12/11/2008

A Alma é cheia de mistérios



A Alma é cheia de mistérios
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“São estranhos os atalhos noturnos do homem”. Eu abri aleatoriamente o livro de Trakl e havia esse verso escrito. Vi o adiantado da hora, e como o tempo agora também me corrói. Em plenos 40 anos de idade, vejo que percorri aqueles mesmos quartos marrons e púrpuras, e fui assombrado por aquelas mesmas borboletas mortíferas. Os poucos meses para um homem desempregado com tanta energia nas veias e um olhar mordaz na captura é quase um convite ao enforcamento. Então, num ATO de DESESPERO, coloquei um anúncio no jornal para simplesmente buscar uma forma de sobrevivência. O anúncio era simples e objetivo, eu havia colocado que procurava uma mulher mais velha que me sustentasse, disposto a satisfazer seus mais íntimos desejos. É verdade, que não houve muitas cartas a mim endereçadas. Cartas físicas, cartas eletrônicas, todas. Mas, por fim, escolhi uma carta que me chamou a atenção: - eu a havia escolhido e ela, a mim. Seu nome era Agda, uma mulher loura, 60 anos, um pouco mais, ainda atraente, com agudos olhos azuis. Seu corpo não era delicioso como de uma mulher jovem, mas o mais monstruoso eram seus notáveis caprichos. Ela me olhou, pela primeira vez, e disse-me: Você tem certeza? Disse a ela, que um homem sem rumo, é um homem sem coração, e vive de forma a bailar entre o penhasco e o punhal.
Ela riu discretamente e perguntou quanto tempo eu disporia para tê-la, os dias da semana, os feriados, as comemorações estúpidas. Ela sabia que eu era casado com uma mulher mais jovem, atraente. Disse que o tempo suficiente. Suficiente. Foi desse dia em diante, meu mais incrível inferno, onde já antes mergulhado, só recomeçaria a me afundar. Agda morava em uma casa suntuosa, tinha vários empregados, mas isso tudo, era como uma névoa em meu olhar, isso, simplesmente para mim não importava. Seria pago uma quantia medíocre mensalmente para os meus nobres serviços. Ela começou dizendo com uma voz grave, meio arrastada pelo fumo e álcool: - Primeiramente, quero que me dê um banho, lave-me bem, gosto de me sentir limpa, e gargalhou. Seque-me atentamente e enfie delicadamente a toalha em minha vagina. Corte minhas unhas dos pés, e beije cada dedo dos dois. Antes de eu dormir, penteie meus cabelos, e faça tranças bem miúdas, para eu parecer uma garotinha mimada e idiota. Agora vá, quero dormir. Dia seguinte, disse-me que os cheiros de uma mulher mais velha, ficam mais acres, e que o banho que lhe dei tinha sido uma obra porca. Você é um porquinho, deve se arrepender de ter feito um serviço mal feito. Estou com fome, sabe preparar algo para eu comer? Mas não como qualquer coisa, é melhor não se aventurar. Afinal, aqui quem come e bebe é você. Disse-me para ir até um grande armário e abrir uma porta mais escura. Eu abri e lá havia uma espécie de uma bacia de prata, larga e funda. Traga-a. Levante minhas saias, abaixe minha calcinha. Assim o fiz. Então, com destreza impressionante para idade, ficou de cócoras e mijou farta e quente na bacia. Meu porco imundo, agora beba. Eu a olhei e perguntei: - tudo? Ela disse, tudo que puder agüentar. Pus-me de joelhos e bebi aquele líquido amarelo, entre espesso e aguado. Levantei-me, enxuguei meus lábios e fixamente olhei em seus olhos azuis de monstro. Algo mais para hoje? Não, hoje você foi um bom menino. Ainda nesse dia fui à praia e vi que tudo era questão de sal, de sais, assim como o mar urina na boca dos surfistas, das sereias e das musas. E o natural, é bem verdade, é que pensamos, somos humilhados pela boca, assim como a fome, a privação, a dor e a perda. Num feriado santo, ela, sacrílega, queria que eu satisfizesse um capricho especial. Ordenou: meu nojento e servil parceiro, hoje a iguaria é especial. Após vários pratos que hoje comi, com condimentos picantes, variegadas bebidas, tantas sobremesas, tanto enfado, mentira e solidão, quero fazer uso do meu cu em sua boca bonita. Naquela posição, já antes verificada por mim, então do seu cu frouxo e terrível, jorrou sua merda entre sólida e diarréia líquida, e rápido, rápido, disse, venha pegar direto daqui, nada de bacia. Os jorros alcançaram-me boca, rosto, olhos. As golfadas que me vieram, após, foram tão pujantes quanto às dela, com meu vômito escuro e infinito.
Na praia, uma vez mais, eu via que na verdade as estrelas, e aquele azul de céu, era uma afronta de beleza, e que todo o céu vomita sua indiferença para nós, pobres diabos.
Durante meses, meus serviços foram rigorosamente cumpridos, não havia mais novidades. Tudo caiu na rotina. Antes era o vazio, e agora o vazio se reafirma. Não estava mais feliz, ou nunca estive, na verdade. Tomei a decisão lentamente, inexorável. Já conhecia todos os caminhos da casa da bruxa. Fui até uma gaveta da cômoda, onde ela guardava a afiada tesoura que eu cortava suas unhas. Lâmina longa, aguda. Enquanto ela dormia, fui até o centro da cama, sentei em seu ventre e desferi o golpe certeiro em seu coração. O sangue jorrou escuro, longe, demente. Então, calmamente, comecei a destripar inteira, cortando órgãos, a máscara fria do rosto, nervos, ligamentos. Aos pedaços, milhares, colori aquela casa mórbida. Sabia que não iria mais à praia. Dela, ficaria apenas a lembrança de um mar balouçando, ígneo ao sol, e como os poemas morreram, no bater de asas de gaivotas. Na outra gaveta, o revólver. E me dei um tiro na cabeça.




Anderson Dantas
Dezembro 2008
Eu moro numa Ilha.

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