquisitor. Professor de Ética e Inimigo Número 1 do Álcool. The Elder. Jornalista e apresentador de televisão.Atualmente, é personagem secundária do romance 1984.

11/01/2010

O nome dela é Autobiografia





Nem sei que tipo de musa ela é, o tipo que não diz nem desdiz, desenha signos sobre o corpo, ou inspira em mim o ar antes que as palavras saiam manchadas pela nossa esquisitice sem saída, o tipo que fica mais bonita a cada dia, a que me diz que a vida fica mais confusa a cada dia. A musa que encarna essas palavras e não tem nome, a musa inspiradora do inocente útil que se deixou comover por telenovelas. A musa tema, a musa sopro. Do que um dia devo morrer: sopro no coração & a musa ridícula que andava com um cara que defendia a necessidade do espancamento dos meninos de rua. Eu e ela concluímos que a maioria absoluta das pessoas está afundando a olhos vistos na palavra depressão. E justo agora, na momento triunfal dos psicólogos e da felicidade de bolso. Ela me diz que está aprendendo novas formas de rezar, de preferência as totalmente ineficazes. Ela me diz que seria impossível uma vida normal ao meu lado. Ela me diz que qualquer uma gostaria de ter um cara como eu à disposição, fazendo poemas ridículos por, para e mediante a(s) sua(s) musa(s). Ela me procura quando não sabe mais aonde ir. Girassol vermelho, girassol em pó, girassol. Pétalas amarelas servidas no inferno, beijo com gosto de pétalas, ela se dissolvendo na cama. Ela espera que eu entenda o significado da expressão “objeto sexual”. Não sei se apenas eu senti aquele choque elétrico e, fechando as contas, sou apenas um sujeito sem musa, agora que, segundo dizem, a poesia está morta ou foi contrabandeada para as vitrines de um dia dos namorados e descanse em paz. Ela me convida, mas avisa que não devo reagir estranhamente ao convite. Como se não fôssemos estranhos. Estranhos um para o outro e cada um por si, estranhos. Não sei dizer que te conheço. Não tenho segurança suficiente pra dizer que não te conheço. Nem sei mesmo pra quem e quando defendi o estatuto ontológico do sorriso dizendo que, do contrário, a tarde seria uma mentira: e o fiz quase jogando um poema no gramado e sumindo do mapa. Você se lembra? O cigarro aceso, a blusa amarela, a tarde caindo na noite e o medo de voltar pra casa naquela cidade perigosa. Você é perigosa pra mim (ela sorri...). Não sei quem é ela, ela, ela e ela nem são a mesma pessoa. Não deveriam ser. Não sei porque alguém veio no meio do meu sono e disse que seu nome é Autobiografia. Isso me fez ter medo de estar ficando maluco.

10/30/2010

Sou um animal de circo (montagem segundo a metodologia da pesquisa esquizo-google)

(os textos não são meus, foram coletados via google, só fiz a seleção e a montagem).

Configurações da pesquisa Configurações da Conta do Google
Google
"sou um animal de circo"

Pesquisa avançada
Informações Nenhum resultado encontrado para "sou um animal de circo".
Resultados para sou um animal de circo (sem aspas):

Abril de 2001/Budapest, Hungary: Dois chimpanzés de
um circo que viajava escaparam de suas gaiolas, aterrorizando
os moradores locais e atacando duas pessoas. Um chimpanzé
foi encurralado num pátio e o outro nocateou a si próprio
ao se atirar numa porta de vidro.

23 de Setembro de 2000/Jarratt, Va.: Três macacos fugitivos atiraram frutas em veículos que passavam por uma estrada. Quando a polícia chegou ao local os animais desapareceram entre as árvores.

1 de Junho de 2000/Columbia, Md.: Um macaco aranha correu atrás de uma mulher que tinha acabado de sair de sua casa, mordeu-a na coxa e fugiu.

‎30 de Março de 2000/Nuremberg, Alemanha: Quatro ursos polares foram mortos a tiros no Zoológico de Nuremberg, após escaparem de suas jaulas . Diretores do Zoo afirmam que alguém abriu as jaulas propositadamente.

Moreira da Silva. Amigo Urso
C
Amigo urso, saudação polar,
C#° Dm7 Ao leres esta, hás de te lembrar,Daquela grana que eu te emprestei,
G7 Quando estavas mal de vida, e nunca te cobrei. Hoje estás bem, e eu me encontro em apuros,C7 Espero receber, e pode ser sem juros.Fm C Este é o motivo pelo qual te escrevi.Am Dm7 G7 C E E7 Agora quero que saibas, como me lembrei de ti: Am E7
Conjeturando sobre a minha sorte,F E7 Transportei-me em pensamentos ao pólo Norte.
A7 Dm E lá chegando sobre aquelas regiões,B7 E7Vá vendo só quais as minhas condições…
Am E7 Morto de fome, de frio e sem abrigo,F E7 Sem encontrar em meu caminho um só amigo.A7 Dm Eis que de repente, vi surgir na minha frente, Bis B7 E7
Um grande urso, apavorado me senti.Dm Am E ao vê-lo caminhando sobre o gelo,
E7 A7Porque não dizê-lo, foi que me lembrei de ti.Dm Am Espero que mandes, pelo portador, E7 Am A7 O que não é nenhum favor, estou te cobrando o que é meu.Dm (Am) Am
Sem mais, queiras aceitar um forte (amplexo) abraçoE7 Am Deste que muito te favoreceu.(Eu não sou filho de judeu, Dá cá o meu.)

21 de Novembro de 2000/Bangkok, Tailândia-Três políticos foram atirados a uma distância de quase 3 metros, quando um elefante que eles estavam montando entrou em pânico com o tráfico e saiu correndo pelas ruas. Um homem teve um braço quebrado, outro teve ferimentos na cabeça, no braço e nas pernas. O terceiro sofreu várias escoriações.

20 de Setembro de 2003/Baghad, Iraque Um soldado norte-americano matou um tigre a tiros no Baghdad Zoo, após o animal ter arrancado o dedo e arranhado o braço de outro soldado, que alimentava o animal através das grades da jaula.

24 de Janeiro de 2003/Albert Lea, Minnesotta - Um filhote de tigre mal alimentado foi retirado de uma residencia, após a polícia descobrir que os arranhões da criança que mora na casa foram causados pelo "tigre de estimação" da família.

Sem data: Um circo mambembe está deixando Arraial D’Ajuda, na Bahia, em pé de guerra. O circo pede que os moradores levem pequenos animais, como gatos e cachorros, como ingresso. Eles serviriam para alimentar o leão. A fera fica enclausurada o tempo todo numa jaula tão pequena que só lhe permite girar em torno do próprio corpo.

Perguntas respondidas: Zequinha do Recife: O que é Leão de Chácara e porque tem esse nome? Melhor resposta - Escolhida por votação
Leão de chácara é um apelido dado aos seguranças de boate. Você entraria em uma chácara se tivesse um leão sol...to lá dentro???

6 de Outubro de 2001/Wuhan, China -um leão num parque-safari, onde se entra com o carro para ver os animais, atacou 2 turistas. Mãe e filho estavam jogando galinhas vivas para os animais através da janela de um ônibus, quando o leão agarrou o menino pelo braço e o puxou para fora do ônubus. A mãe foi arranhada ao tentar resgatar o garoto. Como punição, o leão vai passar o resto de seus dias numa jaula pequena.

