10/17/2012

O blues do rato de biblioteca

Você não esperava tanta ternura
de um rato de biblioteca e o silêncio dos planetas
e o infinito que assusta e tanta especulação
barata, assim à toa passo os dias conversando com mortos
em páginas de livros, microtelescópios, tabuleiros espíritas
e a luz do sol batendo nas páginas, uma cartela
de ácido lisérgico como calendário.

Você não esperava mas um coração de papel é mais inflamável
apesar de tão remoto que o silêncio dos planetas ali se inflecte
e cada livro é uma faísca adormecida esperando na estante
em que se escuta por um instante a lendária confabulação
entre dor e esperança, toda filosofia quer ser música
e toda música: blues.

Quando o blues faz até as paredes pulsarem nas capas coloridas
dos livros, como há algo de blues nos contrastes das cores dos planetas
e nas cores anímicas das emoções desencontradas
o blues é mais azul que toda melancolia de um coração vermelho
faço de conta que não é comigo e pergunto sobre a metafísica
de tudo isso o que pensavam os antigos
sobre o conceito de alma e invento a metáfora desprevenida

um peixe azul que brilha no aquário obscuro da vida, ressonâncias
de vidro e água, o blues é uma luz de cobre, é tudo que se entreouve
nos vestígios deixados pelas gerações que compõe uma única
e incoerente música no modo como o filósofo caminha
na solidão do poeta, na posição dos planetas
compondo um invisível e atuante cenário para os atos funestos,
o percurso da lágrima pelo rosto Entristecido, entretido em sua profunda tristeza.

O romantismo é azul celeste e gruda na alma como uma rima
nas paredes do quarto – existe na dor ancestral
da idade da árvore arcaica e blue da lamentação
onde os velhos cantores concentravam a dor de tantas gerações
e gerações: toda dor, afinal anônima como a invenção do blues
sob a mesma antiqüíssima árvore, de acordo com a história
que li num livro qualquer blues é seiva espessa e lenta
misturada ao sangue é como se desde criança
você tivesse comido a lua em pedaços mínimos numa colher
e meu sangue então é frio e reflete o brilho do seu coração
no escuro.

E tudo isso é música, o blues é o comum dos lugares-comuns
a faísca que acende o fogo no coração de papel.

Meus amigos intelectuais não se enganam comigo
eles sabem que quando os vejo eles são como peixes num aquário
e o cosmos é mesmo uma cúpula de vidro de onde deuses observam
e nossas verdades são bolhas que logo estouram contra a superfície
que quando os escuto eles não dissertam, mas cantam
um canto sem letra ou mensagem, uma entonação
de arrogância, frustração e miséria pedante.

A desolação, Bárbara é mais criativa que todos nós
e até merece um nome
próprio, Desolação, escoadouro de brilho estrelar
pra onde todo fluxo vital é banido e retorna, como um filho pródigo
aproveitável: sem o quê não haveria cores para planetas
e nem olhos que registrassem tais cores e nem almas se perguntando
por meio do blues, sobre o sentido de tudo isso.

(Garotos cantam o hino nacional
olhos vermelhos dentro de um camburão –
porque cantavam um blues no ponto de ônibus:
venho da cidade mais desolada onde até os punks são blue).

É por isso que sou um rato de biblioteca e mesmo assim ouço o blues.
ou queria cantar, o que dá no mesmo e fecho o livro
porque o canto do blues é o canto

um gole de vinho
derramado sobre o conceito de quem procura o blues

Saturno está mais forte nesta noite
o céu é uma cúpula líquida que filtra o brilho de estrelas
quanto mais azuis mais incandescentes
Mexico city blues repousa na estante

estando no blues desde antes do início.


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