Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
10/09/2010
Crônica de uma noite em Brasília, nos anos 1990
Eu e meus amigos éramos uns moleques. Mas a gente curtia essa onda de barzinho. Na época, a gente até tinha mais gosto praquele sonzinho de violão, Djavan, João Bosco, essas coisas que depois de um tempo enchem o saco. A gente fazia movimento literário na escola, o momentismo, promovia ações neo-terroristas sob a bandeira do Sendero Apagado. Principalmente, a gente gostava de falar merda. Não sei porque, o pai de um dos meus amigos achava que se a gente saísse com alguém mais velho, as coisas correriam bem. Tinha lá um cara que trabalhava pra ele, o Baixinho, que saía com a gente pros botecos de Brasília. E uma noite a gente estava lá, bebendo, falando merda e cantando as músicas do Djavan. Eu não saquei o movimento, nunca prestei muita atenção nessas coisas. Mas comecei a notar que na mesa ao lado tinha um cara e uma mulher, meio esquisita. Não sei como, o Baixinho puxou conversa com os dois, e daí a pouco o cara e a mulher estavam na nossa mesa. Como sempre em Brasília, o bar fechou cedo. E só sobrou o sopão 24 horas. A gente resolveu ir pra lá, mas, depois de uma negociação aí que não entendi, além de adolescente eu estava bêbado, a mulher foi no carro com o Baixinho, e nós, os 3 moleques faladores de merda, fomos no carro do cara. Falamos merdas indescritíveis no caminho, e rimos pra caralho. O cara, pelo contrário. Calado e puto. Chegamos ao sopão, e aí é que está, pela primeira vez na minha vida tive a clareza sobre o que é o fracasso. O cara não falou quase nada, mas deu pra ver que ele estava muito cansado, que essa não era a primeira vez em que ele se fodia. A mulher o ignorava ostensivamente, não tinha acontecido nada. Uns 10 minutos no carro do Baixinho, sem a companhia do derrotado convertido em brother de adolescente xarope bêbado, tinha sido suficiente pra ela mudar sem remorso os planos iniciais da noite. Uma hora nosso novo amigo chegou e escreveu uma coisa no guardanapo e mostrou pra nós, os 3 moleques, porque com a mulher ele não falava mais. This is the end. Vocês conhecem essa música? A gente conhece sim, kkkkkkk. Deve ser mais foda ainda, na hora de desabafar olhar pro lado e ter 3 moleques bêbados. Na hora de ir embora, o Baixinho e a mulher foram juntos de novo (pra um motel, é óbvio). O cara, só hoje me espanto com o grau de humildade, ou desistência, deu carona e nos deixou em casa. De vez em quando me lembro dessa história, com um sentimento estranho. Não sei se ele se matou naquela noite.
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