4/01/2013

Da série Planetário de bolso 1

Saturno
Leveza mais pesada que todos os outros pesos somados, água viscosa escura e quente, de um quente frio gelando a alma, assim como a verdade migra de boca em boca até ficar irreconhecível esse é o movimento do velho sábio ao descobrir que não devia ter começado, mas agora não há volta e prossegue, lendo um livro atrás do outro, como se uma nova doença fosse necessária para curar a velha doença e assim por diante, irmão siamês da Terra conectado à sua dor por laços invisíveis como arames farpados mentais, não o filho pródigo e sim o irmão invejoso do filho pródigo, o que sempre ficou, o que nunca partiu e que apenas tarde demais entende que deveria ter partido para poder retornar, há uma lágrima repartida no horizonte de onde brota toda a beleza da singularidade, um desperdício de beleza vagando no espaço, este planeta é todo verde por dentro.

Urano
Quase parado, cúpula de gelo cobrindo o oceano. Tudo o que, suspeita-se, pende invisível no segredo noturno. A violência da vida nasce com marteladas que produzem sangue no que antes parecia um cristal impoluto. Labor de dentes mastigando o próprio ventre por dentro, matéria densa parteira de palavras antes de emergirem num sopro, ventania brotando do choque do vidro mais denso contra o sonho de estar vivo. Uma presença incerta, algo como um calafrio, uma visita inesperada. Olho pro teto: um pequeno cubo luminoso, semelhante a uma cigarreira com figuras humanas de perfil: azul claro em meio à escuridão. Digo: “não tenho medo e nem odeio”. Do cubo começam a cair pequenos losangos coloridos. Quantas cores: azul, verde, vermelho, amarelo: cada losango se abre e dele saem novos e menores losangos de cores diferentes: lilás, cinza, laranja, branco. É tudo tão lento: os losangos parecem se mover como se fossem animais marinhos, polvos abrindo seus tentáculos e procriando vidas de seda. Antes de os losangos desaparecerem ao tocar meu rosto, novos e novos se abrem, sempre menores – e cada vez mais coloridos. Uma sensação de tranqüilidade: ou a presença se foi ou ela se dissolveu em meu rosto, que brilha suavemente na escuridão enquanto desapareço.

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