11/23/2006

Poesia impura ou elegia a Tarkos

O operário está morto, eu estou vivo, eu sou vivo, eu continuo bem vivo e me levanto todas as manhãs. O canteiro de obras está aberto e o cimento ainda fresco é por mim colocado entre tijolos e os muros vão sendo feitos um após o outro. O operário não tem mais força, eu tenho força, força vital, força fresca, força inevitável. Eu trabalho e construo, o operário não constrói, eu construo, falo alto e sigo instruções. Ele não segue instruções, não tem mais vontade, eu tenho vontade, eu tenho força e continuo a construir, o canteiro está aberto, a massa é misturada em velocidade continua e veloz. A massa sedimenta os tijolos, os tijolos sedimentam a estrutura, o operário não trabalha, eu trabalho e levo cada pá de cal a cada parede construída, o operário está desaparecido, eu apareço. O operário não come mais, eu como e reforço a pele e os olhos. O operário não enxerga, eu olho e vejo. O operário atravessou fora da faixa para pedestres, eu continuei na mesma calçada até o fim do caminho, eu não atravesso, sigo as instruções, tenho todos os comprovantes, todos os papeis regulares. O operário é clandestino irregular, eu sou clandestino regular, ele desvia, eu não desvio, sigo firme pela mesma calçada, ele atravessa e não precisa provar que está vivo, eu estou vivo. A vida ultrapassa a morte.

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