5/09/2008

Explicação do dia

a véspera do fim já pulsa em outro calendário
futuro e postergado,
e o sol que cruza o céu desse futuro
arde na carne e acentua
o seu zinabre

este dia de sal e de fuligem
tem os pés em outro espanto, outra
véspera,
na insônia que vestiu a madrugada
e a prata de seu som
incendiou o que era só, a flor,
flor desbotada, o riso na sacada
não revelou o que lhe ornava e o que
lhe precedia

e o que lhe precedia lhe negava, a voz
de um outro dia, antes,
repetido, a véspera,
conseqüência de nãos e de auroras,
de procurar a fonte em terra seca

este deserto foi o que seguiu
a uma outra dor
na face anterior da via estreita,
folha arrancada a frio na espiral
onde o futuro ardia
e incinerava

a semente do deserto era vazia
e foi lançada ao chão despedaçada
no dia anterior,
e seu adubo é a página extraída
e o erro, o erro de nascer e de arriscar
uns passos tão precários
e um desejo

e esta manhã, esta pulsão
de carne e de desejo, esta agonia,
foi subtraída à flor de um outro dia
ainda prévio e sem pacto
com a esperança

mas sua raiz, o caule
que o vento dobra, o frio
efêmero, era só aspiração da terra
de alcançar a flor
que levitava
o caule era produto de outras horas, anteriores,
mais outra véspera
e sua secura nunca vi de onde vinha,
que cais de pedra em vínculos com a noite
ansiava por naus de ar que não tornariam

o oceano, o sal, a tempestade,
a baixa da maré, o casco de corais, ventos contrários,
e velas enfunadas,e cordame,
atravessaram a alba, sua parede,
a luz noturna ou
sua ausência, o crepúsculo, a tarde, o meio-dia
e outra manhã
até chegar às âncoras de agora
e ao extravio aqui nesta manhã, hora absurda,
superfície, agora, e o que sobrar
é subsolo, água abissal, desterro,
espelho de silêncio,
vão, degelo.


2005

2 comentários:

Daniel F disse...

Oi Aldemar,

esse poema é difícil de acompanhar, as imagens vão se sobrepondo, retornando. às vezes parece rolar um excesso, mas talvez isso tenha a ver porque
o tempo gira em torno da manhã, quando seria de se esperar um poema mais lúcido, mas o que se passa é alguma coisa assim: o dia nem começou e já veio o cansaço.

De qualquer jeito, não gostei muito de as âncoras de agora. quer dizer, não entendi.

Falando nisso, de todas as interpretações do Aleph a que mais gosto é a do Borges mesmo, a menos metafísica por sinal: é um conto sobre a insônia.


Abraço,

Daniel.

Aldemar Norek disse...

É, Daniel, é como umpoema em espiral. Acho que quer falar do tempo, da morte e da sucessão de vésperas entre o agora e este fim, com um dia brotando do outro, tendo sua raiz no outro, numa espiral que só tem um fim particular no fim de cada um, mas continua.

Ou: é o primeiro poema brasileiro do legítimo "Neorococó", estilo sistematizado pelo poeta esloveno Lalo Svoboda.

Ou: foi mesmo psicografado de umespírito vivo (há controvérsias), o do poeta português Seguilha, depois que o "cavalo" bebeu duas garrafas de vinho, pitou cigarro de palha e cuspiu na encruzilhada.

Mas opte por qual interpretação optar, você acaba de ganhar uma mariola por ter conseguido ler atéo final este poema e ainda por cima com total atenção!!!!
Pode escolher entre uma mariola e um picolé Dragão Chinês, registrado e carimbado!

Abração!