7/27/2012

Poesia não é cavalo de batalha

Sinceramente não quero fazer da poesia, em torno da
poesia um cavalo de batalha, tantas gerações
de mortos se sucederam, antes desta e de outras que virão e o primeiro assassino
da poesia foi o antigo mitógrafo ao demonstrar às musas sua condição
de figura de linguagem e a morte da poesia é como a morte
das pessoas – algo que se repete.

Mas é que em Brasília alguma coisa faz as paredes falarem, não sei
se é a artificialidade
do lago que cria essa mescla de nostalgia e insólito
ou se a imensa múmia do faraó em que habitamos
como vermes petrificados respira pelo concreto. Alguma coisa
dá socos nas paredes
arrasta móveis para nos deixar insones e sempre que alguém
aproxima o ouvido das paredes de sua morada se ouve
nitidamente, gritos surdos, saídos não se sabe de que garganta.

Todos conhecem o centro monumental
de Brasília – mas, seus centros fugidios são outros:
a poltrona em que estava sentado Rawet morto
um livro e um pacote de sopa knorr no colo
o porão úmido onde foram parar os livros do homem que fundiu os horizontes,
único filósofo da cidade do sol parteiro de verdades, do invisível mar sem fim
no horizonte do cerrado plano e liso visto ao longe, mas cheio de detalhes, de
flores, pétalas finas, agudas e coloridas como gritos grudados
nas paredes quentes: paredes de palácios, de garagens, de ministérios
de apartamentos solitários – na cidade silenciosa, mas nunca muda.

7/21/2012

Um sax para a lua


Em sonhos, ele aquece minhas costas
Com seu quadril de fogo.

Contra a parede, 
Me empurra e me puxa:
Cadência e milhares de mãos.

Entre as pernas,
Sou puro ai.

Adocicada,
Esgarço em suspiros mornos,
Escorro pelas paredes,
Gemo  
Pelos vãos 
Do piso de jacarandá.

Mas, 
Ele se vai com o abrir dos olhos.


Quase.

Foi quase.

7/11/2012

Saturno na esplanada

As baixas luzes amarelas, sua pele de cobre, as sombras retorcidas, música de toda parte se misturando sem criar um repouso nas pegadas marcadas, fundas, no concreto da calçada –
até se pode pensar que tudo parece um sonho, mas
não é sonho. Você pode surtar a qualquer momento. E quando você morrer e quando todos morrerem o jogo cósmico das imensas esferas incandescentes das ondas sonoras no colorido dos planetas vai continuar, indiferente.

2.
Brilhos de estrelas caem sobre nós como migalhas de pão varridas de uma mesa desabitada soprada pelo vento insciente.
Menos.
O universo prescinde de testemunhas.
3.
Veja (a palavra) estrelas – a palavra não é visível.
Estamos em pleno oceano tentando buscar alimentos com uma rede invisível (imaginária).

4.
Tanto faz se é boson de higgs ou partícula de deus. Persiste a hybris de que nós com nossa tosca linguagem podemos e devemos dar nome às coisas.

5.
Amoras esmagadas na calçada. Ela diz que o tempo não perdoa. Minha voz sustenta um canto soprado pela força emanada de algum planeta. Mas ele, por sua vez, sustenta-se em nada. Nada disso foi planejado. Como agora mesmo, do nada, veio a expressão: furiosamente lento.
As palavras, porém, nem sequer tocam a superfície de gelo e gás que se move na distância incalculável.

6.
Colha Saturno, com os olhos. Cole o planeta numa superfície apreensível pela vista. Bege em meio ao espaço negro. Dois pontos brilhantes. Um belo acidente captado à distância. A fome cega dos anéis em quem coleciona experiências.
O planeta não me deixa esquecer mais nada. Mas ele mesmo não se lembra nem se esquece de nada.

7/01/2012

A máquina de fazer sumiço. Ou, nem tanto hermético assim


1.
Não há no que acreditar
nem motivo, a vida é o que separa
pisa-se um degrau enquanto o outro pé
fica no ar: nos movemos
como uma máquina
que respira e circula
vento.

Trata-se de raspar a pele por dentro
cavar a carne com as pás tortas
de um ventilador
hermeticamente vedado
até a possível transparência
emergir do desgaste do corpo.


2.
Ele olha pro chão e esquece e olha pro chão e esquece: a situação humilhante, o motivo da tristeza é incerto, ele apenas nasceu assim, estranho aos seus olhos – como um cata-vento
jogado no chão, você não entende, acredita que a dor real precisa de uma retórica consolidada, ninguém pode ser tão

cabeça de vento. Ele apenas nasceu assim, desconhece o roteiro entre dor e lágrimas. Ele sabe rir –
mas ninguém entende suas piadas.


3.
Ela caminha arrastando-me os pés: suas longas e afiadíssimas garras arranham, arrancam minha carne de terra do chão em que ela pisa: o mundo sangra nos pés: ela diz que nada fez: é o seu natural: fazer passar e ferir. Suas unhas côncavas como pás fazem a ferida render mais: adia-se a cicatrização, dura o machucado como pedra. Surpreendo-me suturando minhas pernas. Sem anestesia: essa é a tarefa que a terra, pálida, herdou de mim.

4.
Os coqueiros são ventiladores
Seus braços girando – ventiladores

Ventila, ventila
A solidão, ventilam
Idéias, lâminas frias
Sobre o pensamento.

Como são atraentes as máquinas que engendram sinais.

5.
Me falta malícia para ventilar convictamente as tuas óbvias mentiras.


6.
Em algum canto
do tempo
alguém guarda:

a máquina de fazer nuvens;
o interruptor de luz solar;
a lua disfarçada de moeda
sem valor de moeda
as cores das penas de um passarinho
fugitivo
que me contou, sem cantar
que quando alguém gira os braços
sabe-se lá o quê
depois do depois do mar,
sente um toque suave,
suave como se a vida fosse mesmo um sopro
de um deus ex-machina
que gira, sem nome,
com suas hélices
por dentro da alma do ar
cavando, por dentro de si
o sonho comum
da fraternidade hermética.

- que a alma é ar, ar
que a si mesmo respira:
e poesia – poesia
é pra ventilar.