Uma das frases mais usadas por Popeye em seus desenhos é: "Well, blow me down!" que significa: "Bem, ventanias me empurrem!" ("Blow Me Down" também é uma frase popular entre piratas e marinheiros, referindo-se aos ventos empurrarem as velas... do navio). Nos episódios dublados no Brasil a frase é traduzida de diversas formas, tais como: "Macacos me mordam!" (que é uma expressão muito usada no Brasil), a fala também foi adaptada algumas vezes como: "Tubarões me mordam!" ou "Camarões me belisquem!"

‎1. macacos me mordam
Enviado por Dicionário inFormal (SP) em 10-10-2006. Clique aqui se você CONCORDA com essa definição! 38 sim, 11 não Clique aqui se você NÃO CONCORDA com essa definição!
Expressão de espanto, surpresa.

-macacos me mordam, eu ganhei na loteria!

10/28/2010

Uma singela homenagem a todos os que lutaram contra a ditadura



Sei lá que língua é essa, mistura de espanhol, frances e italiano.

Sapore di mare, antimilitare
yo no soy terrorista, ma no soy pacifista.
Yo no credo en la guerra, ma yo fato el amore.
...Sapore di mare es la libertée

La mejore defensa, es la tua resistensa,
contra tuto podere, ma qui a te no respeta.
sapore di mare, antimilitare.
Il terror populare contra questa miseria.

Nos controlan las calles y nos cierrran los bares
nos confiscan las cosas que ellos creen ilegales
y nos joden las fiestas sin hacer mal a nadie
lo que más les molesta que no siga sus claves.

La mejore defensa, es la tua resistensa,
contra tuto podere, ma quia no te respeta.
sapore di mare, antimilitare.
Il terror populare contra questa miseria.

10/25/2010

sufi





o ponto onde você dança é um ponto cego, na roda
do seu rodopio você lança um sorriso
para o mundo e ele devolve
um esgar, o mundo
tem a carne impressa com grafismos
ardentes que incineram
todos os planos quando os tocam, no ponto
onde você dança, sua coreografia é a mesma
acupuntura masô, você
dissimula imóvel as espirais
de seus pés cada vez
mais fundo na lama-glitter
do mundo.

10/24/2010

Either the children or the grass must go

Lodo nas veias. Veneno parado em animal que se auto-inocula. Veneno que, inoculado em outro, não mata: contagia. A cidade é um grande organismo peçonhento – veneno circula nas suas tubulações.

Parasitas sobre parasitas sobre parasitas sobre parasitas. O universo é um parasita com parasitas em seu ventre com parasitas em seus ventres com parasitas em seus ventres.

Como é triste viver no seu mundo. Sua língua é viscosa, dela saem palavras pesadas que caem e grudam no asfalto. Fala de betume, cosmologia de pesadelo que dura o tempo de sua aproximação. Boca cheia de parasitas. Que não mata, contagia.

A cidade é um parasita grudado na pele da terra. Você é um parasita que circula sobre a cidade, ao estilo de bicho-geográfico. O ar é um parasita que passeia ao seu redor. O espaço é um parasita que se mistura ao corpo do ar. O universo é um parasita em expansão.

Os parasitas não fazem contrabando de nutrientes. É veneno o que eles procuram. Todo parasita é parasitado por outro parasita. Todo parasita devolve a outro parasita o que dele é parasitado. O veneno circula devagar e o preço da lentidão é a metamorfose do parasita em animal peçonhento. O veneno não mata, contagia.

O universo, quando recoberto pelos avanços de sua fala em expansão, é febrilmente vivo. Nele a morte circula. A forma humana de soltar o veneno é a fala. A fala envenena o ar. O ar pesado devolve, sob a forma de sombra viscosa e lenta, betume da linguagem, o veneno que nele foi inoculado sob a forma de palavras. O ar é uma dura carapaça recoberta por palavras venenosas, quando passeia sobre sua pele.

Neste universo particular, parasitário e envenenado: o cosmopolitismo do podre. Deus tomou um ácido e o universo inteiro é sua bad trip.

10/22/2010

Candidatos levam bolinhas de papel na cabeça

estudantes, balas de borracha.

http://tv.estadao.com.br/videos,CONFRONTO-ENTRE-A-POLCIA-E-ESTUDANTES-NA-USP,60850,250,0.htm

A bolinha de papel é o próprio símbolo do "mau aluno". Então vou colocar aqui minha tentativa de tradução de um belo poema de Jacques Prevert. O Vagal.
A partir de “Le Cancre”
De Prevert, ou
O Vagal
(por daniel f)



Diz não com a cabeça
mas diz sim com o coração
diz sim àquilo que ama
e diz não ao professor

ele fica de pé
para a argüição
as perguntas são feitas
mas ele se desfaz em risos

então vem o branco
sobre cifras e sílabas
datas e fatos
adivinhas e pegadinhas

e mesmo que o mestre ameace
sob as vaias dos cdfs
com pedaços de giz de todas as cores
no quadro-negro da descrença
ele desenha o rosto da esperança

10/17/2010

concerto

ela me sorri como se nada, longos
cabelos, crina onde se encrespa
o meu desejo no delírio de morfina
das imagens da natureza
, ela parece
não sentir a vertigem de tudo,
ao fundo a gravura de um adolescente
com asas, partem de seu sexo raios
em todas as direções, não dos olhos
ou do peito, e ainda espreito,mudo,
alguém que tenha a alma sutil
no cubículo do mundo, na volúpia
dos ardis ela desabilita o sentido
que, perdido, espera no meio do salto
mortal ser salvo no último segundo
enquanto ela me sorri como se nada

10/15/2010

Udi: O Underground Uber Alles

Preparando as malas pra ir a Uberlândia. O Underground Uber Alles. Morei um ano lá, Udi tem inclusive o seu Jerry Brown. Meu projeto de livro com fotos e poemas de Udi:

O Underground Uber Alles

California Uber Alles, Dead Kennedys.


E antes que me critiquem porque estou cuspindo no prato em que comi, agora que estou em bsb e tal. aviso: não estou falando mal de Udi, é uma declaração de amor. E, outra coisa, o caso é mais grave:

I DONT WANNA LIVE IN ANY TOWN, ANY TOWN JUST BRINGS ME DOWN

10/13/2010

beleza é a mais estranha das forças 3 (virou uma série)

O que visto e revisto, dia após dia, não se desgasta. Nem se renova. O novo vive à sombra do esquecimento. O que visto e revisto permanece, mas não como as coisas que perduram. Como o início da música que ressoa no seu fim, inaudível e presente. Como é forte o início da música quando ela chega ao fim, como o fim é mais forte pela ressonância do seu início, ausente e audível. Como o rosto amado tem a ressonância de todos os amores esquecidos, como um dos sentidos da vida é o de compor-se uma linha melódica. Como o rosto amado indica o seu próprio apagamento do início ao fim, ao início de um novo amor não começado e antevisto. Você, por exemplo, que fica mais bonita a cada dia que passa. E a beleza é a mais estranha das forças.

10/12/2010

r.e.m.

peregrino do lado escuro de outras almas, você trilhou
porque quis
as longas pontes penseis para dentro
destas sombras e em cada terra
estrangeira deixou, no troco da passagem,
um pouco do que era seu. Como butim,
arrematou mais dúvidas para o seu degredo – a longa
estrada não tem fim, mas ainda
causa espanto a procissão de sombras
no deserto que é o mundo, em que você
vai nem tão longe nem tão
desperto.

