5/24/2014

Estou no consultório com o ombro e o braço direito repletos de brotoejas alérgicas e o antebraço esquerdo com vermelhidão e bolhas de pele queimada. Ele diagnostica: vamos ter que testar sua imunidade, você está muito acostumado à tristeza.
*
Sempre vou ter que carregar esta criança morta, no tempo que me resta.
Tragar o desamor que se impregna em musgo transparente de ar pesado e soprar de volta em forma visível de fumaça que se dissipa, névoa alucinógena que nos proteja, a mim e à criança morta.
Bodisatva é uma pedra que sorri. 
*
Quem sou eu
pra dizer que sim que não
que não que sim que sim que não –

assinto.

A luz se azula porque foge para o breu
sobre a língua, no sol
contrário. em denegações:

não faço o que estou fazendo
ou sinto
muito.

unhas afiadas:
pele de restinga,
seiva vermelha alimenta de flores
e dor a esperança.

- mas só quer saber de gente inofensiva.


5/23/2014

 Ter que lidar com a própria mediocridade – talvez isso não fosse matéria de lirismo. Miséria emocional burguesa, essas coisas. Vá pro cinema, passeie ou fique em casa, deposite sua dor em contas alheias mediante ameaças de choros histéricos. Apague a luz, abra a janela, acenda a luz, feche a janela, vá até a estante para verificar se o livro ainda está lá, abra a mala, sinta o cheiro de papel velho, pergunte-se quando tudo começou, quando você conheceu o Medo.

Derrame o vinho nos degraus, autoconsumir-se não é inebriante. Veja o sangue na calçada, brotando entre as raízes que rompem à força o concreto armado e se debruce sobre as flores pálidas e estrelas apagadas atrás de monumentos, mas não confunda sua solidão com qualquer evento natural ou cósmico. Procure algum amparo mentiroso em qualquer místico anacrônico. Fique sabendo que quem ama e exige atenção ao seu amor causa tanto mal quanto quem odeia.  E então constate, certamente o Medo chegou antes: antes da mala, da janela, da luz e da estante, antes da miséria emocional burguesa e seu lirismo. Tome ar, respire fundo e mergulhe. Mergulhe. E mergulhe.