8/28/2010

tutorial




não é um espelho o mundo, nem
moído, serol
colado na meada
dos dias que se desenrolam com a goma
do espanto, isso
que arranha sua pele, arranca a pátina
dos gestos, fatia
o real em lâminas, películas
projetadas sobre um fundo áspero, árido,
turvo, e você
descreve lentamente ao longo de uma órbita
marginal palavras que não limpam
a barra do mundo, ele não é
um espelho, nem
moído, sua farofa
seca servida na ração
diária, não é mesmo qualquer coisa em que você
se reconheça, meu chapa, por isso
escreva num livro
o inventário de técnicas
para quebrar os espelhos, agredir
os espelhos violentamente, mesmo cortando
os punhos, os pulsos, erradicar
os artefatos
da ilusão.


2 comentários:

Daniel F disse...

Gostei! hoje mesmo tava escolhendo uns textos pra um curso de introdução à história, um deles é de um historiador que curto muito, Alain Corbin. Ele fala sobre a questão da proliferação dos espelhos do século XIX pra cá. em como, até então, espelho era uma espécie de artigo de luxo, desligado do cotidiano. Hoje, tudo está coberto de espelhos. é bem legal pensar nisso, misturando coisas sobre subjetividade, umbiguismo, fantasmagoria e urbanismo.

Abraço,

Eliana Pougy disse...

Estou lendo o livro da Manuela Carneiro da Cunha, "Cultura com aspas". Tem um trecho em que ela fala sobre a constituição da pessoa na sociedade krahô. O espelho, pra eles, é o "companheiro", ou aqueles homens ou mulheres que nascem ao mesmo tempo, ou que se acompanham em ações cotidianas. Eles servem para "refletir" as ações uns dos outros. Achei isso muito interessante.