Tudo que vive é sagrado

Por dentro das palavras, a voz, por dentro da voz, a entonação, por dentro da entonação, o timbre. Se há sentido em falar de alma, alma vive à flor da pele, à tona daquilo que está mais por dentro, o timbre da sua voz.
Mais além dos olhos, o sentido, mais além do sentido, a expressão, mais além da expressão, a intensidade. Se há sentido em falar de amor, amar é ignorar o que se vê, intensamente.
À flor da pele, o tatear, à flor do tatear, um calor impreciso, à flor, à flor. Se tudo o que vive é sagrado, o sagrado está à flor da (sua) pele.
À flor do timbre da intensidade imprecisa do calor do seu tatear minha pele com a entonação de sua alma sagrada. A beleza é a mais estranha das forças.

10/09/2010

Crônica de uma noite em Brasília, nos anos 1990

Eu e meus amigos éramos uns moleques. Mas a gente curtia essa onda de barzinho. Na época, a gente até tinha mais gosto praquele sonzinho de violão, Djavan, João Bosco, essas coisas que depois de um tempo enchem o saco. A gente fazia movimento literário na escola, o momentismo, promovia ações neo-terroristas sob a bandeira do Sendero Apagado. Principalmente, a gente gostava de falar merda. Não sei porque, o pai de um dos meus amigos achava que se a gente saísse com alguém mais velho, as coisas correriam bem. Tinha lá um cara que trabalhava pra ele, o Baixinho, que saía com a gente pros botecos de Brasília. E uma noite a gente estava lá, bebendo, falando merda e cantando as músicas do Djavan. Eu não saquei o movimento, nunca prestei muita atenção nessas coisas. Mas comecei a notar que na mesa ao lado tinha um cara e uma mulher, meio esquisita. Não sei como, o Baixinho puxou conversa com os dois, e daí a pouco o cara e a mulher estavam na nossa mesa. Como sempre em Brasília, o bar fechou cedo. E só sobrou o sopão 24 horas. A gente resolveu ir pra lá, mas, depois de uma negociação aí que não entendi, além de adolescente eu estava bêbado, a mulher foi no carro com o Baixinho, e nós, os 3 moleques faladores de merda, fomos no carro do cara. Falamos merdas indescritíveis no caminho, e rimos pra caralho. O cara, pelo contrário. Calado e puto. Chegamos ao sopão, e aí é que está, pela primeira vez na minha vida tive a clareza sobre o que é o fracasso. O cara não falou quase nada, mas deu pra ver que ele estava muito cansado, que essa não era a primeira vez em que ele se fodia. A mulher o ignorava ostensivamente, não tinha acontecido nada. Uns 10 minutos no carro do Baixinho, sem a companhia do derrotado convertido em brother de adolescente xarope bêbado, tinha sido suficiente pra ela mudar sem remorso os planos iniciais da noite. Uma hora nosso novo amigo chegou e escreveu uma coisa no guardanapo e mostrou pra nós, os 3 moleques, porque com a mulher ele não falava mais. This is the end. Vocês conhecem essa música? A gente conhece sim, kkkkkkk. Deve ser mais foda ainda, na hora de desabafar olhar pro lado e ter 3 moleques bêbados. Na hora de ir embora, o Baixinho e a mulher foram juntos de novo (pra um motel, é óbvio). O cara, só hoje me espanto com o grau de humildade, ou desistência, deu carona e nos deixou em casa. De vez em quando me lembro dessa história, com um sentimento estranho. Não sei se ele se matou naquela noite.

10/06/2010

trilhas

cidade extrema ao mesmo tempo tão dura e amarga,
você parece precisar dela para existir, do fundo mais fundo
das ruas vem a sensação de estar em casa, as rachaduras
dos prédios testemunham uma nova ruga no seu rosto,
e estações depois das outras o assombro do mundo anda
aos saltos pelas janelas do trem, a cada subúrbio você sente
a cidade lhe dobrar um pouco mais como se tudo funcionasse
por uma química inacessível enquanto prende por um instante
a respiração querendo penetrar na correnteza em que fluem
pessoas, carros, esgoto, imagens, ferrugem em suspensão
na água canalizada sob pressão como sangue transparente
nas veias e o vazio inacabado que você monta por dentro
a golpes de martelete nas estátuas da memória é o mesmo
que passa a cem por hora no retângulo da composição riscando
trilhos que dilaceram ruas em metades que nunca mais
vão se juntar, como se você cavalgasse a lâmina que corta
o tempo e nunca pudesse ver o fim que virá logo depois
de alguma curva abrupta do caminho, sem aviso e sem mais
Coração puxando seus olhos pro lado como um ímã. A alma – âncora, o intelecto à deriva, sem chão, navegando sobre a palavra pura, indefinível entre o puro sentido e a pura tagarelice. A criança que vê a fotografia e sabe que não é mais, acaba de entrar no tempo. O tempo é amor que não se completa, encoberto por palavras que fingem saber que o abismo não está tão sob nossos pés quanto parece. Toda palavra é desperdício diante do blues profundo, do precipício pra onde a alma pende ao buscar sua cota de alegria. Não há lição a ser extraída do verbo dos doutores. O coração quer se virar de lado, olhar de frente pra onde o silêncio vem a ser, no máximo, um jeito de dois braços se tocarem, indiferentes como uma nota de rodapé em branco, sublinhando o fato de que todas as palestras são desnecessárias. E nós não temos ainda nem o essencial. Mas, sigamos falando, despejando conceitos contra a cidade-fantasma, contra os túneis-trincheiras, onde tudo o que existe é sombra, onde a luz vem de dentro dos corpos mudos, cobertos de melancolia. A beleza é a mais estranha das forças.

10/04/2010

Vamos mergulhar
Ali onde ninguém mergulha

Daquilo que não mergulha
Nada se escapa.

Vamos colher novas flores
Posso plantar um girassol
Na brasa do seu cigarro
Pétalas azuis, transparentes,
Podem envolver sua pele
Como se o céu preferisse
Nosso mergulho
A toda realidade:

O planeta está loteado
Pelos sérios e compenetrados
Sem o nosso silêncio
Seu planeta pode ser pesado, infinitamente
Pesado e um quilo de ar
Ocupa muito espaço.

Eles nos querem calados,
Renitentes como uma rima cansada

Mas sejamos leves
Eles vão nos cobrir de ridículo,
Mas sejamos leves
Enquanto mergulhamos
Sejamos leves
Enquanto eles mordem
Suas farpas
Sejamos leves
Enquanto eles medem os ternos
E a gravidade
Sejamos leves
Enquanto eles reclamam
“Você saiu do lugar!”
Sejamos leves.

Quanto mais fundo
Mais leves,
Paradoxalmente
Leves.

10/02/2010

Votai embriagados

Não sei porque a onda de lei seca se, como provou Baudelaire por a+ b:o vinho é o paraíso artificial da fraternidade,o sol engarrafado que aquece e aproxima as pessoas,o vinho nos torna mais intuitivos e solidários. Se o mundo e as pessoas ganham nova beleza, a beleza não só da compaixão mas também da descoberta do valor da singularidade de cada um. Se o vinho consagrou a Santa Ceia, se o vinho intensifica a comunicação, não somente a discursiva, mas também a sensível, criando um clima de simpatia. Essas não seriam virtudes desejadas pra um cidadão? Por que não votar embriagado?

9/28/2010

Cabeça de vento
Sangue de ar, vapor
Barato na veia.

