10/06/2010

trilhas

cidade extrema ao mesmo tempo tão dura e amarga,
você parece precisar dela para existir, do fundo mais fundo
das ruas vem a sensação de estar em casa, as rachaduras
dos prédios testemunham uma nova ruga no seu rosto,
e estações depois das outras o assombro do mundo anda
aos saltos pelas janelas do trem, a cada subúrbio você sente
a cidade lhe dobrar um pouco mais como se tudo funcionasse
por uma química inacessível enquanto prende por um instante
a respiração querendo penetrar na correnteza em que fluem
pessoas, carros, esgoto, imagens, ferrugem em suspensão
na água canalizada sob pressão como sangue transparente
nas veias e o vazio inacabado que você monta por dentro
a golpes de martelete nas estátuas da memória é o mesmo
que passa a cem por hora no retângulo da composição riscando
trilhos que dilaceram ruas em metades que nunca mais
vão se juntar, como se você cavalgasse a lâmina que corta
o tempo e nunca pudesse ver o fim que virá logo depois
de alguma curva abrupta do caminho, sem aviso e sem mais

3 comentários:

Daniel F disse...

O que acho mais legal nesse tipo de conversa é que os sentidos dos poemas vão mudando com a soma, vai se construindo uma coisa nova, nem isso nem aquilo.
é diferente de um comentário crítico que pretende "traduzir" o que o poema quer dizer.
por isso, não abro mão do blog. não é só questão de publicar ou não. é todo um funcionamento - um potencial que a gente explora muito pouco, só marginalmente, mas, que espero, ainda vai dar o que falar. Ou será que a internet vai ir sempre pro lado da tagarelice pseudo-social?

Aldemar Norek disse...

Bem, Daniel, acho que tagarelice pseudo-social não é bem o nosso caso, ou não é nem um pouco o nosso caso.

Não sei se você reparou, ou se alguem mais se tocou, mas estamos fazendo 4 anos de LE. Estava pensando nestes dias o quanto eu gosto dos nossos "diálogos" por aqui. Revi vários comentários seus, e poemas que conversaram com poemas e vi que o resultado destes 4 meses foi mais do que bom, foi especial.

Quanto a dar o que falar, sei lá. Nunca me preocupei com isso. Penso que nem você. A gente curte mais o processo do que o resultado, mais o escrever e pensar do que o publicar. Se der o que falar, é outro papo, não?

Abraço forte,e obrigado por estes 4 anos!

Daniel F disse...

dar o que falar não no sentido de quantidade, mas sim de onde ainda podem surgir novas formas de criatividade. acabei de ler o Vilem Flusser, fiquei empolgado com a utopia de uma sociedade de criadores tecladores interconectados trocando e produzindo informação.

seria outro esquema, bem diferente do que ainda prevalece entre a gente.