Deixo que a sanfona fumegante sopre as palavras desta elegia. É pra meu amigo cineasta, cujo coração é uma aranha vermelha. Neste mundo em que tudo é câmera, ele enquadra a cena com as mãos vazias e assim é o diretor e único espectador do seu filme. Os personagens carecem de corpo, já que ali a onde a palavra cria teias o corpo secreta espírito, a solidariedade é uma pantera morta. Ouro, prata, lápis-lazúli, cristal, coral, ágata e madrepérola: nem que de todas as galáxias fossem colhidos tais tesouros, tudo é sem motivo. Meu amigo, tu é chato pra caralho
eu também sou chato, a gente poderia ter organizado uma conspiração dos chatos pra provar pras pessoas que ninguém é tão legal quanto pensa. Mas, pelo menos produzimos de seis a sete filmes em coisa de quinze minutos,
naquele aquário, como era irreal a luz vermelha sobre a aranha vermelha na camisa preta, psicose de bolso trazida pelo correio, desenhos projetados pela mente e só quem está dentro da sua cabeça pra saber o que você viu, ou seja, todo mundo e como as risadas explodiam como bolhas contra o palco e como os sete selos do apocalipse podiam ser ali improvisados, como o filme visto pelas crianças de Fátima, virgem Maria em 3D jogando dados apocalípticos com o acaso: a cidade antiga babando vermelho na madrugada; alguém na varanda comendo churrasquinho e fazendo comentários críticos sobre os transeuntes; virtudes abstratas e personificadas em versos antigos caindo pouco a pouco contra o céu vermelho da madrugada; um serpentário na garganta; pássaros estranhos e sem nome impedindo a passagem pela ponte; devaneio e batata chips no hotel; cadáveres de poetas simbolistas espalhados pelas jaulas de animais colecionados para deleite das crianças; e como as coisas ficam leves quando o cenário é desmontado e esse sensação de maldição evaporada, envolvente, sinuosa, brindando os breves contatos de nossa alegria.
No dia seguinte o filme seria outro, caminhando sob a chuva como uma sensação de cobre por dentro, sangue espesso como luz de igreja gótica, as escadarias em hélice e um sonho de vertigem – mas aí não havia mais o meu amigo cineasta, que sumiu para sempre, na mais santa incoerência. Assim seja.
Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
1/24/2013
1/19/2013
Monástica
É na madrugada que o som se torna insuportável
E essa gota amarga na língua faz o estômago ranger.
Portas e mais portas sem tranca
São abertas com mão de ferro:
É o retorno do oráculo
Chafurdando o futuro nas margens
Do passado.
Ao lado, ele dorme como uma serra elétrica.
Lá fora, os pássaros falam a língua dos dias.
Meu rosto, papel de arroz,
Finge um origami plácido e esconde
Orientalmente
Esses olhos lúcidos e o escárnio que escorre
Dos cantos
Da boca.
1/15/2013
Soneto dos meus sonhos
Vejo a mim mesmo como uma ilusão refratada de mãos que se fecham contra o peito
Protegendo-se num silêncio e apto a enxergar a luz muito forte do sol como se fosse outro nosso planeta.
Vejo minha irmã mais velha como alguém que decidiu obsessivamente proteger a todos, o que é impossível dada a quantidade das feridas que tendem ao infinito – o universo é uma ferida em expansão.
Vejo meu irmão mais velho como o Sacrificado, a carta que foi lançada cedo demais contra o vento e o mero abismo irrisório da vida, aquele que teve que abrir caminho no labirinto obscuro e percebeu cedo demais que a pretensa ordem das galáxias é um triste concerto de palavras.
Vejo tudo isso e entendo os homens antigos que sonhavam com o perdão absoluto.
Vejo uma criança enviada ao seminário para estudar com os padres a sua podre sabedoria e tendo que encarar a inexplicável rejeição, vejo essa criança envelhecendo oscilando entre a pretensa santidade e a completa frustração, sob uma luz desconhecida.
