Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
9/08/2010
Ah, traíras! (Um verbete)
Vestidas de civilização, com suas grandes nadadeiras adiposas, da família das piranhas, clã dos caracídeas!
Aos sussurros, aos telefones, aos bilhetes, aos comentários. Em todo o território nacional! Peixes comedores de peixes, citando a wikipedia: “Deve-se ter cuidado ao manipulá-las, pois costumam dar, em troca, mordidas muito dolorosas e que sangram abundantemente. São indesejáveis em piscicultura, pois se alimentam, insaciáveis, de alevinos e peixes jovens de outras espécies. Têm marcada predileção por sombras e escuridão.”
São particularmente sensíveis à noção de honra, sentem-se ofendidas quando flagradas em suas práticas de trairagem, porque estas, ora, são apenas expressão de sua natureza. Embora descendam de uma família de peixes meramente ornamentais, as traíras se sentem profundamente desrespeitadas. Que pode uma traíra se não trairar, destrairar, retrairar, maltrairar, trairar, enfim, com as inúmeras formas permitidas pela inumerável variedade de sua dentição. Bilhetes são seus dentes afiados, cochichos são seus dentes afiados, telefonemas são seus dentes afiados, emails são seus dentes afiados. Sussurrantes seres das sombras, o brilho opaco de seus olhos, os dentões que mal cabem na boca, como traços brancos e sutis ocultos no meio do musgo e da escuridão líquida. Bicho da surdina, bote certeiro, da grande espécie dos “puxa-sacos da Mater Natura”, como são chamados pelos cientistas todos os animais que agem sinuosamente por movimentos de adulação e contramovimentos de ataque, como a raposa, o abutre, cachorro-do-mato e a arara azul.
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