1
Ratoeira
de ossos com arsênico: assim se formam os vulcões estelares e seus rápidos
projéteis. Vocês sabiam que num tempo nem tão remoto a Terra foi um cometa?
Isso explica muita coisa: desde as cabeleiras com tranças brilhantes que baixam
dos céus e chicoteiam nos olhos vitrines de shopping
centers até essa luz pálido-azulada que paira sobre os palácios, incitando
na plebe messiânica desejos de invasão e apedrejamento.
2
O
cometa se partiu em dois, foi tragado pelo sol, repartiu-se em inúmeras
migalhas brilhantes. Sua longuíssima, diáfana cauda envolveu o planeta numa
névoa assim, como respirar no frio. Três senhoras virgens se sentiram
anacrônicas e se jogaram dentro de um poço. De norte a sul algumas pessoas com
predisposição genética finalmente enlouqueceram, apalpando seus globos oculares
e dizendo que capim neon brotava das pupilas. Na cidade de Santos uma mulher morreu
subitamente de terror, bem na porta de uma igreja. Olavo Bilac escreveria um
poema satírico sobre o assunto.
3
Ele passa garboso e saciado, um
capuz diáfano, perceptível na sequência de triângulos iridescentes que se
desdobram sobre sua cabeça, como um poente em céu poluído. Ele vai acompanhado
pelo séquito mais lamentável de animais nojentos ou detestáveis, como a coruja,
o urubu e o gavião, as três crias do azul terrível. À sua passagem, as pessoas
não conseguem se conter e riem desbragadamente, até as lágrimas. A euforia é
estranha, um lance de possessão demoníaca, comentam os jovens nas igrejas,
entre risos cada vez mais descontrolados. Mas a sensação de que seus músculos
faciais estão sendo manipulados por dentro e, sei lá, algo como uma mão
invisível nos força a rir sem motivo, conduz a uma sensação oposta: a desgraça.
Suicídios se seguem, como as ondas que emanaram do capuz luminoso.
4
Os
prisioneiros vão dentro do azulprata luminoso. Molhados de chuva, camisas
enlameadas. Vão por dentro da longa cabeleira motorizada, respirando o calor abafado
do asfalto. Vão tentando descobrir quando a traição começou a ser arquitetada –
questão de anos luz vomitando as palavras de um Deus marionete nas mãos de
força maior. Entram num perfurar-se elétrico do tempo, caem numa curva e somem
de vista. Um quadriculado esmiúça a cena (tentam captar onde o escuro da
memória tem um brilho ocluso de esquecimento).
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