10/11/2006

Escolha.








se você tem 6 ou 7 mil reais, cerca de três mil e poucos dólares americanos
então pode publicar um livro
você vai encontrar um editor (sequioso) para lhe dar suporte neste projeto
1.000 exemplares, edição econômica, papel 90 gr./m2 e uma capa 3 cores (pós-moderna)
em vez disso pode alimentar 20 crianças por 200 dias num orfanato
se souber negociar bem os hortifrutigranjeiros e os não-perecíveis
não incluída a mão-de-obra do preparo
(porque sempre se encontram volutários, quase sempre)
pode ainda ir à Europa, se encontrar um amigo por lá que lhe dê um pouso
fazer no velho mundo o tal Caminho de Santiago dormindo em abrigos
ou ir à África e ver uma outra fome de perto
ou ir ao centro do mundo, onde se planejam as guerras e se tornar um ilegal
lavando privadas pra ganhar uns cents
(alguém tem que fazer o trabalho sujo)
você pode comprar um carro com 12 anos de uso, modelo popular, em não muito
bom estado, ou até uma casa, um barraco
chão de terra, sem telhado, sem água
sem saneamento básico
numa favela a três horas do centro
nesta cidade que os turistas adoram, maravilhosa
meninas com mais de 13 anos (ou menos) fazem boquete por 20 pratas (ou menos)
dependendo da necessidade (com dois boquetes compram um bujão de gás e 5 quilos de arroz)
você pode se satisfazer com 300 boquetes, sem falar
que no atacado (insisto: você precisa aprender a negociar)
pode rolar mais alguma emoção, mais adrenalina
você pode alimentar a indústria cultural, se você acredita nela
e comprar uns 200 a 250 livros de poesia
(não esqueça que é imperativo negociar em qualquer circunstância
e a outra ponta tem sempre como reduzir seu preço
nem que o faça com prejuízo - se der sorte
vai encontrar poetas mortos de fome do outro lado)
pode comprar estes livros, ou outros, de auto-ajuda, p.n.l.
viagens, filosofia, romances de estação
e dar saída nos estoques de algumas editoras
- mas se insistir pode publicar um livro que talvez
os seus amigos (alguns, não todos) irão ler, e dirão:"Ele é um poeta
ele diz que é um poeta, mas juro, não imaginei
que isso fosse poesia."
você pode publicar um livro, tudo bem, você pode
dedicar uns cobres a isso, cada um tem a sua tara
seu lado desviante
sua fissura, sua loucura, cada um pode errar
como bem entender, como quiser

3 comentários:

Anônimo disse...

um dia, depois de escrever durante 20 anos, você vê editados um monte de livros de merda e se pergunta: - será que sou um poeta? eu sou um poeta! eu publiquei ... quem vai me ler? pouco importa, escrever é o que importa, é uma necessidade superior ... é como um amigo ... é aquele que fica quando tudo o mais se foi ...

Anônimo disse...

Timeo hominem unius libri

Aldemar Norek disse...

pois é, já me fiz esas perguntas tbm, uma vez, anos passadoa o entrar na Bienal aqui no Rio, e ver a quantidade de livros que, naquele momento, me pareceram inúteis e despropositados.
fiquei exatamente me perguntando, assim como você: "será que sou um poeta? será que o que escrevo vai ficar?"
depois isso passou, e percebi que o que importa não é isso, não é nada disso.
entretanto, não tenho a certeza de ser um poeta.