Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
7/01/2012
A máquina de fazer sumiço. Ou, nem tanto hermético assim
1.
Não há no que acreditar
nem motivo, a vida é o que separa
pisa-se um degrau enquanto o outro pé
fica no ar: nos movemos
como uma máquina
que respira e circula
vento.
Trata-se de raspar a pele por dentro
cavar a carne com as pás tortas
de um ventilador
hermeticamente vedado
até a possível transparência
emergir do desgaste do corpo.
2.
Ele olha pro chão e esquece e olha pro chão e esquece: a situação humilhante, o motivo da tristeza é incerto, ele apenas nasceu assim, estranho aos seus olhos – como um cata-vento
jogado no chão, você não entende, acredita que a dor real precisa de uma retórica consolidada, ninguém pode ser tão
cabeça de vento. Ele apenas nasceu assim, desconhece o roteiro entre dor e lágrimas. Ele sabe rir –
mas ninguém entende suas piadas.
3.
Ela caminha arrastando-me os pés: suas longas e afiadíssimas garras arranham, arrancam minha carne de terra do chão em que ela pisa: o mundo sangra nos pés: ela diz que nada fez: é o seu natural: fazer passar e ferir. Suas unhas côncavas como pás fazem a ferida render mais: adia-se a cicatrização, dura o machucado como pedra. Surpreendo-me suturando minhas pernas. Sem anestesia: essa é a tarefa que a terra, pálida, herdou de mim.
4.
Os coqueiros são ventiladores
Seus braços girando – ventiladores
Ventila, ventila
A solidão, ventilam
Idéias, lâminas frias
Sobre o pensamento.
Como são atraentes as máquinas que engendram sinais.
5.
Me falta malícia para ventilar convictamente as tuas óbvias mentiras.
6.
Em algum canto
do tempo
alguém guarda:
a máquina de fazer nuvens;
o interruptor de luz solar;
a lua disfarçada de moeda
sem valor de moeda
as cores das penas de um passarinho
fugitivo
que me contou, sem cantar
que quando alguém gira os braços
sabe-se lá o quê
depois do depois do mar,
sente um toque suave,
suave como se a vida fosse mesmo um sopro
de um deus ex-machina
que gira, sem nome,
com suas hélices
por dentro da alma do ar
cavando, por dentro de si
o sonho comum
da fraternidade hermética.
- que a alma é ar, ar
que a si mesmo respira:
e poesia – poesia
é pra ventilar.
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Um comentário:
- "trata-se de raspar a pele por dentro"
- mas oh tio, minha carapaça é muito dura
- então, estilhaça
guardaram também a história de peixes que viraram homens, aquele dia que choveram luvas e a varinha de hermes que lá em mercúrio vez em quando entortava cabeludos cocos.
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