Sinta
O cheiro
De flores carbonizadas no ar.
O céu baixou
E envolveu os carros.

A chuva,
Longe, é miragem –
O azul do céu
Ligando neurônios e sinais
De trânsito
Produz um clima de sonho
E fantasmas.

Pense
Que sou, seja,
Miragem, vagar.

9/25/2010

r.a.m.

caminhando pelo estacionamento,
vamos para o desconhecido fingindo que o destino
é o restaurante, conversas
furtivas, risos, esta tarde e sua beleza
impressa de passagem nos espelhos parece
lembrar que o desconhecido pode ser
o nada, você
ainda acredita na felicidade e não percebe
o resto da tarde indo em direção
ao nunca, nem
os espelhos onde sua beleza enlouquece
átomos em movimento aleatório, nem
os anúncios breves do fim
em cada gesto no catálogo das horas
enquanto o mundo todo sorri
para a beleza, e dentro de nós
um cápsula impermeável, sem
orifícios, tenta atravessar a pele
com sua violência muda, cega,
surda, desesperada - por mais
que as peles se toquem
até o limite
e a carne atravesse a carne
o destino não negocia o incêndio
à sua passagem, as pontes
caídas, o silêncio.

9/24/2010

O que iam querer estas páginas
Ressecadas? Livros-carcaças
Discutindo crime e loucura
Insanidade coletiva & toda sorte
De fanatismo –
Livros anormais, em códigos de barras
Inoperantes?

E essa moça linda que não tem a menor cara
De bibliotecária.

O ipê roxo cada vez mais
Anêmico:
O sol se carcomeu em sanguessugas
E som crepitante de folhas secas se partindo
Quando caminhamos no estacionamento,
Depois das piadinhas burocráticas.

Amor à última vista,
Casanova de balcão de atendimento.

Como é fácil fazer a beleza sorrir,
Simpatia é parte do serviço.

A única beleza espontânea desse dia
Foi aquela que aumentou sua solidão.

9/22/2010

No chão acima do meu teto
Uma criança faz soar o hokku
Jogando bolas de gude.

Assim, cada um em seu jogo
Duas solidões não se encontram
Nada dizem e dizem nada

E tecem uma amizade simples
E passageira: não importando quem
E quem não percebeu.

9/18/2010

touch pad




(a partir da leitura de poema de Daniel Faria)

a dor, dispersa como a luz,
o amarelo secreto
por baixo da evidência
do amarelo (a variedade
interminável de formas
com que destroçamos
a nós mesmos), você se olha
no espelho quando tira a máscara
e vê o rosto igual
àquilo que o escondia
sem saber quem
deformou quem, dois
lados da moeda cunhados
na mesma forma banal, neste jogo
de azar você é o dado
viciado.

9/16/2010

Samba de raiz!

Samba de raiz

Koan

Num bar todos devem saber e não saber do que se trata.Todos devem saber que todos sabem do que se trata.Todos devem saber não saber em excesso do que se trata. Os movimentos devem ser suficientemente claros deixando à mostra o obscuro do interdito que é, por sua vez, o maior dos lugares-comuns.Somente o interdito pode vir a ser.Eis o sentido do que disse o bêbado xarope:nesta noite ninguém vai foder.

9/13/2010

Como se a luz vermelha
Dessa tarde
Uma dor secreta

Um substantivo-verbo ilógico
Como chove:

- Dor!

Uma invisível dor secreta
Na luz vermelha
Dessa tarde.

Ou pequenas dores, caladas
Incomunicáveis:

A luz vai caindo
Atravessa janelas
Entra numa sala vazia
Bate no chão de um ônibus
Um calor imperceptível nas calçadas

A luz, como a dor,
Dispersa, o amarelo secreto
Por baixo da evidência do vermelho.

Não chore, menina,
Ou chore –

Tudo é banal.

9/11/2010

Deimos (verbete)


Lua (quase) invisível, cravejada de crateras de gelo, está onde não deveria estar, sob a luz violenta de mil luas. Na hora das refeições seus minúsculos habitantes apreciam, sobretudo, a carne tenra das crianças tratadas com os rigores da puericultura estética. Todos têm um sangue azedo e espesso, que os torna loucos de mil maneiras diferentes. Sua principal demência se manifesta na fúria de derramar o sangue de seus irmãos e devastar terras férteis, para reinarem sobre um cemitério: o grande cemitério que é a lua de Deimos.

9/08/2010

Ah, traíras! (Um verbete)



Vestidas de civilização, com suas grandes nadadeiras adiposas, da família das piranhas, clã dos caracídeas!
Aos sussurros, aos telefones, aos bilhetes, aos comentários. Em todo o território nacional! Peixes comedores de peixes, citando a wikipedia: “Deve-se ter cuidado ao manipulá-las, pois costumam dar, em troca, mordidas muito dolorosas e que sangram abundantemente. São indesejáveis em piscicultura, pois se alimentam, insaciáveis, de alevinos e peixes jovens de outras espécies. Têm marcada predileção por sombras e escuridão.”
São particularmente sensíveis à noção de honra, sentem-se ofendidas quando flagradas em suas práticas de trairagem, porque estas, ora, são apenas expressão de sua natureza. Embora descendam de uma família de peixes meramente ornamentais, as traíras se sentem profundamente desrespeitadas. Que pode uma traíra se não trairar, destrairar, retrairar, maltrairar, trairar, enfim, com as inúmeras formas permitidas pela inumerável variedade de sua dentição. Bilhetes são seus dentes afiados, cochichos são seus dentes afiados, telefonemas são seus dentes afiados, emails são seus dentes afiados. Sussurrantes seres das sombras, o brilho opaco de seus olhos, os dentões que mal cabem na boca, como traços brancos e sutis ocultos no meio do musgo e da escuridão líquida. Bicho da surdina, bote certeiro, da grande espécie dos “puxa-sacos da Mater Natura”, como são chamados pelos cientistas todos os animais que agem sinuosamente por movimentos de adulação e contramovimentos de ataque, como a raposa, o abutre, cachorro-do-mato e a arara azul.

9/05/2010

rede

siga pelas galerias, boca
que lhe devora, sede
contínua da esfinge
cocaicômana suportando o peso
da pureza
em suas narinas brancas enquanto
você olha de frente a crise
das metáforas, o rol
dos vilipêndios
, a carne
do ato e a carne do sentido, os lugares
que agora são
restos da sua melhor
parte, enquanto você
está prestes
a se perder
de vez seguindo aquelas galerias
de fibras subterrâneas, não
sob a pele, “se você quer
enlouquecer vou
lhe contar toda a verdade que está por baixo
da verdade que está por baixo”, ela disse
sem saber que sua cabeça já estava
a prêmio, rolando como um dado
sobre os lençóis, se contorcendo
em espasmos e murmurando
eu já sei,
eu já sei,
eu já sei

9/02/2010

mário de andrade
quando sonhava
se via numa cidade
de ruas líquidas

moças e rapazes
eram uiaras
na cidade molhada
de mário de andrade

em sua última lira
o poeta elogiaria
a garoa de São Paulo

“nostalgia ultra-ulterina”
diria um terapeuta
mal-humorado.

8/30/2010

Apontamentos para uma fenomenologia do intruso

Nunca se é
Suficientemente nulo
Para se não ser
Intruso
Ou insuficientemente nulo
Para se deixar
De ser Intruso

Nunca se sobra bastante
Pouco
Para não se fracassar
Por excesso de resto
Nunca se falta
Na medida certa
Para se não ser
As migalhas do Intruso.