Vejo uma criança que vê sua mãe morrer afogada ou que precisa disso para aplacar as vozes que gritam coisas contra ela, contra sua fragilidade, contra a derrota predestinada dos astros negativos que cumprem um papel absurdo na ordem cósmica.
Assim vejo meus pais, mas apenas hoje, em que penso sobre sua absurda fragilidade.
Vejo tudo isso e entendo os homens antigos que sonhavam com o perdão absoluto.
Meu irmão mais novo surgiu, para mim, como uma estrela inesperada e sonha com cataventos à beira do tempo.
Mas não se iludam, ele aprende a controlar sua fragilidade
E dará as respostas na hora certa, no momento preciso, contra a arrogância dos homens que fazem a história como quem tece um pesadelo.
Minha irmã mais nova surge como uma perplexidade que observa perplexamente a vida, um espelho cheio de sentimentos e melancolia.
E em seus olhos todas essas vidas se desencontram, ou sou eu que vejo tudo isso, todos nós na tristeza de seus olhos, desde o dia em que ensinei, com uma lanterna, que o milagre das estrelas é a distância.
Vejo tudo isso e entendo os homens antigos que sonhavam com o perdão absoluto.
Protegendo-se num silêncio e apto a enxergar a luz muito forte do sol como se fosse outro nosso planeta.
Vejo minha irmã mais velha como alguém que decidiu obsessivamente proteger a todos, o que é impossível dada a quantidade das feridas que tendem ao infinito – o universo é uma ferida em expansão.
Vejo meu irmão mais velho como o Sacrificado, a carta que foi lançada cedo demais contra o vento e o mero abismo irrisório da vida, aquele que teve que abrir caminho no labirinto obscuro e percebeu cedo demais que a pretensa ordem das galáxias é um triste concerto de palavras.
Vejo tudo isso e entendo os homens antigos que sonhavam com o perdão absoluto.
Vejo uma criança enviada ao seminário para estudar com os padres a sua podre sabedoria e tendo que encarar a inexplicável rejeição, vejo essa criança envelhecendo oscilando entre a pretensa santidade e a completa frustração, sob uma luz desconhecida.
Vejo uma criança que vê sua mãe morrer afogada ou que precisa disso para aplacar as vozes que gritam coisas contra ela, contra sua fragilidade, contra a derrota predestinada dos astros negativos que cumprem um papel absurdo na ordem cósmica.
Assim vejo meus pais, mas apenas hoje, em que penso sobre sua absurda fragilidade.
Vejo tudo isso e entendo os homens antigos que sonhavam com o perdão absoluto.
Meu irmão mais novo surgiu, para mim, como uma estrela inesperada e sonha com cataventos à beira do tempo.
Mas não se iludam, ele aprende a controlar sua fragilidade
E dará as respostas na hora certa, no momento preciso, contra a arrogância dos homens que fazem a história como quem tece um pesadelo.
Minha irmã mais nova surge como uma perplexidade que observa perplexamente a vida, um espelho cheio de sentimentos e melancolia.
E em seus olhos todas essas vidas se desencontram, ou sou eu que vejo tudo isso, todos nós na tristeza de seus olhos, desde o dia em que ensinei, com uma lanterna, que o milagre das estrelas é a distância.
Vejo tudo isso e entendo os homens antigos que sonhavam com o perdão absoluto.
1/04/2013
Clio
E lá vem Clio, toda chapada dobrando a esquina. Cabelos esvoaçantes de medusa, vem tocando a trombeta, que som insuportável crianças não adianta tapar o ouvido. E vem Clio, vestida de branco, ela é o velho do saco, saco de lixo de lona preta, vai raptando crianças e fabricando espuma em seu esconderijo, espuma gosmenta e vermelha, a baba venenosa do tempo, que Clio toma e fica chapada, que bad trip crianças, o velho do saco está convencido de que somos meros obstáculos.
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