12/29/2008

Eu, Mazagão (refeito).

Advertência: isso não é lirismo, é história (mito). Mazagão foi uma cidade-fortaleza na guerra contra os infiéis. Não deu certo. O Imperador decidiu transferir a cidade, inteira, da África para a Amazônia. Os habitantes não podiam escolher, eram sujeitos ao (súditos). Até que Dona Maria, a Louca, dez anos depois de viagens e muita escrotidão, decretou: vocês estão livres de Mazagão. Depois disso, deles (os súditos) não se tem mais notícia.

Isso aqui também foi escrito segundo os parâmetros da metodologia da resenha surrealista, resenhei o livro de Laurent Vidal. E pensando bem é lirismo sim, o velho esquema romântico de despertar/simpatizar/confundir-se com os mortos. Correspondências.



de repente você acorda
há menos de cinco minutos pensava que desta vez sim
conseguiria dormir,
mas de repente você acorda,

abra a janela e
observe o rebanho que mastiga o capim
e o som dos dentes e da saliva no verde: rio fluindo
rio de pedras polidas fluindo no esquecimento,

mas você não
você não consegue dormir porque sabe que se esconde
numa fortaleza, tão complicada e delicadamente construída,
que se tornou sua prisão desconhecida, em que você trafega como um rato,
um rato com memória,
um rato com nome próprio.

a infantaria ainda não foi inventada, você tem que se virar
com estes canhões enferrujados e um crucifixo

fodeu,

eles estão lá fora, mais maneiros e manjados que você
desta vez você se fodeu.
você vegeta como um cão de guarda entre os muros de pedra

- e só agora te avisaram.

eis o plano de fuga:

o Imperador ordena, não a dor, a dor de cada um
que se foda, dançando entre os dentes, a dor, o grito que silencia,
o silêncio que se grita, foda-se, o Imperador ordena
tome conta dos seus pertences, do seu álbum de fotografias,
guarde com zelo o nome da família, vele pela memória de Mazagão,
tome a canoa e saia pela porta minúscula que se insinua
à beira-mar. e não exulte, você não vai afundar no Lethes.
você vai é parar no meio de ruínas
numa cidade bolorenta, sangrando à virgem que se arrombou
num terremoto daqueles, uma puta caçada por Sacerdotes,
uma órfã sem eira nem beira, um convento derrubado,
a porra de uma cidade fodida, é pra onde você vai.
e não se misture com seus habitantes,
até nesta merda de mapa você só está de passagem.
eis o plano de fuga.

- e só agora te avisaram.

depois, agora você vai se cagar no meio do mar,
rumo aos trópicos, aqueles mesmos
em que centauros comem o verdadeiro fruto proibido,
lá permitido (as mangas-rosas altas e saradinhas),
terra das grandes cachoeiras e dos carimbos.

mar, que belo e verde!

só se for na beira da praia, lá dentro
a pura monotonia, os dentes da maresia,
que absolutamente não canta, saltam do verde e liso mar
e ferem seus olhos, lambem seus dentes, apodrecem sua boca,
uma cloaca, lábios de labirintite.

me fodi de novo.

oh, quanto sal, são lágrimas de um boçal.
finalmente você chega à nova morada:
madeira podre, infestação de formigas, casas caindo,
chuva torrencial, medo dos canibais que inexistem
mesmo assim te mordem, roem dentro de sua cabeça,
e você ainda a preserva, a memória de seu passado
presente de rato com nome próprio.

- Dona Maria, a Louca, mudou de idéia,
reconhece em você a triste marionete nas mãos do destino,
esta bosta de metáfora com luvas negras e frases-feitas desenhadas,
há de liberá-lo, pode ir, o mundo é seu.

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