Sempre que se nasce
Num mundo alheio
Sempre que se entra
Não há modo discreto
De se sair
Intruso.

Nunca se é claramente
Coadjuvante
Para não se ferir
O agon
Do protagonista.

Nunca se tem tanta
Certeza
Se o intruso é ou não é
Você.

O convite estava em seu nome
Mas foi você
O convidado?
Mas foi para dizer
O que diz
Que você foi convidado?
Foi para sair
A tantas horas depois de chegar
Que você foi convidado?

A sua roupa não bate
Com a fantasia
Do convidado esperado
Você nunca é
O que eles pensavam.

Já vai tarde

Assim pensam todos
Os que recebem
O intruso.

Já chegou?

Pensam assim todos
Os que se despedem
Do intruso.

Você vai pra rua
Como quem sai
Pra dar uma mijada
No boteco
E quando volta
As pessoas se calam

Você se esmera
Sair à francesa
Mas quando sai
É como Intruso
Que circula nas calçadas.

O seu tempo passou
Onde você estava
Quando era o seu tempo
Intruso?

O que o sujeito K
Está fazendo na Ilíada?
Assim pensam
Os que vêem a sua história
(Sua quer dizer: deles)
Manchada
Por um Intruso.

8/28/2010

tutorial




não é um espelho o mundo, nem
moído, serol
colado na meada
dos dias que se desenrolam com a goma
do espanto, isso
que arranha sua pele, arranca a pátina
dos gestos, fatia
o real em lâminas, películas
projetadas sobre um fundo áspero, árido,
turvo, e você
descreve lentamente ao longo de uma órbita
marginal palavras que não limpam
a barra do mundo, ele não é
um espelho, nem
moído, sua farofa
seca servida na ração
diária, não é mesmo qualquer coisa em que você
se reconheça, meu chapa, por isso
escreva num livro
o inventário de técnicas
para quebrar os espelhos, agredir
os espelhos violentamente, mesmo cortando
os punhos, os pulsos, erradicar
os artefatos
da ilusão.


Andei comendo silêncio
Desde o dia em que nasci.

Ele se tornou um grudento
Novelo feito com teia de aranha
Preso na garganta:

Isso o que você vê
Envolvendo as palavras
Que saem de minha boca
Não são flores negras
Nem a contraluz de astros negativos.

Era pra ser um poema –
E nunca ficará pronto.

8/25/2010

Está aí, Tchau

O silêncio
É um evento,
Como outros
Repletos de palavras –
Acontece, tão denso
Como uma ofensa
Solta no ar.

A língua esburacada
Na tagarelice do dizer desdizer
Redizer, não é por aí, e
Cada gota de silêncio
Por sua vez
Uma rigidez na alma
Uma cicatriz

(Alma no lugar de língua: pra falar no silêncio
Recorremos às partes abstratas do corpo)

Tudo o que se fez por merecer, ou seja
O silêncio remorde
Uma cárie no coração:
Nada dizer não
É o mesmo que dizer não, ou sequer
Dizer que não há nada
A se declarar. O silêncio, jamais
É idêntico a si:
O silenciamento pânico,
A afonia, a vertigem catatônica
O cala-te boca
O não vale a pena
O desconhecimento do invisível
A assimetria (não conversar
Com serviçais)
A constatação de que já existem bastantes
Palavras:
A palavra esquecida na ponta da língua
O amor que se perdeu
Quando palavras não bastam, o etc e o depois do etc.

De todos, o que vem de você é o mais corrosivo:
O aceno de até nunca mais
Interdito em você
- Faltou-lhe coragem, ou vontade,
Faço-o mais suave,

Encubro seu silêncio com este poema de mierda
E digo tchau.

8/22/2010

firewall




você não passa
de um sintoma, é isso
o que as paredes mostram
nos rabiscos toscos escritos em volta
do seu desenho do mundo, parecido
com qualquer outra coisa, bares,
telescópio, fúrias, epitáfio,
vínculos, escada, girassóis, ângulo
reto, chispas de metal, farol, tudo
menos com o mundo: o desejo é um objeto
quebrado e você amassa
os papéis contra este muro em chamas
do real, mas não,
só os fantasmas atravessam o fogo
(por que este incêndio não incinera os selos
que encerram o lixo em cartas, arquivos,
tardes antigas, espelhos, fotografias,
lugares?)

8/21/2010

Enquanto fala sobre o perdão, a presença do ausente, como o esquecimento uma luz absoluta sem sombra, diante de uma platéia de presentes ausentes, com a ausência mais profunda presa na garganta, no silêncio sombrio que tonifica sua voz, o rosto do meu amigo se move entre a luz e a sombra. É uma tênue luz de inverno, que atravessa o vidro embaçado da janela, um calor impreciso – a sombra oscila entre seu olho direito e a metade de seu rosto, mas em nenhum momento o encobre completamente.

8/14/2010

A VIVO E A PASSO MORTO















                                                     A Carlos Vallejo

        Eis que hoje te saúdo ó mar e punho imensos!
Que pus-me inteiro o corpo à troça e à violência! Virão neste
verde e douradas campinas de fogo mostrar-me as ancas e
as coxas da América morta!

3 3 3 séculos de minha raça
que não sei de onde veio
se mestiço, escravo, mentor ou feitor
se a cara à tapa bati, fui batido, cuspido e violentado!

Estou rindo, e com sede de pátrias juntas
no mesmo esforço de patas
e bosta, e minas, sujeiras de carvão nas mãos
e na alma, ouros comprados a metralhas e punhais

Se estamos descalços
frente a frente com a morte
Donzela primeira de espalmado orvalho

3 séculos de minhas dores
3 3 3 que traz estampado
pelos cobres um peito materno
que nunca soube ser fêmea ardente

Sim, amigo e irmão,
nossos verbos e ossos estão encharcados
de horror pela nossa América, sem
Esperança,
empobrecido, petiço baio, sombra algures
numa árvore remota.

Todos nós falhamos contigo, irmão e amigo.

3
3
3 séculos de minha raça.



(Anderson Dantas – Ilha de SC, inverno com sol)

8/10/2010

APONTAMENTOS PARA UMA POÉTICA NEOROCOCÓ

de Lalo Smazenka Svoboda
(tradução de Aldemar Norek)


Artigo 1º
O discurso indireto livre e o voto nulo são os pressupostos máximos onde se funda o Neorococó e todas as suas subcorrentes (em oposição ao voto indireto e ao discurso nulo).

Artigo 2º
Nunca mencionar animais estranhos à fauna local, como rinocerontes, leopardos e especialmente hipopótamos – eles consomem cerca de 40 kg./dia de alimentos, o que afetaria sobremaneira a economia do poema.
Parágrafo único
Esta regra deixa de ser válida para os poetas do continente africano, para os que por misteriosas contingências residam em zoológicos ou para os mais abastados e que tenham como diversão viagens ao habitat destes animais (contudo, safáris e outras práticas violentas são ecologicamente condenáveis), tendo vivido a experiência direta e sobrevivido.

Artigo 3º
O mesmo se aplica à microflora (algas, liquens, etc.) e elementos subterrâneos da flora (rizomas, etc.). Nestes casos serão feitas breves concessões, e biólogos ou botânicos ficariam isentos de observar com rigidez este preceito, que no fundo não passa de um exagero programático. Ávidos leitores de Deleuze (os que possuírem como comprovante nota fiscal discriminada, ou declaração de biblioteca pública, com autenticação oficial) ficam dispensados deste artigo, ainda que nos encham, em sua grande maioria, o saco.

Parágrafo único
Na verdade qualquer pessoa que mantenha prática ligada à terra ou flora aquática fica também isenta, porque exigir diploma iria contra nossas crenças anarquistas.

Artigo 4º
Cientificismos e alguns discursos (ou não-discursos, para deixar suficientemente clara nossa postura inclusiva) onde não se encontre a fala, a música e a incoerência da fala, mesmo que fragmentada, devem ser banidos do poema.
Parágrafo único
Em decorrência desta premissa, silogismos passam a ser aceitos.

Artigo 5º
A fala (sempre tensa) é o arabesco - ou espiral - onde o Neorococó borda sua trama infinitesimal e pluridimensional. Pontuada pelo Silêncio. Por vezes o Silêncio deve ser maior que o poema.
Parágrafo único
Quanto menor o poeta maior deve ser o Silêncio.

Artigo 6º
Todo poder emana do corpo e em nome dele deve ser exercido. Que o álcool seja livre e todas as bocas úmidas e macias. Não há salvação fora dos cabarés. Talvez não haja salvação, porque os cabarés estão se acabando e tudo está virando um enorme puteiro ( mas lembre-se: se beber não dirija; se dirigir, foda-se).

Artigo 7º
Eventos simultâneos, paralelismos e sincronicidades podem ou não ser evidência do mundo espiritual. O mesmo se aplica a OVNI’s e à Teoria das Cordas, universos paralelos, etc. Os poetas que desejarem muito fundar uma igrejinha ficam livres para tal empresa, principalmente aqueles que perderam a certeza de que só a poesia salva – e de que não existe poesia sem liberdade e independência.
Parágrafo 1º
As igrejinhas, apesar de livre criação (ainda pelo caráter anárquico que proíbe proibir), não são lá muito desejáveis. Seus membros em geral são uns chatos de carteirinha.
Parágrafo 2º
Os orixás da poesia não têm corpo. Mas não se sabe ao certo a que ponto alma e corpo são de fato separados.

Artigo 8º
Não levar em consideração eventuais boatos demeritórios sobre o que eu possa ter pronunciado acerca de Eros e do efeito do álcool, ou da combinação dos dois – a vida não passa de uma alternância entre o porre e a ressaca e o Silêncio será o meu legado maior (conforme o Artigo 5º parágrafo único)

Artigo 9º
Se eu fosse cristão, poderia afirmar que o Eclesiastes é o livro mais interessante, intrigante e belo da Bíblia, mas como pagão me interessa mais o Cântico dos Cânticos, recitável em qualquer cabaré ou qualquer cama, antes ou depois. Depois é mais propício.
Parágrafo 1º
Danças dervixes e sufis, bem como seus correlatos (zen, etc.) serão práticas desejáveis, inclusive por remeterem ao arabesco e à espiral. Poetas que sofrem crises de labirinto devem consumir com moderação.
Parágrafo 2º
Os preceitos aludidos, por suas características místicas, não excluem práticas milenarmente estabelecidas nos Kama Sutra, sempre e mais desejáveis.

Artigo 10º
(o décimo não terá conteúdo para que isto aqui não se converta em decálogo, ícone de práticas pouco libertárias ao longo da História, e em todos os povos)

Artigo 11º
Como a regra acima, involuntariamente, perfaz um decálogo, e como somos contra toda e qualquer regra (que sempre acabam por ser instrumentos em mãos erradas) resolvemos escrever esta última, de número 11 (onze). Este número, por ser primo, só é divisível por si mesmo e pela Unidade e, como a serpente mitológica a morder a própria cauda, dá conseqüência ao Eterno Retorno e ainda outras percepções – o seu duplo é o número das letras do alfabeto hebraico e das cartas do Tarô; o seu triplo, a idade de Cristo; todos os seus múltiplos por números naturais de um algarismo (exceto o zero, que remeteria à não-existência) resultam bifrontes e espelhados; quando divididos por 99 (noventa e nove) dão origem às dizimas periódicas 0,1111..., 0,2222..., 0,3333..., e sucessivamente, ou seja, números racionais de extração infinita (cf. espirais e arabescos). Para que finalidade isso pode servir no contexto da poesia neorococó (como de qualquer outra, contemporânea ou extemporânea) é muito difícil precisar, pela própria complexidade dos temas em tela, mas parece muito adequado a estes tempos pop-místicos. De qualquer forma somos contra as finalidades (ver Chuang-tzu e os 33 centímetros sob os pés).

Artigo 11 e 1/5º.
Escrever como um advogado da província passa a ser provisoriamente aceito no âmbito das atribuições do poeta, posto que os fins nem sempre justificam os meios, mas os explicam. Neste caso, ficam revogadas todas as disposições em contrário.
Parágrafo único
Ressalvadas as disposições do Parágrafo único do Artigo 5º.

Artigo 11 e 5/8º.
Relações muito óbvias e banalizantes como citar as vinte e duas cartas do Tarô (cf. Artigo 11º) ou relacioná-las com quaisquer aspectos do texto devem ser evitadas. O mesmo se aplica aos Oito Trigramas de Fu Xi (ou Fu Hsi) e outros ícones da sabedoria arcana.

Artigo 11 e 7/9º.

“A filosofia hoje me auxilia a viver indiferente assim”. (“Quando eu morrer, não quero choro nem vela, quero uma fita amarela gravada com o nome dela.”)

Artigo 11 e 10/11º.
Como a espiral que se dobra sobre si mesma, como o número impelido ao infinito imediatamente próximo (e ao mesmo tempo extremamente distante) segue se inclinando em direção ao próprio limite num precipício sem termo, assim a Poesia vai, ao arabesco do arabesco do arabesco do arabesco....

Artigo 11 e 10/23º.
Abaixo qualquer tipo de decálogo ou manifesto.

Dormir, acordar

E pensar que ontem mesmo você gostaria de dormir por 5 meses, acordar em outro ano, qualquer ano, menos este. Ajustar o despertador para depois dos fogos de artifício e das promessas, as mesmas furadas de sempre. Mas, acordar num momento diferente, mesmo que por um mero ajuste no calendário, escrevendo bobagens como:

Cínicos, desossados
Trincados, traídos
Pelo destino
Rivotril e ritalina,
Todo efeito
Colateral é benefício.
Ela veio e sugou
O que restava de energia
Para o ano que passa
O presente mês, que assassina.


Enquanto hoje, o sol vai baixando, as nuvens de dourado a vermelho, a música sopra o espaço que se infla como um balão. Há reflexos na água, bronze de fim de tarde. Duas garotinhas dançam no campo de futebol, o gramado verde, os vestidos branco e vermelho contra a encosta matizada de verde a cinzanegro. Depois de embaralhar a consciência, as coisas se misturam, as cores, a música não vem do palco em que meu irmão toca, salta do lago depois de um mergulho, música viscosa que preenche o espaço como um aquário. Não sei bem quando, meu irmão vem e me pergunta se estou acordado. Desperto, ele quis dizer, talvez. Iluminado. Não neste momento, agora estou apenas sentindo os impactos do mundo como se eu fosse uma engrenagem a mais. A alegria entrando pelo ouvido, passando do coração aos olhos, às cores, ao som, ao espaço. Você é mesmo um otário, querer dormir por 5 meses. Uma mulher linda, Namara, nome sonoro (“aura amara branqueia os bosques carcome a cor da espessa folhagem” etc), um sorriso. E isso basta, um nome e um sorriso contra a música, o lago, a encosta e as cores mutantes de um céu imprevisível. Ela deve ter achado esquisito, você só querer saber o nome dela. Mas, sabe o que é Namara? Ontem eu estava numa onda assim:

O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É um velho carro branco.
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É a esperança
De morrer cedo.
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É um aceno do silêncio.
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É se despedir do calendário.
Dormir por 5 meses
E acordar no reveillon –
Sempre.

O que resta
Do desejo e do calendário
É a ingenuidade de uma conversa
Imaginária, jamais iniciada.
“A barra é pesada
A solidão reconhece sua sombra
No espelho
Mereceríamos mais
Do que a morte?
Quem sabe, daqui
A 5 meses”


E aqui, neste momento, quero ficar desconectado do mundo, meio assim, à parte. É impressionante como, desligado, você sente outra solidariedade com a vida, com os desconhecidos, com a música, com tudo o que não foi feito pra você. Um esquisito num mundo esquisito e alegre. O egoísmo vai sumindo, não sem antes te assustar, como se sua sombra fosse mais densa que você e te ameaçasse, um soco na boca do estômago. Mas o egoísmo some, enquanto a música vai chegando ao fim, tudo vai escurecendo e, num último acorde, o céu se cristaliza, como um sorriso. Amanhã estarei disposto, pronto pra acordar, meu irmão.

8/09/2010

wireless




o medo de se perder, mundo
punk, desenhando à faca na água suas dúvidas, você
conversa consigo pelo espelho oxidado em terceira
pessoa, rasurando à unha o nitrato, comendo grama
por grama o retrato que lhe vem na prata
quando rói os dedos entre os campos
minados, o medo
de se perder, converse comigo, nada
mais pode ser dito depois
que o chão desaparece, mundo
junkie, jungle, os hipopótamos são os únicos
que atravessam a rua sem esmagar
as flores no asfalto, linces e gazelas
não, você está
solto no espaço, nenhum céu
desaba, antes
permanece imóvel em aparência no instante
em que você escorre a esmo pelas trilhas
e deleta arquivos antigos, converse
comigo, menos laços, odiar
as lembranças, o medo
de se perder, mas é justo
pra onde você
vai.

8/08/2010

O repugnante poema de Patricia, assinante do Manifesto São Paulo Para os Paulistas

"Não tenho nada contra
o sotaque, mas contra
os modos

bestiais
que eles se dirijem

contra paulistas,

assediando, perseguindo, ofendendo
incontáveis vezes; exijo

medidas drásticas para retomada dos bons

costumes e morais
paulistas e a extradição
de desocupados

para fora
do Estado de São Paulo,
ou que sejam tomados
os devidos

fins. Mesmo
porque ao fazer
boletim

de ocorrência
exije-se
endereço e nome
do autor, tornando impossível

que se faça
o registro, já que

a violação
da moral e assédio
ocorre constantemente em lugares

públicos por bandos
desses nordestinos, que vêm para cá

cometer crimes
sem tomar as devidas

correções."

8/07/2010

Uma pausa pra música

Pra mim, essa é uma das melhores músicas do Pink Floyd, não é muito progressiva, vai mais pro pop. Talvez, um dos motivos pra ser tão boa. A letra é muito bonita também, e tem a ver com o momento que alguns epistolares estão vivendo.

http://letras.terra.com.br/pink-floyd/90455/

8/05/2010

Girassol em pó,
Sede o girassol:
Quando sede pintar.

Girassol em pólvora:
Ela diz que entende
A minha explosão.

* * *

É fogo
O que o girassol procura

É fogo frio
O girassol noturno
Depois da explosão.

* * *

Como toda intensidade
A do girassol vem de dentro
Do lado de fora, por fora
Do lado de dentro

Da raiz do sol e
Do sol apagado, mergulhado
Na terra.

Como todo centro
O girassol é o centro
De um mundo sem centro.

* * *
Como todo nome, em especial
O seu, o girassol é só

Uma palavra:
Se eu te chamar de girassol
O negócio é literal.

Dê um fora
Na metáfora

Reconheça as letras
Embaralhadas, um jogo inacabado
E ponto final,
Porque faltou um e e sobrou um n
Um t a mais nessa história

Girassol é apelido.

8/03/2010

Salomé: Reambiguação

Montagem sobre a página de desambiguação da Wikipedia.Reambiguar é mais divertido do que desambiguar. Cheguei a ela porque to preparando uma discussão sobre o Cortiço que remete, numa passagem, às xaropadas bíblicas sobre Betsabá e a perdição de Davi e Salomé e a morte de João Batista:
Taí o verbete:

"Salomé é um asteróide bíblico descoberto por Menotti DelPicchia (provavelmente embriagado) notório pela passagem da "Dança de Salomé 562", possui uma excentricidade de 0,0947897 e um período orbital de 1 916,96 dias (5,25 anos) aos pés da cruz, discípula de Jesus e mãe dos apóstolos Freud e Nietzsche, escritora na Rússia, uma região censo-designada estadunidense do estado do Arizona, atuou em famosa ópera mexicana em um ato em que João Batista, extremamente sexy, pede a cabeça de Richard Strauss numa bandeja enquanto Rilke beija a boca da cabeça decepada, num delírio de sexualidade histérica e doentia. Seu verdadeiro nome é “Herodes”."

8/01/2010

Serrazinar

Verbo Serrazinar:Ser importuno,maçador;persistindo no mesmo assunto ou pedido.
Conjugação:não serrazines tu


serrazine você
não serrazine você
para serrazinar ele/ela
serrazinemos nós
não serrazinemos para serrazinarmos nós
serrazinai vós
não serrazineis vós
para serrazinardes vós
serrazinem vocês
não serrazinem vocês

7/29/2010

A agonia da espera

A agonia da espera

Saga, vida, morte
Letra, palavras, rastro
Amor
Afeto, dor.

Espera...

Esperar o fim
Outros começos?
No leito de morte dela
Por quanto tempo?

À espera da hora da morte...

Passagem, travessia
Dor
Silêncio, aceitação
Afetação.

Associações momentâneas
À espera do último instante
Noite à dentro.
Madrugada a esmo.

O coração desespera, acelera
Máquinas, tecnologias
À espera...

A esperar à morte da minha mãe.

Passado a noite
Ela esperava o dia e minha saída para deixar de suspirar
E deixar em lembrança sua marca na vida:
Alegria, amor, esperança.
24 e 25/07/2010

7/28/2010

E tudo mais jogo num verso, intitulado mal secreto. (Jards Macalé e Waly Salomão)

Minha ex-mulher e minha futura namorada estão conversando. O sonho é meu e dele não participo. Please see if she's wearing a coat so warm to keep her from the howlin' winds, este seria um primeiro fundo musical. Não pelo frio, desconhecido neste norte, mas pelo espírito. Só não sei quem leva e quem recebe a mensagem – tem um caminho mais fácil, mas quero evitar a ingratidão. I gave her my heart, but she wanted my soul. Já isto, sei bem o que significa. Minha ex-mulher e minha futura namorada estão conversando, felizmente elas não falam de mim. Existem tantas coisas urgentes no mundo. A cada minuto que passa há um rumor a menos, uma língua a menos, menos palavras para multiplicar as inúmeras formas da dor e da alegria. Ronald Macdonald, o maior Iconoclasta de todos os tempos, o Transgressor intransitivo, dinamita a torre de Babel e o Progresso é um Moloch Estatístico para quem toda vida é perda (de tempo). É um alívio estar ausente entre mulheres de amplos horizontes: um norte além dos marcos patrióticos da bandeira habitada por uma sombra devoradora de culturas, pela morte escondida no estardalhaço megalomaníaco dos acadêmicos paulistanos sobre os matos virgens dinamitados em nome da segurança nacional. Intérpretes do Brasil, colecionadores de vocábulos exóticos que zombam do índio condenado a usar ornamentos de pena de galinha e a pintar o corpo com pincel atômico. Onde elas estarão no coração do Brasil, onde o Brasil estará em seus corações, no sonho sem coração de um sujeito sem norte? Elas conversam, o sonho é delas, do meu sonho não participo.Lentamente, vou sumindo do meu sonho, como todo dramaturgo sou desnecessário quando o cenário está montado. Elas estão se entendendo, apesar da diferença de densidade entre o que passou, o real irremediável, e o que virá. O futuro é uma promessa, um sonho de que não participo. Peço à minha ex-mulher e minha futura namorada que não deixem o sonho ser assassinado pelo vento gelado, pela tempestade do real. Tudo o que ouço é um rumor, uma língua que não entendo. Elas parecem se entender, mas vão sumindo no horizonte enquanto eu desperto lentamente.

7/25/2010

bug

lá fora amores à última vista atravessam
a cidade e fica difícil se concentrar na conversa
porque 2 ou 3 os idiotas (você ainda está
na dúvida se incluir a si mesmo é mais
realista) na sua mesa exibem sorrisos
frenéticos, trapos
com etiquetas Richard's, olhares calculados e fé
nos seus salários do banco federal
de desenvolvimento e na migração
de capitais até mercados atraentes

eles insistem nos seus sorrisos de filme
B quando dizem que encontrar a mulher
ideal é difícil mas sua procura é uma delícia,
eles parecem acreditar que isto é
a felicidade, a sua cota de transcendência
nos mercados da vida, aqui é um bar
irlandês numa ladeira da Lapa e o mundo
todo exala toneladas de imagens
falsas sobre você neste exato momento

em que a trilha sonora liquidifica sangue,
glitter, as dez mais e um blues antigo
e rascante que se desloca para o fundo
mais escuro do corpoe quem, como
você, olha para a rua, quem como
você não acredita, quem
se pergunta porque este chão pisado
por Madame Satã, este chão entranhado
de sereno e mágoa, este alguém
desconfia que os amparos do sentido
andam rodando como um carrossel
em marcha à ré com engrenagens gastas

os inocentes de Manhatan não sabem
de Madame Satã, vão precisar consultar
o índex da academia em que uma sombra
dele pode morar, onde outras sombras se movem
no estilo touch screen, mas a caverna
ninguém sabe se existe – os dois
que sorriem existem e estão
a fim de levar pra cama o seu amor
à última vista, ela pode ser a mulher
da suas vidas, ela pode ser uma noite
extensa, uma noite longa e profunda
que atormentará seus dias, ela poderá
ser um slide fantasmático na ruína
de seus futuros ocos e amparados pelo banco
de desenvolvimento, poderá ser o delírio
da carne, ter pernas mágicas, boca
de prodígios, pele ardente, poderá ser
o esquecimento, ser a chave, o labirinto,
ela está ao seu lado e aparenta não
saber, aparenta não sentir como pulsa
o coração do sentido, como pulsa
o desejo por cima das pedras
do pavimento, como seu corpo quer
atirar-se sobre ela buscando o que está
além, amparado só pelos sentidos,
amparado e só

nem eles, nem ela, nem você
sabem onde vão levar todos os desvios
desta noite.

7/23/2010

Dar o fora 2

Sem porta de saída
O si mesmo
Se armadilha, a não ser
A luz que explode nos olhos
Contra os túneis.

Nas paredes há mensagens
Solicitações de alistamento em lutas
Derrotadas
Declarações anônimas de amor
Todas iguais, de alguém pra ninguém

Converso comigo

Em frente a cartazes rasgados
Também existem assinaturas
Ilegíveis, vestígios, só
O que resta dos gestos.

O negócio é jogar tudo
No chão
Quando, ao subir a escada,
A escuridão do túnel for rompida
Por fora. Por aí.

Dar o fora, antes que as sombras
Pesem demais
E você desista.





7/21/2010

retorno ao inferno interminável

você desce ao inferno
de escada rolante e ele está cheio
de meninas louras falando línguas
estranhas, elas
têm bocas que você gostaria
de desejar com qualquer tipo
de sinceridade,
com aquela pureza que o desejo
esqueceu ao lado do cinzeiro
no motel de quinta da rodovia
quando saiu batido, você erra
pelos corredores do inferno e descobre
mais escadas, mais corredores e não sabe
se são vitrines ou quartos escuros
estas cavernas em que as meninas
exibem sua penugem de água
oxigenada e seus sorrisos
de propaganda enquanto você
se sente a sombra deambulando
na galeria de luzes
feéricas, artificiais e o real segue cifrado
em bits no sistema servidor
central, ligado
por cabos ao caixa, você
não tem nenhum trabalho pra descer
ao inferno, ele se abriu
como um útero quente, como um buraco
molhado e pulsando por onde
seu corpo escorrega, você
está fodido, mas ela não tinha
um girassol nas mãos, o girassol
estava escrito no ventre com pétalas
excessivamente amarelas enquanto no ombro
uma petúnia ameaçava
com um perfume doentio o resto
da sua vida e o mundo
girava perdido como um grafitti no meio
daquelas omoplatas.

7/20/2010

Dar o fora

Neste mito da caverna
Você é a caverna,

A máquina travada
Projetando na pedra fria
Luzes em movimento
Máquina fascinada
Por seus fantasmas
Pura eletricidade.

- Curto-circuitar-se
Na cegante luz
Da alegria que vem de fora.

Dar o fora.

Por aí.

7/18/2010

domingo, mesmo

ela anda assistindo o mesmo programa de domingo
que se repete vinte anos:
tomei uma coristina, mas não consegui sintetizar aquilo
que o tempo tem de ácido, nem descobrir
com o que sonham as meninas que só são inocentes
quando sonham, seria melhor
ser um bárbaro de botequim, um rebelde
no restaurante arrotando na frente
de senhoras escandalizadas, seria
bem mais confortável acreditar que a margem
é mais confortável , e mijar
na frente da platéia o ácido que o sangue arranca
do tempo, seria melhor
acreditar na minha falta de fé,
nos desertos pós-estruralistas
que a menina da academia tentou
me descrever numa carta antiga, a menina
da academia está ao mesmo tempo conformada
e desesperada e pagaria
seis das suas sete vidas por onze
minutos de sentido, esta menina
dormiria com Godzilla, venderia
o que lhe sobrou da alma depois
que se rendeu ao método e desaprendeu
a escrita com o corpo, depois que perdeu
o último bonde para o campo
minado e bate palmas
frenéticas para a acrobacia de um cara que ainda acredita
nas palavras, que ouviu a resposta
sem saber a pergunta, ela mente
pra mim e é por isso que somos
iguais, ela pagaria qualquer coisa, faria em público
aquilo que lhe incendeia o centro
sem centro do seu corpo, mas o mundo
não vai se abrir de novo
nunca mais.